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A ARTE DA FELICIDADE, Um manual para a vida
DE SUA SANTIDADE, O DALAI_LAMA
e
HOWARD C. CUTLER


Esta obra foi publicada originalmente em ingl瘰 com o t癃ulo
THE ART OF HAPPINESS par Riverhead Books.
Copyright (c) /998 hv HH Dalai Lama and Ho.--d C. Cutler. M.D.
Copyright (c) Livraria Martins Fontes Editora Ltda
S緌 Paulo. 2000, para a presente edi誽o.

1edi誽o
fevereiro de 2000
7' tiragem
junho de 2000

Tradu誽o
WALD乜 BARCELLOS

Bstan-'dzin-rgya-mtsho, Dalai Lama XIV, 1935A arte da felicidade: um manual para a vida / de sua santidade o Dalai Lama e Howard C. Cutler ; tradu誽o Wald嶧 Barrellos.
- S緌 Paulo : Martins Fontes, 2000.

T癃ulo original: The art of happiness.

Todos os direitos para o Brasil reservados Livraria Martins Fontes Editora ltda.
Rua Conselheiro Ramalho, 330/340
0/325-000 S緌 Paulo SP Brasil
Tel. (11) 239-3677 Fax (11) 3105-6867
e-mail: infoCarrtartinsfontes.com
http:llw,K,ts.martinsfontes.com

Dedicado ao leitor:

Que vocencontre a felicidade
INDICE

Nota do autor IX
Introdu誽o 1

PRIMEIRA PARTE: O PROP紎ITO DA VIDA 11
Cap癃ulo 1 O direito felicidade 1,3
Cap癃ulo 2 As fontes da felicidade 20
Cap癃ulo 3 O treinamento da mente
para a felicidade 41
Cap癃ulo 4 O resgate do nosso estado
inato de felicidade 58

SEGUNDA PARTE: O CALOR HUMANO E A COMPAIX霓 73
Cap癃ulo 5 Um novo modelo para a intimidade 75
Cap癃ulo 6 O aprofundamento da nossa liga誽o
com os outros 95
Cap癃ulo 7 0 valor e os benef獳ios da compaix緌 127
TERCEIRA PARTE: A TRANSFORMAЫO
DO SOFRIMENTO 147

Cap癃ulo 8 Como encarar o sofrimento 149
Cap癃ulo 9 O sofrimento criado pela
pr鏕ria pessoa 168
Cap癃ulo 10 A mudan蓷 de perspectiva 194
Cap癃ulo 11 A descoberta do significado na dor
e no sofrimento 225

QUARTA PARTE: A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS 2415

Cap癃ulo 12 A realiza誽o de mudan蓷s 247
Cap癃ulo 13 Como lidar com a raiva e o 鏚io 278
Cap癃ulo 14 Como lidar com a ansiedade e refor蓷r
o amor-pr鏕rio 297

QUINTA PARTE: REFLEX闞S FINAIS SOBRE COMO
LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL 329

Cap癃ulo 15 Valores espirituais essenciais 331
Agradecimentos 359
Obras selecionadas de autoria de Sua Santidade,
o Dalai-Lama 363

NOTA DO AUTOR

Neste livro est緌 relatadas longas conversas com o Da~ lai-Lama. Os encontros pessoais com o Dalai-Lama no Arizona e na 璯dia, que constituem a base desta obra,
foram realizados com o objetivo expresso da cclabora誽o num projeto que apresentaria suas opini髊s sobre como levar uma vida mais feliz, acrescidas das minhas pr鏕rias
observa踥es e coment嫫ios a partir da perspect;va de um psiquiatra ocidental. O Dalai-Lama permitiu com generosidade que eu escolhesse para o livro o formato que
a meu ver transmitiria melhor suas id嶯as. Considerei que a narrativa encontrada nestas p墔inas proporcionaria uma leitu-
A ARTE DA FELICIDADE

ra mais agrad嫛el e ao mesmo tempo passaria uma no誽o de como o Dalai-Lama p髊 em pr嫢ica suas id嶯as na pr鏕ria vida di嫫ia. Com a aprova誽o do Dalai-Lama, organizei
este livro de acordo com o tema tratado; e assim, ocasionalmente, decidi combinar e associar material que pode ter sido extra獮o de conversas variadas. Da mesma
forma, tamb幦 com a permiss緌 do Dalai-Lama, nos trechos em que considerei necess嫫io para fins de clareza e compreens緌, entremeei trechos de algumas das suas palestras
ao plico no Arizona. O int廨prete do Dalai-Lama, o dr. Thupten jinpa, gentilmente fez a revis緌 da vers緌 final dos originais com o intuito de se assegurar de
que n緌 houvesse, em decorr瘽cia do processo de organiza誽o, nenhuma distor誽o inadvertida das id嶯as do Dalai-Lama.
Uma s廨ie de descri踥es de casos e relatos pessoais foi apresentada para ilustrar as id嶯as em pauta. Com o objetivo de manter a confidencialidade e proteger
a privacidade dos envolvidos, em todos os casos alterei os nomes, detalhes e outras caracter疄ticas particulares, de modo que impedisse a identifica誽o dos indiv獮uos.

DR. HOWARD C. CUTLER

INTRODUЫO

Encontrei o Dalai-Lama sozinho num vesti嫫io de basquetebol pouco antes da hora em que se apresentaria para falar a uma multid緌 de seis mil pessoas na Arizona State
University. Bebericava calmamente seu ch em perfeita serenidade.
- Se Vossa Santidade estiver pronto...

Ele se levantou, animado, e saiu do vesti嫫io sem hesitar, dando com a turba apinhada nos bastidores, composta de rep鏎teres da cidade, fot鏬rafos, seguran蓷s
e estudantes - os que procuram, os curiosos e os c彋icos. Caminhou em meio multid緌 com um largo sorriso; e cum-
A ARTE D A FELICIDADE

primentava as pessoas medida que avan蓷va. Finalmente, passou por uma cortina" apareceu no palco, fez uma rever瘽cia, uniu as m緌s e sorriu. Foi recebido com um
aplauso ensurdecedor. A pedido seu, a ilumina誽o n緌 foi reduzida, de modo que ele pudesse ver a plat嶯a com nitidez. E, por alguns instantes, ficou simplesmente
ali parado, observando o plico em sil瘽cio com uma express緌 inconfund癉el de carinho e boa vontade. Para quem nunca tinha visto o Dalai-Lama antes, suas vestes
de monge de um marrom-avermelhado e da cor do a蓷fr緌 podem ter causado uma impress緌 um pouco ex鏒ica. No entanto, sua not嫛el capacidade para estabelecer contato
com o plico logo se revelou quando ele sentou e come蔞u a palestra.
- Creio ser esta a primeira vez que vejo a maioria de voc瘰. Mas, para mim, n緌 faz mesmo muita diferen蓷 se estou falando com um velho amigo ou com um novo
porque sempre acredito que somos iguais: somos todos seres humanos. claro que pode haver diferen蓷s de forma誽o cultural ou estilo de vida; pode haver diferen蓷s
quanto nossa f ou podemos ser de uma cor diferente; mas somos seres humanos, constitu獮os do corpo humano e da mente humana. Nossa estrutura f疄ica a mesma;
e nossa mente e nossa natureza emocional tamb幦 s緌 as mesmas. Onde quer que eu conhe蓷 pessoas, sempre tenho a sensa誽o de estar me encontrando com outro ser humano,
exatamente igual a mim. Creio ser muito mais f塶il a comunica誽o com os outros nesse n癉el. Se dermos 瘽fase << caracter疄ticas espec璗icas, como a de eu ser tibetano
ou de ser budista, nesse caso hdiferen蓷s. Mas esses aspec-

2

INTRODUЫO

tos s緌 secund嫫ios. Se conseguirmos deixar de lado as diferen蓷s, creio que poderemos nos comunicar, trocar id嶯as e compartilhar experi瘽cias com facilidade.
Foi assim que, em 1993, o Dalai-Lama deu in獳io a uma semana de palestras abertas ao plico no Arizona. Planos para sua visita ao Arizona haviam come蓷do
a se delinear mais de dez anos antes. Foi naquela 廧oca que nos conhecemos, quando eu estava visitando Dharamsala, na 璯dia, gra蓷s a uma pequena bolsa de pesquisa
para estudar a medicina tradicional tibetana. Dharamsala um lugarejo lindo e tranqlo, empoleirado na encosta de um monte nos contrafortes do Himalaia. Hquase
quarenta anos, essa a sede do governo tibetano no ex璱io, desde quando o DalaiLama, acompanhado por cem mil tibetanos, fugiu do Tibete ap鏀 a brutal invas緌 pelas
for蓷s chinesas. Durante minha estada em Dharamsala, conheci alguns familiares do DalaiLama; e foi atrav廥 desses familiares que foi marcado meu primeiro encontro
com ele.
Em sua palestra ao plico em 1993, o Dalai-Lama falou da import滱cia do relacionar-se como um ser humano diante de outro; e era essa mesma qualidade que
havia sido a caracter疄tica mais surpreendente da nossa primeira conversa na sua casa em 1982. Ele parecia ter uma capacidade incomum para deixar as pessoas totalmente
vontade, para criar com rapidez um v璯culo simples e direto com outro ser humano. Nosso primeiro encontro durou cerca de quarenta e cinco minutos; e, como tantas
outras pessoas, sadaquele primeiro encontro com excelente estado de esp甏ito, com a impress緌 de ter acabado de conhecer um homem verdadeiramente extraordin嫫io.

3
A ARTE DA FELICIDADE

Com o passar dos anos, medida que meu contato com o Dalai-Lama se ampliou, vim aos poucos a perceber suas numerosas qualidades especiais. Ele disp髊 de
uma intelig瘽cia perspicaz, mas sem artif獳ios; uma benevol瘽cia, mas sem sentimentalismo em excesso; um humor maravilhoso, mas sem frivolidade; e, como muitos descobriram,
a capacidade de inspirar as pessoas em vez de intimidlas.
Convenci-me, com o tempo, de que o Dalai-Lama havia aprendido a viver com uma no誽o de realiza誽o pessoal e um n癉el de serenidade que eu nunca tinha visto
em outras pessoas. Determinei-me a identificar os princ甑ios que lhe permitiam conseguir isso. Embora ele seja um monge budista com toda uma vida de estudos e forma誽o
budistas, comecei a me perguntar se seria poss癉el isolar um conjunto das suas cren蓷s ou pr嫢icas que pudesse ser utilizado por n緌-budistas tamb幦 - pr嫢icas que
pudessem ter aplica誽o direta nossa vida, para simplesmente nos ajudar a ser mais felizes, mais fortes, talvez a ter menos medo.
Acabei tendo a oportunidade de examinar suas opini髊s em maior profundidade em encontros di嫫ios com ele durante sua estada no Arizona e, dando continuidade
a essas conversas, em outras mais longas na sua casa na 瓝dia. Enquanto troc嫛amos id嶯as, logo descobri que havia alguns obst塶ulos a superar no esfor蔞 para harmonizar
nossas perspectivas diferentes: a dele a de um monge budista, a minha a de um psiquiatra ocidental. Comecei uma das nossas primeiras sess髊s, por exemplo, propondo-lhe
certos problemas humanos comuns, que ilustrei com alguns relatos cansativos sobre casos reais. Depois de descrever itma mulher que persistia em comportamentos autodestru-

INTRODLШO

tivos apesar do tremendo impacto negativo sobre sua vida, perguntei-lhe se ele teria uma explica誽o para esse comportamento e que conselho poderia oferecer. Fiquei
pasmo quando, depois de uma longa pausa para reflex緌, ele simplesmente disse que n緌 sabia e, dando de ombros, soltou uma risada af嫛el.
Ao perceber meu ar de surpresa e decep誽o por n緌 receber uma resposta mais concreta, o Dalai-Lama explicou:
- 龍 vezes muito dif獳il explicar por que as pessoas fazem o que fazem... Com freqncia, a conclus緌 que n緌 hexplica踥es simples. Se entr嫳semos
nos detalhes da vida de cada indiv獮uo, tendo em vista como a mente do ser humano t緌 complexa, seria muito dif獳il compreender o que estacontecendo, o que ocorre
exatamente.
Achei que ele estava usando evasivas.
- Mas, na qualidade de psicoterapeuta, minha fun誽o descobrir os motivos pelos quais as pessoas fazem o que fazem...
Mais uma vez, ele caiu naquela risada que muitas pessoas consideram extraordin嫫ia - um riso impregnado de humor e boa vontade, sem afeta誽o, sem constrangimento,
que come蓷 com uma resson滱cia grave e, sem esfor蔞, sobe algumas oitavas para terminar num tom agudo de prazer.
- Considero extremamente dif獳il tentar descobrir como funciona a mente de cinco bilh髊s de pessoas - disse ele, ainda rindo. - Seria uma tarefa imposs癉el!
Do ponto de vista do budismo, s緌 muitos os fatores que contribuem para um dado acontecimento ou situa誽o... Na realidade, pode haver tantos fatores em jogo que
跴 vezes poss癉el que nunca se tenha uma explica誽o completa
A ARTE DA FELICIDADE

para o que estacontecendo, pelo nnenos n緌 em termos convencionais.
Ao perceber uma certa perturba誽o de minha parte, ele prosseguiu com suas observa踥es.
- No esfor蔞 de determinar a orrigem dos problemas de cada um, parece que a abordagenn ocidental difere sob muitos aspectos do enfoque budista. ;Subjacente
a todas as variedades de an嫮ise ocidental, hsuma tend瘽cia racionalista muito forte, um pressuposto 嫮e que tudo pode ser explicado. E ainda por cima existemi
restri踥es decorrentes de certas premissas tidas como Il甒uidas e certas. Por exemplo, eu recentemente me reuni com alguns m嶮icos numa faculdade de medicina. Estavarm
falando sobre o c廨ebro e afirmaram que os pensamentos e os sentimentos resultam de diferentes rea踥es e altera踥es qu璥icas no c廨ebro. Por isso, propus uma pergur'ita.
poss癉el conceber a seqncia inversa, na qual o pfensamento densejo seqncia de ocorr瘽cias qu璥icas no c廨ebro? Mas a parte que considerei mais interessante
foi a resposta dada pelo cientista. "Partimos da premissa (de que todos os pensamentos s緌 produtos ou fun踥es ~de rea踥es qu璥icas no c廨ebro." Quer dizer que se
trata simplesmente de uma esp嶰ie de rigidez, uma decis緌 de ni緌 questionar o pr鏕rio modo de pensar.
Ficou calado por um instante e depois prosseguiu.
- Creio que na sociedade ocidental moderna parece haver um forte condicionamento cultiural baseado na ci瘽cia. No entanto, em alguns casos, as premissas
e os par滵etros b嫳icos apresentados pela ci瘽cia ocidental podem limitar sua capacidade para lidar co)m certas realidades.

INTRODUЫO

Por exemplo, voc瘰 sofrem as limita踥es da id嶯a de que tudo pode ser explicado dentro da estrutura de uma ica vida; e ainda associam a isso a no誽o de que tudo
pode e deve ser explicado e justificado. Por幦, quando deparam com fen獽enos que n緌 conseguem explicar, cria-se uma esp嶰ie de tens緌. quase uma sensa誽o de agonia.
Muito embora eu percebesse que havia alguma verdade no que ele dizia, de in獳io considerei dif獳il aceitar suas palavras.
- Bem, na psicologia ocidental, quando deparamos com comportamentos humanos que na superf獳ie s緌 dif獳eis de explicar, temos algumas abordagens que podemos
utilizar para entender o que estocorrendo. Por exemplo, a id嶯a do aspecto inconsciente ou subconsciente da mente tem um papel de destaque. Para n鏀, 跴 vezes,
o comportamento pode resultar de processos psicol鏬icos dos quais n緌 estamos conscientes. Por exemplo, poder燰mos agir de uma determinada forma a fim de evitar
um medo oculto. Sem que percebamos, certos comportamentos podem ser motivados pelo desejo de impedir que esses temores venham tona no consciente, para que n緌
tenhamos de sentir o mal-estar associado a eles.
O Dalai-Lama refletiu por um instante antes de responder.
- No budismo, existe a id嶯a de disposi踥es e registros deixados por certos tipos de experi瘽cia, o que meio parecido com a no誽o do inconsciente na psicologia
ocidental. Por exemplo, um determinado tipo de acontecimento pode ter ocorrido num per甐do anterior na sua vida e ter deixado um registro muito forte na sua mente,
registro este
A ARTE DA FELICIDADE

que pode permanecer oculto e mais tarde afetar seu comportamento. Portanto, hessa id嶯a de algo que pode ser inconsciente: registros dos quais a pessoa pode nem
ter consci瘽cia. Seja como for, creio que o budismo tem como aceitar muitos dos fatores que os te鏎icos ocidentais podem apresentar, mas a esses ele somaria outros
fatores. Por exemplo, ele acrescentaria o condicionamento e os registros de vidas passadas. jna psicologia ocidental hna minha opini緌 uma tend瘽cia a superestimar
o papel do inconsciente na procura das origens dos problemas de cada um. A meu ver, isso deriva de alguns pressupostos b嫳icos a partir dos quais a psicologia ocidental
opera. Por exemplo, ela n緌 aceita a id嶯a de que registros possam ser herdados de uma vida passada. E ao mesmo tempo hum pressuposto de que tudo deve ser explicado
dentro do per甐do desta vida. Assim, quando n緌 se consegue explicar o que estprovocando certos comportamentos ou problemas, a tend瘽cia sempre atribuir o motivo
ao inconsciente. mais ou menos como se a pessoa tivesse perdido algum objeto e decidisse que esse objeto estaria nesta sala. E, uma vez que se tenha tomado essa
decis緌, jse fixaram os par滵etros. jse excluiu a possibilidade de o objeto estar fora daqui ou em outro aposento. Com isso, a pessoa n緌 p嫫a de procurar, mas
n緌 encontra nada. E, mesmo assim, continua a pressupor que o objeto ainda esteja escondido em algum lugar neste recinto!

Quando comecei a conceber este livro, imaginei um formato convencional de auto-ajuda no qual o Dalai-Lama apre-

INTRODUЫO

sentaria solu踥es claras e simples para todos os problemas da vida. Minha impress緌 era que eu poderia, recorrendo minha forma誽o em psiquiatria, classificar suas
opini髊s num conjunto de instru踥es f塶eis sobre como conduzir a vida no dia-a-dia. Antes do final da nossa s廨ie de encontros, eu jhavia desistido da id嶯a. Descobri
que seu enfoque abrangia um paradigma muito mais amplo e multifacetado, que englobava todas as sutilezas, a riqueza e a complexidade que a vida tem a oferecer.
Aos poucos, por幦, comecei a ouvir a nota ica que ele constantemente fazia soar. uma nota de esperan蓷. Sua esperan蓷 tem como base a cren蓷 de que,
embora n緌 seja f塶il alcan蓷r a felicidade genu璯a e duradoura, mesmo assim, ela algo que se pode realizar. Subjacente a todos os m彋odos do Dalai-Lama hum
sistema b嫳ico de cren蓷s que funciona como um substrato para todos os seus atos: a cren蓷 na docilidade e bondade essencial de todos os seres humanos, a cren蓷
no valor da compaix緌, a cren蓷 numa pol癃ica de benevol瘽cia e uma percep誽o do que hde comum entre todas as criaturas vivas.
medida que sua mensagem se revelava, foi ficando cada vez mais claro que suas cren蓷s n緌 se baseiam na fcega ou no dogma religioso mas, sim, no racioc璯io
s鏊ido e na experi瘽cia direta. Sua compreens緌 da mente e do comportamento humano tem como sustenta誽o toda uma vida de estudos. Suas opini髊s est緌 enraizadas
numa tradi誽o que remonta a mais de dois mil e quinhentos anos e no entanto amenizada pelo bom senso e por uma sofisticada compreens緌 dos problemas modernos.
Sua aprecia誽o de quest髊s contempor滱eas moldou-se a partir da
A ARTE DA FELICIDADE

posi誽o singular que ele ocupa como figura mundial, o que lhe permitiu viajar pelo mundo muitas vezes, expondo-se a muitas culturas diferentes e a pessoas de todos
os campos de atua誽o, trocando id嶯as com cientistas de renome, bem como com l獮eres religiosos e pol癃icos. O que surge, em tima an嫮ise, um enfoque cheio de
sabedoria para lidar com os problemas humanos, uma abordagem ao mesmo tempo otimista e realista.
Neste livro, procurei apresentar a abordagem do Dalai-Lama a um plico essencialmente ocidental. Nele inclulongos trechos dos seus ensinamentos plicos
e das nossas conversas particulares. Em obedi瘽cia ao meu objetivo de procurar dar mais 瘽fase ao material que for mais aplic嫛el nossa vida no dia-a-dia, em certas
passagens preferi omitir partes das palestras do Dalai-Lama que se dedicavam a alguns dos aspectos mais filos鏹icos do budismo tibetano. O Dalai-Lama jescreveu
uma s廨ie de livros excelentes a respeito de v嫫ios aspectos do caminho budista. Podem-se encontrar t癃ulos selecionados no final deste livro, e quem estiver interessado
num estudo mais profundo do budismo tibetano encontrarmuita informa誽o de valor nesses livros.

Io

Primeira Parte

O PROP紎ITO
DA VIDA
1,1 i Cap癃ulo Z

O DIREITO A FELICIDADE

i

Para mim o pr鏕rio objetivo da vida perseguir a felicidade. Isso estclaro. Se acreditamos em religi緌, ou n緌; se acreditamos nesta religi緌 ou naquela; todos
estamos procurando algo melhor na vida. Por isso, para mim, o pr鏕rio movimento da nossa vida no sentido da felicidade...
Com essas palavras, pronunciadas diante de uma plat嶯a numerosa no Arizona, o Dalai-Lama exp盭 o cerne da sua mensagem. No entanto, sua afirma誽o de que
o prop鏀ito da vida era a felicidade levantou na minha cabe蓷 uma quest緌.
A ARTE DA FELICIDADE

- O senhor feliz? - perguntei-lhe mais tarde, quando est嫛amos sozinhos.
- Sou - respondeu ele e depois acrescentou. - Decididamente... sou. - Havia na sua voz uma sinceridade tranqla que n緌 deixava didas, uma sinceridade
que se refletia na sua express緌 e nos seus; olhos.
- Mas serque a felicidade uml objetivo razo嫛el para a maioria de n鏀? - perguntei.
poss癉el?
- Para mim, a felicidade pode ser alcan蓷da atrav廥 do treinamento da mente.
Num n癉el b嫳ico de ser humano, eu n緌 podia deixar de me sensibilizar com a id嶯a da felicidade como um objetivo ating癉el. Como psiquiatr~i, por幦, eu
estava sobrecarregado com id嶯as como a 嫚ini緌 de Freud de que se sente a "propens緌 a dizer que a inten誽o de que o homem seja `feliz' n緌 faz parte dos pllanos
da `Cria誽o"'. Esse tipo de forma誽o levou muitos na minha profiss緌 conclus緌 sombria de que o m嫞imo que se poderia esperar era "a transforma誽o da afli誽o hist廨ica
em mera infelicidade". A partir dessa perspectiva, a afirma誽o de que havia um caminho bem definido ata feliicidade parecia ser uma id嶯a totalmente radical. Quando
vcoltei meu olhar para os anos que passei na forma誽o psiqui嫢rica, raramente consegui me lembrar de ter ouvido a (palavra "felicidade" ser sequer mencionada como
objetivo terap盦tico. Naturalmente, havia bastante conversa sobre o al癉io dos sintomas de depress緌 ou ansiedade do paciente, de resolver conflitos interiores ou
problemas de relacionamento; mas jamais com o objetivo expresso de tornar o paciente feliz.

Serque ela realmente
14

O PROP紎ITO DA VIDA

No Ocidente, o conceito de alcan蓷r a verdadeira felicidade sempre pareceu mal definido, impalp嫛el, esquivo. Atmesmo a palavra happy derivada do termo
happ em island瘰, que significa sorte ou oportunidade. Parece que a maioria de n鏀 encara da mesma forma a misteriosa natureza da felicidade. Naqueles momentos de
alegria que a vida proporciona, a felicidade da impress緌 de ser algo que caiu do c徼. Para minha cabe蓷 de ocidental, ela n緌 parecia ser o tipo de aspecto que
se pudesse desenvolver e sustentar, apenas com o "treinamento da mente".
Quando levantei essa obje誽o, o Dalai-Lama deu a explica誽o de imediato.
- Quando falo em "treinar a mente" neste contexto, n緌 estou me referindo "mente" apenas como a capacidade cognitiva da pessoa ou seu intelecto. Estou,
sim, usando 0 termo no sentido da palavra Sem, em tibetano, que tem um significado muito mais amplo, mais pr闛imo de "psique" ou "esp甏ito"; um significado que inclui
o intelecto e o sentimento, o cora誽o e a mente. Por meio de uma certa disciplina interior, podemos sofrer uma transforma誽o da nossa atitude, de todo o nosso modo
de encarar e abordar a vida.
"Quando falamos dessa disciplina interior, claro que ela pode envolver muitos aspectos, muitos m彋odos. Mas em geral come蓷-se identificando aqueles fatores
que levam felicidade e aqueles que levam ao sofrimento. Depois desse est墔io, passa-se gradativamente a eliminar os que levam ao sofrimento e a cultivar os que
conduzem felicidade. esse o caminho."

15
A ARTE DA FELICIDADE

0 Dalai-Lama afirma ter atingido certo grau de felicidade pessoal. E, ao longo da semana que passou no Arizona, eu testemunhei com freqncia como essa felicidade
pessoal pode se manifestar como uma simples disposi誽o para entrar em contato com o outro, para gerar uma sensa誽o de afinidade e boa vontade, atmesmo nos encontros
mais curtos.
Um dia de manh depois da sua palestra aberta ao plico, o Dalai-Lama seguia por um p嫢io externo no caminho de volta ao seu quarto no hotel, cercado pelo
s廦uito de costume. Ao perceber uma camareira do hotel parada perto dos elevadores, ele parou para perguntar de onde ela era. Por um instante, ela pareceu surpresa
com aquele homem de apar瘽cia ex鏒ica, de vestes marrom-avermelhadas, e demonstrou estar intrigada com a defer瘽cia do s廦uito. Depois, ela sorriu.
- Do M憖ico - respondeu com timidez. O Dalai-Lama fez uma r嫚ida pausa para falar alguns instantes com ela e ent緌 seguiu adiante, deixando-a com uma express緌
de enlevo e prazer. No dia seguinte, mesma hora, ela apareceu no mesmo local com outra integrante da equipe de camareiras, e as duas o cumprimentaram calorosamente
enquanto ele ia entrando no elevador. A intera誽o foi r嫚ida, mas as duas pareciam radiantes de felicidade enquanto voltavam ao trabalho. Todos os dias daem diante,
reuniam-se a elas mais algumas camareiras no local e hor嫫io designado, atque no final da semana jhavia ali dezenas de camareiras, nos seus uniformes engomados
em cinza e branco, formando uma linha de recep誽o que se estendia ao longo do trajeto atos elevadores.

O PROP紎ITO DA VIDA

Nossos dias s緌 contados. Neste exato momento, muitos milhares de pessoas v瘱 ao mundo, algumas fadadas a viver apenas alguns dias ou semanas, para depois sucumbirem
tragicamente com alguma doen蓷 ou outra desgra蓷. Outras est緌 destinadas a abrir caminho ata marca dos cem anos, talvez ata ultrapassla um pouco, e a provar
cada sabor que a vida tem a oferecer: a vit鏎ia, o desespero, a alegria, o 鏚io e o amor. Nunca sabemos. Quer vivamos um dia, quer um s嶰ulo, sempre resta uma pergunta
crucial: qual o prop鏀ito da vida? O que confere sig-

nificado nossa vida?

O prop鏀ito da nossa exist瘽cia buscara felicidade.
Parece senso comum, e pensadores ocidentais como Arist鏒eles e William James concordaram com a id嶯a. No entanto, serque uma vida baseada na busca da felicidade
pessoal n緌 seria, em si, egoc瘽trica, atmesmo comodista? N緌 necessariamente. Na realidade, pesquisas e mais pesquisas revelaram que s緌 as pessoas infelizes
que costumam ser mais centradas em si mesmas e que, em termos sociais, com freqncia s緌 retra獮as, ensimesmadas e atmesmo hostis. Jas pessoas felizes s緌 em
geral consideradas mais soci嫛eis, flex癉eis, criativas e capazes de suportar as frustra踥es di嫫ias com maior facilidade do que as infelizes. E, o que mais importante,
considera-se que sejam mais amorosas e dispostas ao perd緌 do que as infelizes.
Pesquisadores desenvolveram algumas experi瘽cias interessantes que revelaram que as pessoas felizes demonstram um certo tipo de abertura, uma disposi誽o
a estender a m緌 e ajudar os outros. Eles conseguiram, por exemplo,
A ARTE DA FELICIDADE

induzir um estado de esp甏ito de felicidade numa pessoa que se submeteu ao teste, criando uma situa誽o em que ela inesperadamente encontrava dinheiro numa cabine
telef獼ica. Fingindo ser um desconhecido, um dos participantes da experi瘽cia passou ent緌 por ali e deixou cair "acidentalmente" uma pilha de pap嶯s. Os pesquisadores
queriam saber se o objeto da experi瘽cia pararia para ajudar o desconhecido.

Em outra situa誽o, levantou-se o 滱imo dos objetos da experi瘽cia com um disco de piadas, e eles depois foram abordados por algu幦 que passava por necessidade
(tamb幦 de conluio com os pesquisadores) e queria apanhar dinheiro emprestado. Os pesquisadores conclu甏am que os objetos da experi瘽cia que estavam se sentindo
felizes tinham maior probabilidade de ajudar algu幦 ou de emprestar dinheiro do que indiv獮uos num "grupo de controle", a quem era apresentada a mesma oportunidade
de ajudar, mas cujo estado de esp甏ito n緌 havia sido estimulado com anteced瘽cia.
Embora esses tipos de experi瘽cia contradigam a no誽o de que a procura e a realiza誽o da felicidade pessoal de algum modo levam ao ego疄mo e ao ensimesmamento,
todos n鏀 podemos conduzir nossa pr鏕ria experi瘽cia no laborat鏎io do nosso pr鏕rio dia-a-dia. Suponhamos, por exemplo, que estejamos parados num congestionamento.
Depois de vinte minutos, o tr滱sito volta a fluir, ainda a uma velocidade muito baixa. Vemos algu幦 em outro carro fazendo sinais de que quer passar para nossa faixa
nossa frente. Se estivermos de bem com a vida, maior a probabilidade de reduzirmos a velocidade para deixar a pessoa entrar. Se estivermos nos sentindo p廥simos,
nossa

18

O PROP紎ITO DA VIDA

rea誽o pode ser simplesmente a de aumentar a velocidade e fechar o espa蔞. "Ora, se eu estou aqui parado esperando todo esse tempo, por que os outros n緌 podem esperar?"
Partimos, ent緌, da premissa b嫳ica de que o prop鏀ito da nossa vida a busca da felicidade. uma vis緌 da felicidade como um objetivo verdadeiro, um objetivo
para a realiza誽o do qual podemos dar passos positivos. E, medida que come蓷rmos a identificar os fatores que levam a uma vida mais feliz, estaremos aprendendo
como a busca da felicidade oferece benef獳ios n緌 sao indiv獮uo, mas fam璱ia do indiv獮uo e tamb幦 sociedade como um todo.
'3 PROP紎ITO DA VIDA

Cap癃ulo 2

AS FONTES DA FELICIDADE

Dois anos atr嫳, uma amiga minha teve um ganho inesperado. Um ano e meio antes daquela 廧oca, ela havia abandonado o emprego de enfermeira, para ir trabalhar para
dois amigos que estavam abrindo uma pequena empresa de atendimento de sae. A companhia teve um sucesso mete鏎ico e em um ano e meio foi comprada por um grande
conglomerado por um valor alt疄simo. Tendo participado da empresa desde o in獳io, minha amiga saiu da venda cheia de op踥es de compra de a踥es - o suficiente para
conseguir aposentar-se aos trinta e dois anos de idade. Eu a vi hn緌 muito tempo e
do de estar aposentada.

Zo

- Bem - disse ela - 鏒imo poder viajar e fazer o que eu sempre quis fizer. Mas o estranho que, depois que me recuperei da emo誽o de ganhar todo aquele
dinheiro, as coisas mais ou menos voltaram ao normal. Quer dizer, tudo estdiferente comprei uma casa nova e tudo o mais, mas em geral ache que n緌 estou muito
mais feliz do que era antes.
Por volta da rtiesma 廧oca em que minha amiga estava recebendo os lucros inesperados, outro amigo da mesma idade descobriu que era soropositivo. N鏀 conversamos
sobre como ele estava lidando com seu estado.
- claro que a princ甑io fiquei arrasado - disse ele. E demorei quase um ano spara aceitar o fato de estar com o v甏us. Mas ao longo do timo ano, as
coisas mudaram. Parece que aproveito cada dia mais do que jamais aproveitei antes. E, se analisarmos de momento a momento, estou mais feliz agora do que nunca fui.
Parece simplesmente que aprecio mais o dia-a-dia; e sinto gratid緌 por n緌 ter atagora apresentado nenhum sintoma grave da AIDS e por poder realmente aproveitar
o que tenho. E, muito embora eu preferisse n緌 ser soropositivo, devo admitir que, sob certos aspectos, a doen蓷 transformou minha vida... para melhor...
- Em que ternos? - perguntei.
- Bem, por exemplo, vocsabe que eu sempre tive a tend瘽cia a ser um materialista inveterado. Sque ao longo do timo ano, a procura da aceita誽o da minha
mortalidade descortinou todo um mundo novo. Comecei a explorar a espiritualidade pela primeira vez na minha vida, lendo um monte cie livros e conversando com as
pessoas...

perguntei se estava gostan-

zi
A ARTE DA FELICIDADE

O PROP紎ITO DA VIDA

descobrindo tantas coisas nas quais nunca havia pensado antes. Fico empolgado sde acordar de manh de pensar no que o dia pode me trazer.
Essas duas pessoas ilustram o ponto essencial de que a
felicidade determinada mais pelo estado mental da pessoa do que por acontecimentos externos. O sucesso pode produzir uma sensa誽o tempor嫫ia de enlevo, ou a trag嶮ia
pode nos mandar para um per甐do de depress緌, mas mais cedo ou mais tarde nosso n癉el geral de felicidade acaba migrando de volta para uma certa linha de refer瘽cia.
Os psic鏊ogos chamam esse processo de adapta誽o; e n鏀 podemos ver como esse princ甑io atua no nosso dia-a-dia. Um aumento, um carro novo ou um reconhecimento por
parte dos colegas podem nos deixar animados por um tempo; mas logo voltamos ao nosso n癉el costumeiro de felicidade. Da mesma forma, uma discuss緌 com um amigo,
um autom镽el na oficina ou um pequeno ferimento podem nos deixar de p廥simo humor, mas em quest緌 de dias nosso esp甏ito volta ao que era antes.
Essa tend瘽cia n緌 se limita a acontecimentos triviais, de rotina, mas persiste mesmo sob condi踥es mais extremas de sucesso ou cat嫳trofe. Pesquisadores
que estudavam os ganhadores da loteria estadual no Illinois e da loteria brit滱ica descobriram, por exemplo, que a empolga誽o inicial ia passando com o tempo e os
ganhadores voltavam sua faixa habitual de felicidade de cada momento. E outros estudos demonstraram que, mesmo aquelas pessoas que s緌 v癃imas de acontecimentos
catastr鏹icos, como por exemplo o c滱cer, a cegueira ou a paralisia, tipicamente recuperam seu n癉el normal ou quase normal de felicidade de rotina depois de um
per甐do adequado de ajuste.

22

Portanto, se nossa tend瘽cia voltar para o n癉el de refer瘽cia de felicidade que nos caracter疄tico, n緌 importa quais sejam as condi踥es externas, o
que ent緌 determina esse n癉el de refer瘽cia? E, o que mais importante, serque ele pode ser modificado, fixado numa faixa mais alta? Alguns pesquisadores defenderam
recentemente a tese de que o n癉el de felicidade ou bem-estar caracter疄tico de um indiv獮uo determinado geneticamente, pelo menos atcerto ponto. Estudos como,
por exemplo, um que concluiu que g瘱eos id瘽ticos (que t瘱 a mesma constitui誽o gen彋ica) tendem a apresentar n癉eis muito semelhantes de bem-estar - independentemente
do fato de terem sido criados juntos ou separados - levaram esses pesquisadores a postular a exist瘽cia de um ponto biol鏬ico fixo para a felicidade, instalado no
c廨ebro desde o nascimento.
Entretanto, mesmo se a constitui誽o gen彋ica desempenhar um papel no que diz respeito felicidade - e ainda n緌 foi dada a tima palavra quanto extens緌
desse papel - hum consenso geral entre os psic鏊ogos de que qualquer que seja o n癉el de felicidade que nos conferido pela natureza, existem passos que podem
ser dados para que trabalhemos com o "fator mental", a fim de aumentar nossa sensa誽o de felicidade. Isso, porque nossa felicidade de cada momento em grande parte
determinada por nosso modo de encarar a vida. Na realidade, o fato de nos sentirmos felizes ou infelizes a qualquer dado momento costuma ter muito pouco a ver com
nossas condi踥es absolutas mas sim, uma fun誽o de como percebemos nossa situa誽o, da satisfa誽o que sentimos com o que temos.
A ARTE DA FELICIDADE

A MENTE QUE COMPARA

11

O PROP紎ITO DA VIDA

O que determina nossa percep誽o e nosso n癉el de satisfa誽o? Nossa sensa誽o de contentamento sofre forte influ瘽cia da nossa tend瘽cia compara誽o. Se comparamos
nossa situa誽o atual com nosso passado e conclu璥os que estamos em melhor situa誽o, sentimo-nos felizes. Isso ocorre, por exemplo, quando nossos rendimentos anuais
sobem de repente de US$ 20.000 para US$ 30.000, mas n緌 o valor absoluto da renda que nos deixa felizes, como logo descobrimos quando nos acostumamos ao novo patamar
e

percebemos que svoltaremos a ser felizes quando ganharmos 湒$ 40.000 por ano. Tamb幦 olhamos nossa volta e nos comparamos com os outros. Por maior que seja nossa
renda, nossa tend瘽cia sentir insatisfa誽o se nosso vizinho estiver ganhando mais. Atletas profissionais queixam-se amargamente de sal嫫ios anuais de um, dois
ou tr瘰 milh髊s de d鏊ares, mencionando o sal嫫io mais alto de um colega da equipe como justificativa para seu descontentamento. Essa tend瘽cia parece corroborar
a defini誽o de H. L. Mencken de um homem rico: aquele cuja renda superar em cem d鏊ares a renda do marido da irmda sua mulher.
Logo, pode-se ver como nosso sentimento de satisfa誽o com a vida muitas vezes depende da pessoa com quem estamos nos comparando. Naturalmente, comparamos
outros aspectos al幦 da renda. A compara誽o constante com quem mais inteligente, mais bonito ou mais bem-sucedido do que n鏀 tamb幦 costuma gerar inveja, frustra誽o
e infelicidade. No entanto, podemos usar esse mesmo prin-

c甑io de modo positivo. Podemos aumentar nossa sensa誽o de satisfa誽o com a vida comparando-nos com os que s緌 menos afortunados do que n鏀 e refletindo sobre tudo

o que temos.
Pesquisadores realizaram uma s廨ie de experi瘽cias e demonstraram que o n癉el de satisfa誽o com a vida de uma pessoa pode ser elevado atrav廥 de uma simples
mudan蓷 de perspectiva e da visualiza誽o de como as coisas poderiam ser piores. Num estudo, mostraram-se a mulheres na University of Wisconsin em Milwaukee imagens
das condi踥es de vida extremamente duras vigentes em Milwaukee na virada do s嶰ulo passado, ou pediu-se 跴 mulheres que imaginassem trag嶮ias pessoais, como sofrer
queimaduras ou ficar deformada, e escrevessem a respeito. Depois de terminado esse exerc獳io, foi pedido 跴 mulheres que avaliassem a qualidade das suas pr鏕rias
vidas. O exerc獳io resultou num aumento da sensa誽o de satisfa誽o com a vida. Em outra experi瘽cia na State University of New York, em Buffalo, pediu-se aos objetos
da pesquisa que completassem a frase "Fico feliz por n緌 ser..." Depois de repetir esse exerc獳io cinco vezes, os participantes apresentaram uma n癃ida eleva誽o
nos seus sentimentos de satisfa誽o. Pediu-se a outro grupo que completasse a frase "Eu gostaria de ser..." Dessa vez, a experi瘽cia deixou as pessoas sentindo uma
insatisfa誽o maior com a vida.
Essas experi瘽cias, que demonstram nossa possibilidade de aumentar ou diminuir nossa sensa誽o de satisfa誽o com a vida por meio de uma mudan蓷 de perspectiva,
sugerem com clareza a supremacia da nossa disposi誽o mental no que diz respeito a levar uma vida feliz.
A ARTE DA FELICIDADE

- Embora seja poss癉el alcan蓷r a felicidade - explica o Dalai-Lama -, ela n緌 algo simples. Existem muitos n癉eis. No budismo, por exemplo, huma refer瘽cia
aos quatro fatores de realiza誽o, ou felicidade: riqueza, satisfa誽o material, espiritualidade e ilumina誽o. Juntos eles abarcam a totalidade da busca do indiv獮uo
pela felicidade.
"Deixemos de lado por um momento as aspira踥es m嫞imas espirituais ou religiosas, como a perfei誽o e a ilumina誽o, e lidemos com a alegria e a felicidade
como as entendemos num sentido rotineiro ou material. Dentro desse contexto, hcertos elementos essenciais que convencionamos reconhecer como propiciadores da alegria
e da felicidade. Por exemplo, considera-se que a sae um dos fatores necess嫫ios para uma vida feliz. Outro fator que encaramos corno fonte de felicidade s緌
nossos recursos materiais, ou a :riqueza que acumulamos. Outro fator ter amigos ou companheiros. Todos n鏀 reconhecemos que, a fim de levar uma vida realizada,
precisamos de um c甏culo de amigos com quem possamos nos relacionar emocionalmente e em quem confiemos.
"Ora, todos esses fatores s緌, no fundo, fontes de felicidade. No entanto, para que um indiv獮uo possa fazer pleno uso delas com o intuito de levar uma vida
feliz e realizada, sua disposi誽o mental essencial. Ela tem import滱cia crucial.
"Se utilizarmos nossas circunst滱cias favor嫛eis, como nossa sae- ou fortuna, de modo positivo, na ajuda aos outros, elas poder緌 contribuir para que alcancemos
uma vida mais feliz. E, naturalmente, n鏀 apreciamos esses as-

O PROP紎ITO DA VIDA

pectos: nossos recursos materiais, nosso sucesso e assim por diante. Por幦, sem a atitude mental correta, sem a aten誽o ao fator mental, esses aspectos ter緌 pouqu疄simo
impacto na nossa sensa誽o de felicidade a longo prazo. Por exemplo, se a pessoa nutre pensamentos rancorosos ou muita raiva bem no fundo de si mesma, isso acaba
com a sae e, assim, destr鏙 um dos fatores. Da mesma forma, quando se estinfeliz ou frustrado no n癉el mental, o conforto f疄ico n緌 ajuda muito. Por outro lado,
se a pessoa conseguir manter um estado mental calmo e tranqlo, poderser muito feliz apesar de sua sae ser fr墔il. Ou ainda, quando estvivendo um momento
de raiva ou 鏚io intenso, mesmo quem tem bens maravilhosos sente vontade de atirlos longe, de quebrlos. Naquele instante, os bens n緌 significam nada. Hoje em
dia, hsociedades bastante evolu獮as em termos materiais, e no entanto em seu seio muitas pessoas n緌 s緌 muito felizes. Logo abaixo da bela apar瘽cia de aflu瘽cia
huma esp嶰ie de inquieta誽o mental que leva frustra誽o, a brigas desnecess嫫ias, depend瘽cia de drogas ou 嫮cool e, no pior dos casos, ao suic獮io. N緌 h
portanto, nenhuma garantia de que a riqueza em si possa proporcionar a alegria ou a realiza誽o que buscamos. Pode-se dizer tamb幦 o mesmo a respeito dos amigos.
Quando se estnum estado exacerbado de raiva ou 鏚io, atmesmo um amigo 璯timo parece de algum modo meio frio ou g幨ido, distante e perfeitamente irritante.
"Tudo isso indica a tremenda influ瘽cia que o estado da mente, o fator mental, exerce sobre nossa experi瘽cia do dia-a-dia. Naturalmente, devemos encarar
esse fator com muita seriedade.
A ARTE DA FELICIDADE

"Portanto, deixando de lado a perspectiva da pr嫢ica espiritual, mesmo em termos terrenos, no que diz respeito a levarmos uma exist瘽cia feliz no dia-a-dia,
quanto maior o n癉el de serenidade da mente, maior sernossa paz de esp甏ito e maior nossa capacidade para levar uma vida feliz e prazerosa."
O Dalai-Lama parou por um instante como que para deixar que essa id嶯a assentasse e depois prosseguiu.
- Eu deveria mencionar que, quando falamos de um estado mental sereno ou de paz de esp甏ito, n緌 dever燰mos confundir isso com um estado mental totalmente
insens癉el, ap嫢ico. Ter um estado de esp甏ito tranqlo ou calmo n緌 significa ser completamente desligado ou ter a mente totalmente vazia. A paz de esp甏ito ou
a serenidade t瘱 como origem o afeto e a compaix緌. Nisso hum n癉el muito alto de sensibilidade e sentimento.
"Desde que falte a disciplina interior que traz a serenidade mental", disse ele, para resumir "n緌 importa quais sejam as condi踥es ou meios externos que
normalmente se considerariam necess嫫ios para a felicidade, eles nunca nos dar緌 a sensa誽o de alegria e felicidade que buscamos. Por outro lado, quando dispomos
dessa qualidade interior, uma serenidade mental, uma certa estabilidade interna, nesse caso, mesmo que faltem v嫫ios recursos externos que normalmente se considerariam
necess嫫ios para a felicidade, ainda poss癉el levar uma vida feliz e prazerosa."

28

O PROP紎ITO DA VIDA

O CONTENTAMENTO INTERIOR

Ao atravessar o estacionamento para ir me encontrar com o Dalai-Lama numa tarde, parei para admirar um Toyota Land Cruiser novinho em folha, o tipo de carro
que vinha querendo havia muito tempo. Ainda com o carro na cabe蓷 quando comecei minha sess緌, fiz uma pergunta.
- 龍 vezes parece que toda a nossa cultura, a cultura ocidental, se baseia nas aquisi踥es materiais. Vivemos cercados, bombardeados, por ancios das timas
novidades a comprar, do timo modelo de autom鰉el e assim por diante. dif獳il n緌 ser influenciado por isso. S緌 tantas as coisas que queremos, que desejamos.
Parece que n緌 t瘱 fim. O senhor poderia falar um pouco sobre o desejo?
- Creio que hdois tipos de desejo - respondeu o Dalai-Lama. - Certos desejos s緌 positivos. O desejo da felicidade. absolutamente certo. O desejo da
paz. O desejo de um mundo mais harmonioso, mais amigo. Certos desejos s緌 muito eis.
"Mas, a certa altura, os desejos podem tornar-se absurdos. Isso geralmente resulta em problemas. Ora, por exemplo, eu 跴 vezes visito supermercados. Realmente
adoro supermercados porque posso ver muita coisa bonita. E assim, quando olho para todos aqueles artigos diferentes, surge em mim uma sensa誽o de desejo, e meu impulso
inicial poderia ser: `Ah, eu quero isso e mais aquilo'. Brota ent緌 um segundo pensamento e eu me pergunto: `Ora, serque eu preciso mesmo disso?' Geralmente a
resposta `n緌'. Se obedecermos 跲uele primeiro desejo, 跲uele impulso
A ARTE DA FELICIDADE

inicial, muito em breve estarem= de bolsos vazios. No entanto, o outro n癉el de desejo, baseado nas nossas necessidades essenciais de alimenta誽o, vestu嫫io e moradia,
algo mais razo嫛el.
"龍 vezes, determinar se um desejo excessivo ou negativo algo que depende das ccunst滱cias ou da sociedade em que se vive. Por exemplo, para quem vive
numa sociedade afluente na qual preciso um carro para ajudar a pessoa a cumprir a rotina di嫫ia, nesse caso n緌 hnada de errado em querer ter um carro.. Por幦,
se a pessoa mora num lugarejo pobre na 璯dia, onde se pode viver muito bem sem um carro, e ainda sente o desejo de ter um, mesmo que disponha do dinheiro para comprlo,
essa compra pode acabar causando problemas. Pode gerar um sentimento de perturba誽o entre os vizinhos, entre outras coisas. Ou, caso se viva numa sociedade mais
pr鏀pera e se tenha um carro mas n緌 se pare de querer carros sempre mais caros, isso tamb幦 leva ao mesmo tipo de problema."
- Mas eu n緌 consigo ver como querer ou comprar um carro mais caro causa problen ias para o indiv獮uo, desde que ele tenha condi踥es para isso. Ter um carro
mais caro do que os de seus vizinhos poderia ser um problema para eles (pois poderiam sentir inveja ou algo semelhante) mas ter um carro novo daria pessoa, em
si, uma sensa誽o de satisfa誽o e prazer.
O Dalai-Lama abanou a cabe蓷 e respondeu com fir-

meza.

- N緌... A satisfa誽o pessoal em si n緌 pode determinar se um desejo ou ato positivo ou negativo. Um assassino pode ter uma sensa誽o de satisfa誽o no momento
em

O PROP紎ITO DA VIDA

que comete o assassinato, mas isso n緌 justifica o ato. Todas as a踥es conden嫛eis, a mentira, o roubo, o adult廨io, entre outras, s緌 cometidas por pessoas que
podem na ocasi緌 ter um sentimento de satisfa誽o. O que distingue um de蔒jo ou ato positivo de um negativo n緌 a possibilidade de ele lhe proporcionar uma satisfa誽o
imediata mas, sim, se ele acaba gerando conseqncias positivas ou negativas. Por exemplo, no caso do anseio por bens mais caros, se ele estiver baseado numa atitude
mental que simplegmente quer cada vez mais, a pessoa acaba atingindo um limite daquilo que consegue adquirir e se defronta com a realidade. E, quando ela chega a
esse limite, perde toda a esperan蓷, mergulha na depress緌 e assim por diante. um perigo inerente a essa esp嶰ie de desejo.
"E, para mim, esse tipo de desejo excessivo gera a gan滱cia, manifesta誽o exagerada do desejo, baseada na exacerba誽o das expectativas. E, quando refletimos
sobre os excessos da gan滱cia, conclu璥os que ela conduz o indiv獮uo a uma sensa誽o de frustra誽o, decep誽o, a muita confus緌 e muitos problemas. Quando se trata
de lidar com a gan滱cia, um aspecto perfeitamente caracter疄tico que, embora ela decorra do desejo de obter alguma coisa, ela n緌 se satisfaz com a obten誽o. Torna-se,
portanto, algo meio sem limites, como um po蔞 sem fundo, e isso gera perturba誽o. Um tra蔞 interessante da gan滱cia que, apesar de seu motivo subjacente ser a
busca da satisfa誽o, mesmo depois da obten誽o do objeto do seu desejo, a pessoa ainda n緌 estsatisfeita, o que uma ironia. O verdadeiro ant獮oto para a gan滱cia
o contentamento. Se a pessoa tiver um forte sentido de contentamento, n緌 faz diferen蓷 se
A ARTE DA FELICIDADE

consegue o objeto desejado ou n緌. De uma forma ou de outra, ela continua contente."

li~I

Como podemos, ent緌, alcan蓷r esse contentamento 璯timo? Hdois m彋odos. Um consiste em obter tudo o que se quer e deseja - todo o dinheiro, todas as casas, os
autom镽eis, o parceiro perfeito e o corpo perfeito. O DalaiLama jsalientou a desvantagem dessa abordagem. Se nossos desejos e vontades permanecerem desenfreados,
mais cedo ou mais tarde vamos deparar com algo que queremos e n緌 podemos ter. O segundo m彋odo, que mais confi嫛el, consiste em n緌 ter o que queremos mas, sim,
em querer e apreciar o que temos..
Hpouco tempo, assisti a suma entrevista na televis緌 com Christopher Reeve, o ator que caiu ide um cavalo em 1994 e teve les髊s na medula espinhal que
o deixaram totalmente paralisado do pesco蔞 para baixo e exigem que ele respire com aparelhos em car嫢er permanente. Quando o entrevistador perguntou com.o ele lidava
com a depress緌 decorrente da sua invalidez" Reeve confessou ter vivido um curto per甐do de total desespero enquanto estava na unidade de terapia intensiva do hcospital.
Prosseguiu, por幦, dizendo que esse sentimento de desespero passou com relativa rapidez e que agora ele francamente se considerava "um cara de sorte". Mencionou.
a felicidade de ter mulher e filhos amorosos, mas tamb幦 falou com gratid緌 do veloz progresso da medicina moderna (que, ]por seus c嫮culos, descobriruma cura
para as les鬑es na medula espinhal dentro dos pr闛imos dez anos), e afirmou que, se seu aciden-

O PROP紎ITO DA VIDA

,tivesse sido apenas alguns anos antes, ele provavelmente teia morrido em decorr瘽cia das les髊s. Enquanto descreyo processo de adapta誽o paralisia,
Reeve disse que, C~ seu desespero se tivesse dissolvido com bastante rapidez, de in獳io ele ainda era perturbado por crises intermitentes de inveja que podiam ser
detonadas por alguma frase inocente como, por exemplo, "Vou subir correndo para apanhar isso". Ao aprender a lidar com esses sentimentos, ele disse ter percebido
que o ico jeito de seguir pela vida olhar para o que se tem, ver o que ainda se pode fazer. No seu caso, felizmente, ele n緌 havia sofrido nenhuma les緌 cerebral,
e ainda tinha uma mente que podia usar. Ao concentrar a aten誽o dessa forma nos recursos de que disp髊, Reeve decidiu usar sua mente para aumentar a conscientiza誽o
do plico e informlo a respeito das les髊s na medula espinhal, para ajudar outras pessoas; e tem planos para continuar a falar em plico assim como para escrever
e dirigir filmes.

O VALOR INTERIOR

Jvimos como trabalhar com nosso modo de encarar a vida um meio mais eficaz para alcan蓷r a felicidade do que procurla atrav廥 de fontes externas, tais
como a riqueza, a posi誽o social ou mesmo a sae f疄ica. Outra fonte interna de felicidade, estreitamente ligada a uma sensa誽o 璯tima de contentamento, uma no誽o
de amor-pr鏕rio. Ao descrever a base mais confi嫛el para desenvolver esse sentido de amor-pr鏕rio, o Dalai-Lama deu a seguinte explica誽o.

33
A ARTE DA FELICIDADE

- Agora, no meu caso, por exemplo, suponhamos que eu n緌 tivesse nenhum sentimento humano profundo, nenhuma capacidade para fazer bons amigos com facilidade.
Sem isso, quando perdi meu pr鏕rio pa疄, quando minha autoridade pol癃ica no Tibete chegou ao fim, tornar-me um refugiado teria sido muito dif獳il. Enquanto eu estava
no Tibete, em virtude da estrutura do sistema pol癃ico, havia um certo grau de respeito concedido ao posto do DalaiLama; e as pessoas me tratavam de acordo, independentemente
de sentirem ou n緌 verdadeiro afeto por mim. Por幦, se essa fosse a ica base da rela誽o do povo comigo, ent緌, quando perdi meu pa疄, tudo teria sido dific璱imo.
Sque existe outra fonte de valoriza誽o e dignidade a partir da qual podemos nos relacionar com outros seres humanos. Podemos nos relacionar com eles porque ainda
somos um ser humano, dentro da comunidade humana. Compartilhamos esse v璯culo. E esse v璯culo humano suficiente para dar ensejo a uma sensa誽o de valoriza誽o e
dignidade. Esse v璯culo pode tornar-se uma fonte de consolo na eventualidade de se perder tudo o mais.
O Dalai-Lama parou por um instante para bebericar o ch abanou a cabe蓷 e prosseguiu.
- Lamentavelmente, quando se estuda hist鏎ia, encontram-se casos de imperadores ou reis no passado que perderam sua posi誽o em decorr瘽cia de alguma convuls緌
pol癃ica e foram for蓷dos a abandonar seu pa疄, mas daem diante sua hist鏎ia n緌 foi positiva. Creio que, sem aquele sentimento de afeto e liga誽o com outros seres
humanos, a vida passa a ser muito dif獳il.
"Em termos gerais, podem existir dois tipos diferentes de indiv獮uos. Por um lado, pode-se ter uma pessoa rica e

O PROP紎ITO DA VIDA

bem-sucedida, cercada de parentes e assim por diante. Se a fonte de dignidade e sentido de valor dessa pessoa for apenas material, ent緌, enquanto sua fortuna persistir,
talvez essa pessoa possa manter uma sensa誽o de seguran蓷. Por幦, no momento em que a fortuna minguar, a pessoa sofrerpor n緌 haver nenhum outro refio. Por outro
lado, pode-se ter outra pessoa que goze de sucesso financeiro e situa誽o econ獽ica semelhante, mas que ao mesmo tempo seja carinhosa, afetuosa e tenha o sentimento
da compaix緌. Como essa pessoa tem outra fonte de valoriza誽o, outra fonte que lhe confere uma no誽o de dignidade, outra 滱cora, hmenos probabilidade de essa pessoa
se deprimir se sua fortuna por acaso desaparecer. Atrav廥 desse tipo de racioc璯io, pode-se ver o valor pr嫢ico do afeto e calor humano no desenvolvimento de uma
sensa誽o 璯tima de valor."

A FELICIDADE X O PRAZER

Alguns meses ap鏀 as palestras do Dalai-Lama no Arizona, fui visitlo em casa em Dharamsala. Era uma tarde muito quente e ida em julho, e cheguei sua
casa empapado de suor depois de uma curta caminhada a partir do lugarejo. Por eu vir de um clima seco, a umidade naquele dia me parecia quase insuport嫛el, e eu
n緌 estava com o melhor dos humores quando nos sentamos para come蓷r a conversar. jele parecia estar animad疄simo. Pouco depois do in獳io da conversa, n鏀 nos
voltamos para o t鏕ico do prazer. A certa altura, ele fez uma observa誽o crucial.
illl

A ARTE DA FELICIDADE

- Agora, as pessoas 跴 vezes confundem a felicidade com o prazer. Por exemplo, hn緌 muito tempo eu estava falando a uma plat嶯a indiana em Rajpur. Mencionei
que o prop鏀ito da vida era a felicidade, e algu幦 da plat嶯a disse que Rajneesh ensina que nossos momentos mais felizes ocorrem durante a atividade sexual e que,
logo, atrav廥 do sexo que podemos nos tornar mais felizes. - O DalaiLama deu uma risada gostosa. - Ele queria saber o que eu achava da id嶯a. Respondi que, do
meu ponto de vista, a maior felicidade a de quando se atinge o est墔io de Libera誽o, no qual n緌 mais existe sofrimento. Essa a felicidade genu璯a, duradoura.
A verdadeira felicidade estmais relacionada mente e ao cora誽o. A felicidade que depende principalmente do prazer f疄ico inst嫛el. Um dia, ela estali; no
dia seguinte, pode n緌 estar.

F

,m termos superficiais, sua observa誽o parecia bastante 鏏via. claro que a felicidade e o prazer s緌 sensa踥es diferentes. E no entanto, n鏀, os seres
humanos, costumamos ter um talento especial para confundi-Ias. N緌 muito depois de voltar para casa, durante uma sess緌 de terapia com uma paciente, eu viria a ter
uma demonstra誽o concreta de como pode ser importante essa simples percep誽o.
Heather era uma jovem profissional liberal solteira que trabalhava como psic鏊oga na regi緌 de Phoenix. Embora gostasse do emprego que tinha, no qual trabalhava
com jovens problem嫢icos, jhavia algum tempo ela vinha se sentindo cada vez mais insatisfeita com a vida na regi緌. Costumava queixar-se da popula誽o crescente,
do tr滱sito

O PROP(WITO DA VIDA

e do calor sufocante no ver緌. Fizeram-lhe a oferta de um emprego numa linda cidadezinha nas montanhas. Na realidade, ela jvisitara a cidadezinha muitas vezes
e sempre sonhara em se mudar para l Era perfeito. O ico problema era que o emprego que lhe ofereciam envolvia o trabalho com uma clientela adulta. Havia semanas,
ela lutava com a decis緌 de aceitar ou n緌 o novo emprego. Simplesmente n緌 conseguia se decidir. Tentou fazer uma lista de pr鏀 e contras, mas dela resultou um
empate irritante.
- Eu sei que n緌 gostaria do trabalho ltanto quanto do daqui, mas isso seria mais do que compensado pelo mero prazer de morar naquela cidade! Eu realmente
adoro aquilo l Sestar ljfaz com que eu me sinta bem. E estou t緌 cansada do calor aqui que simplesmente n緌 sei o que fazer.
Seu uso do termo "prazer" me fez lembrar as palavras do Dalai-Lama; e, procurando me aprofundar um pouco, fiz uma pergunta.
- Vocacha que mudar para llhe traria maior felicidade ou maior prazer?
Ela ficou calada um instante, sem saber como encarar a pergunta.
- N緌 sei... - respondeu afinal. - Sabe de uma coisa? Acho que me traria mais prazer do que felicidade... Em tima an嫮ise, acho que n緌 seria realmente
feliz trabalhando com aquela clientela. Acho que mesmo muito gratificante trabalhar com os jovens no meu emprego...
A simples reformula誽o do seu dilema em termos de "Serque isso vai me trazer felicidade?" pareceu conferir uma certa clareza. De repente, ficou muito mais
f塶il para
A ARTE DA FELICIDADE

ela tomar a decis緌. E resolveu permanecer em Phoenix. claro que ainda se queixava do calor do ver緌. No entanto, decidir em plena consci瘽cia ficar em Phoenix,
com base naquilo que ela achava que acabaria por fazla mais feliz, de algum modo tornou o calor mais suport嫛el.

Todos os dias deparamos com ineras decis髊s e escolhas. E, por mais que tentemos, freqnte n緌 escolhermos aquilo que sabemos ser "bom para n鏀". Em parte isso
estrelacionado ao fato de que "a escolha certa" costuma ser a dif獳il - aquela que envolve algum sacrif獳io do nosso prazer.
Em todos os s嶰ulos, homens e mulheres dedicaram grande esfor蔞 tentativa de definir o papel adequado que o prazer desempenharia na nossa vida - uma verdadeira
legi緌 de fil鏀ofos, te鏊ogos e psic鏊ogos, todos estudando nossa liga誽o com o prazer. No s嶰ulo III a.C., Epicuro baseou seu sistema 彋ico na ousada afirma誽o
de que "o prazer o in獳io e o fim de uma vida aben蔞ada". Mas atmesmo Epicuro reconheceu a import滱cia do bom senso e da modera誽o, e admitiu que a devo誽o desenfreada
a prazeres sensuais poderia, pelo contr嫫io, resultar em sofrimento. Nos anos finais do s嶰ulo XIX, Sigmund Freud dedicava-se a formular suas pr鏕rias teorias sobre
o prazer. De acordo com Freud, a for蓷 motivadora fundamental de todo o aparelho ps甒uico era o desejo de aliviar a tens緌 causada por impulsos instintivos n緌 realizados.
Em outras palavras, nossa motiva誽o oculta a busca do prazer. No s嶰ulo XX, muitos pesquisadores optaram por dei-

O PROP紎ITO DA VIDA

xar de lado especula踥es mais filos鏹icas; e, em vez disso, um ex廨cito de neuroanatomistas passou a dedicar-se a espetar o hipot嫮amo e as regi髊s l璥bicas do c廨ebro
com eletrodos, procura daquele ponto que produz o prazer quando recebe estimula誽o el彋rica.
Nenhum de n鏀 realmente precisa de fil鏀ofos gregos mortos, de psicanalistas do s嶰ulo XIX ou de cientistas do s嶰ulo XX para nos ajudar a entender o prazer.
N鏀 sabemos quando o sentimos. N鏀 o reconhecemos no toque ou no sorriso de um ser amado, na del獳ia de um banho quente de banheira numa tarde fria e chuvosa, na
beleza de um p皾-do-sol. Entretanto, muitos de n鏀 tamb幦 conhecem o prazer no arroubo fren彋ico da coca璯a, no 瞡tase da hero璯a, na folia de uma bebedeira, na
del獳ia do sexo sem restri踥es, na euforia de uma temporada de sorte em Las Vegas. Esses tamb幦 s緌 prazeres muito verdadeiros - prazeres com os quais muitos na
nossa sociedade precisam aprender a conviver.
Embora n緌 haja solu踥es f塶eis para evitar esses prazeres destrutivos, felizmente temos por onde come蓷r: o simples lembrete de que o que estamos procurando
na vida a felicidade. Como o Dalai-Lama salienta, esse um fato inconfund癉el. Se abordarmos nossas escolhas na vida tendo isso em mente, sermais f塶il renunciar
a atividades que acabam nos sendo prejudiciais, mesmo que elas nos proporcionem uI'n prazer moment滱eo. O motivo pelo qual costuma ser t緌 dif獳il adotar o "s
dizer n緌!" encontrase na palavra "n緌". Essa abordagem estassociada a uma no誽o de rejeitar algo, de desistir de algo, de nos negarmos algo.

39
A ARTE DA FELICIDADE

Existe, por幦, um enfoque melhor: enquadrar qualquer decis緌 que enfrentemos com a pergunta "Serque ela me trarfelicidade?" Essa simples pergunta pode
ser uma poderosa ferramenta para nos ajudar a gerir com habilidade todas as 嫫eas da nossa vida, n緌 apenas na hora de decidir se vamos nos permitir o uso de drogas
ou aquele terceiro peda蔞 de torta de banana com creme. Ela permite que as coisas sejam vistas de um novo 滱gulo. Lidar com nossas decis髊s e escolhas di嫫ias com
essa quest緌 em mente desvia o foco daquilo que estamos nos negando para aquilo que estamos buscando - a m嫞ima felicidade. Uma felicidade definida pelo Dalai-Lama
como est嫛el e persistente. Um estado de felicidade que, apesar dos altos e baixos da vida e das flutua踥es normais do humor, permanece como parte da pr鏕ria matriz
do nosso ser. A partir dessa perspectiva, mais f塶il tomar a "decis緌 acertada" porque estamos agindo para dar algo a n鏀 mesmos, n緌 para negar ou recusar algo
a n鏀 mesmos - uma atitude de movimento na dire誽o de algo, n緌 de afastamento; uma atitude de uni緌 com a vida, n緌 de rejei誽o a ela. Essa percep誽o subjacente
de estarmos indo na dire誽o da felicidade pode exercer um impacto profundo. Ela nos torna mais receptivos, mais abertos, para a alegria de viver.

Cap癃ulo 3

O TREINAMENTO DA MENTE
PARA A FELICIDADE

O CAMINHO DA FELICIDADE

Quando se identifica o estado mental como o fator primordial para alcan蓷r a felicidade, naturalmente 1419-,se estnegando que nossas necessidades f疄icas fundistais
de alimenta誽o, vestu嫫io e moradia n緌 sejam Patisfeitas. Entretanto, uma vez atendidas essas necessidades b嫳icas, a mensagem clara: n緌 precisamos de mais ,~beiro,
n緌 precisamos de mais sucesso ou fama, n緌 ~amos do corpo perfeito, nem mesmo do parceiro per- agora mesmo, neste momento exato, dispomos da

41
A ARTE DA FELICIDADE

mente, que todo o eqzuipamento b嫳ico de que precisamos para alcan蓷r a plenm felicidade.
Assim come蔞u o : Dalai-Larna, ao apresentar sua abordagem ao trabalho corm a mente.
- Quando nos refeyrimos "mente" ou"consci瘽cia", hmuitas variedades diiferentes. Da mesma orma que acontece com as condi踥es> ou objetos externos,
alguns aspectos s緌 muito eis, ou.Itros muito prejudiciais e outros s緌 neutros. E, quando lid墑mos com assuntos externos, geralmente tentamos primeiiro identificar
quais cessas diferentes subst滱cias ou produtcos qu璥icos s緌 ben嶨icos para que possamos nos dedicar a cultivlos, propaglos e uslos. E das subst滱cias que,
s緌 dariosas n鏀 nus livramos. De modo similar, quando falamos sobre a mente, hmilhares de pensamentos diferentes ou de "mentes' diferentes. Entre eles, alguns
s緌 muito eis. Esses, de,,er燰mos nutrir. Alguns s緌 negativos, rmuito prejudiciais. Eolses dever燰mos tentar reduzir.
"Portanto, o prime?iropasso na busca da felicidade o aprendizado. Antes de mais nada, temos de aprender como as emo踥es e comporttamentos negativos rios
s緌 prejudiciais e como as emo踥ces positivas s緌 ben嶨icas. E precisamos nos conscientizar de corno essas emo踥es negativas n緌 s緌 prejudiciais e danosas somente
para n鏀 mesmos mas perniciosas para ai sociedade e para o futuro do mundo inteiro tamb幦. Esse tipo de conscientiza誽o aumenta nossa determina誽o pa:ra encarlas
e superlas. Em seguida, vem a percep誽o dcos aspectos ben嶨icos das emo踥es e comportamentos positos. Urria vez que nos demos conta disso, tornamo-nos determinados
a valorizar, desenvolver

O PROP紎ITO DA VIDA

e aumentar essas emo踥es positivas por mais dif獳il que seja. Huma esp嶰ie de disposi誽o espont滱ea que vem de dentro. Portanto, atrav廥 desse processo de aprendizado,
de an嫮ise de quais pensamentos e emo踥es s緌 ben嶨icos e quais s緌 nocivos, aos poucos desenvolvemos uma firme determina誽o de mudar, com a sensa誽o de que `Agora
o segredo da minha pr鏕ria felicidade, do meu pr鏕rio futuro, estnas minhas m緌s. N緌 posso perder essa oportunidade'.
"No budismo, o princ甑io da causalidade aceito como uma lei natural. Ao lidar com a realidade, preciso levar essa lei em considera誽o. Por exemplo, no
caso de experi瘽cias do dia-a-dia, se houver certos tipos de acontecimentos que a pessoa n緌 deseje, o melhor m彋odo de garantir que tais acontecimentos n緌 ocorram
consiste em certificar-se de que n緌 mais se d璔m as condi踥es causais que normalmente propiciam aquele acontecimento. De modo an嫮ogo, caso se deseje que ocorra
um acontecimento ou experi瘽cia espec璗ica, a atitude l鏬ica a tomar consiste em procurar e acumular as causas e condi踥es que d璔m ensejo a ele.
"O mesmo vale para experi瘽cias e estados mentais. Quem deseja a felicidade deveria procurar as causas que a propiciam; e se n緌 desejamos o sofrimento,
o que dever燰mos fazer nos certificarmos de que as causas e condi踥es que lhe dariam ensejo n緌 mais se manifestem. muito importante uma aprecia誽o desse princ甑io
causal.
"Ora, jfalamos da suprema import滱cia do fator mental para que se alcance a felicidade. Nossa pr闛ima tarefa portanto, examinar a variedade de estados
mentais que

43
A ARTE DA FELICIDADE

viverlciamos. Precisamos identificar com clareza diferentes estados mentais e fazer distin誽o entre eles, classificando-os segundo sua capacidade de levar felicidade
ou n緌."
O senhor pode dar alguns exemplos espec璗icos de diferentes estados mentais e descrever como os classificaria? - perguntei.
- Por exemplo, o 鏚io, o cie, a raiva, entre outros, s緌 prejudiciais - explicou o Dalai-Lama. - N鏀 os considerarmos estados mentais negativos porque
eles destroem nossa felicidade mental. Uma vez que abriguemos sentimentos de 鏚io ou rancor contra algu幦, uma vez que n鏀 mesmos estejamos cheios de 鏚io ou de
emo踥es negativas, outras pessoas tamb幦 nos parecer緌 hostis. Logo, disso resultam mais medo, maior inibi誽o e hesita誽o, assim como uma sensa誽o de inseguran蓷.
Essas sensa踥es se desdobram e, com elas, a solid緌 em meio a um mundo visto como hostil. Todos esses sentimentos negativos derivam do 鏚io. Por outro lado, estados
mentais como a bondade e a compaix緌 s緌 decididamente positivos. S緌 muito feis..,

- Eu squeria saber... - disse eu, interrompendo-o. 0 senhor diz que existem milhares de estados mentais diferentes. Qual seria sua defini誽o de uma pessoa
saud嫛el ou equilibrada em termos psicol鏬icos? N鏀 poder燰mos usar uma defini誽o dessas como uma diretriz para determinar quais estados mentais cultivar e quais
suprimir?
Ele riu antes de responder com sua humildade caractoer疄tica.

- Como psiquiatra, vocpoderia ter uma defini誽o mellhor de uma pessoa saud嫛el em termos psicol鏬icos.

44

O PROP紎ITO DA VIDA

- Mas o que eu quero dizer do seu ponto de vista. - Bem, eu consideraria saud嫛el uma pessoa bondosa, carinhosa, cheia de compaix緌. Se mantemos um sentimento
de compaix緌, de generosidade amorosa, algo automaticamente abre nossa porta interior. Atrav廥 dela, podemos nos comunicar com os outros com uma facilidade muito
maior. E essa sensa誽o de calor bumano gera uma esp嶰ie de abertura. Conclu璥os que todos os seres bumanos s緌 exatamente como n鏀 e, assim, podemos nos relacionar
com eles com maiorfacilidade. Isso nos confere um esp甏ito de amizade. Hent緌 menos necessidade de esconder coisas e, por conseguinte, os sentimentos de medo,
de dida e de inseguran蓷 se dissolvem automaticamente. Da mesma forma, isso gera nos outros uma sensa誽o de confian蓷. Do contr嫫io, por exemplo, poder燰mos encontrar
algu幦 que muito competente e saber que podemos confiar na compet瘽cia daquela pessoa. No entanto, se sentirmos que essa pessoa n緌 generosa, ficamos com um
patr嫳. Nossa sensa誽o "Ah, eu sei que essa pessoa capaz, mas posso mesmo confiar nela?", e assim sempre temos uma certa apreens緌, que gera uma forma de distanciamento.
"Portanto, seja como for, na minha opini緌, cultivar estados mentais positivos como a generosidade e a compaix緌 decididamente conduz a uma melhor sae
mental e felicidade."

A DISCIPLINA MENTAL

Enquanto ele falava, descobri algo muito interessante na abordagem do Dalai-Lama para alcan蓷r a felicidade. Ela
A ARTE DA FELICIDADE

era absolutamente pr嫢ica e racional: identificar e cultivar estados mentais positivos; identificar e eliminar estados mentais negativos. Embora sua sugest緌 de
come蓷r pela an嫮ise sistem嫢ica da variedade dos estados mentais que experimentamos me parecesse de in獳io um pouco 嫫ida, aos poucos fui me encantando com a for蓷
da sua l鏬ica e racioc璯io. E gostei do fato de que, em vez de classificar os estados mentais, as emo踥es ou desejos com base em algum julgamento moral imposto de
fora, como "a cobi蓷 um pecado" ou "o 鏚io conden嫛el", ele distingue as emo踥es como positivas ou negativas atendo-se apenas ao fato de elas acabarem levando
ou n緌 felicidade.

- Se a felicidade uma simples quest緌 de cultivar mais estados mentais positivos, como a generosidade entre outros, por que tanta gente infeliz? - perguntei-lhe
ao retomar nossa conversa na tarde do dia seguinte.
- Alcan蓷r a verdadeira felicidade pode exigir que efetuemos uma transforma誽o na nossa perspectiva, nosso modo de pensar, e isso n緌 nada simples - respondeu
ele. - necess嫫ia a aplica誽o de muitos fatores diferentes provenientes de dire踥es diferentes. N緌 se deveria ter a id嶯a, por exemplo, de que hapenas uma solu誽o,
um segredo; e de que, se a pessoa conseguir acertar qual tudo darcerto. semelhante a cuidar direito do corpo f疄ico. Precisa-se de uma variedade de vitaminas
e nutrientes, n緌 apenas de um ou dois. Da mesma forma, para alcan蓷r a felicidade, precisa-se de uma variedade de abordagens e m彋odos para lidar com os v嫫ios
e complexos estados men-

O PROP紎ITO DA VIDA

tais negativos, e para superlos. E se a pessoa estprocurando superar certos modos negativos de pensar, n緌 poss癉el conseguir isso apenas com a ado誽o de um
pen-

samento espec璗ico ou a pr嫢ica de uma t嶰nica uma vez ou duas. A mudan蓷 demora. Mesmo a mudan蓷 f疄ica leva tempo. Por exemplo, se a pessoa estmudando de um
cli-

ma para outro, o corpo precisa de tempo para se adaptar ao novo ambiente. E, da mesma forma, transformar a mente leva tempo. S緌 muitos os tra蔞s mentais negativos,
e necess嫫io lidar com cada um deles e neutralizlos. Isso n緌 f塶il. Exige a repetida aplica誽o de v嫫ias t嶰nicas e a dedica誽o de tempo para a familiariza誽o
com as pr嫢icas. um processo de aprendizado.

"Creio, por幦, que medida que o tempo vai passando, podemos realizar mudan蓷s positivas. Todos os dias,

ao acordar, podemos desenvolver uma motiva誽o positiva sincera, pensando, `Vou utilizar este dia de um modo mais positivo. Eu n緌 deveria desperdi蓷r justamente
este dia.' E depois, noite, antes de nos deitarmos, poder燰mos verificar o que fizemos, com a pergunta `Serque utilizei este

dia como planejava?' Se tudo correu de acordo com o planejado, isso motivo para jilo. Se n緌 deu certo, dever燰mos lamentar o que fizemos e passar a uma cr癃ica
do dia. Assim, atrav廥 de m彋odos como esses, poss癉el aos poucos fortalecer os aspectos positivos da mente.
"Agora, no meu caso como monge budista, por exemplo, acredito no budismo e atrav廥 da minha pr鏕ria experi瘽cia sei que essas pr嫢icas budistas me s緌 muito
eis.

Contudo, em decorr瘽cia do h墎ito, ao longo de muitas vidas anteriores, certos aspectos podem brotar, como a raiva

47
A ARTE DA FELICIDADE

ou o apego. E nesse caso o que eu fa蔞 o seguinte: em primeiro lugar, o aprendizado do valor positivo das pr嫢icas; em segundo, o fortalecimento da determina誽o;
e, finalmente, a tentativa de implementar as pr嫢icas. No in獳io, a implementa誽o das pr嫢icas positivas muito fraca. Com isso, as influ瘽cias negativas ainda
det瘱 grande poder. Por幦, com o tempo, medida que vamos gradativamente implantando as pr嫢icas positivas, os comportamentos negativos se reduzem automaticamente.
Portanto, a pr嫢ica do Dharma* de fato uma constante batalha interior, que substitui o antigo condicionamento ou h墎:ito negativo por um novo condicionamento positivo."
E prosseguiu.
- N緌 importa qual seja a atividade ou a pr嫢ica, a que queiramos nos dedicar, n緌 hnada que n緌 se tome mais f塶il com o treinamento e a familiaridade
constante s. Por meio do treinamento, podemos mudar, podemos nos; trans-

* O termo Dharma tem muitas conota踥es, mas nenhum eqjuivalente exato em ingl瘰. usado com maior freqncia para fazer refer瘽cia aos ensinamentos e
doutrina do Buda, abrangendo a tradi誽o (dos textos sagrados assim como o modo de vida e as realiza踥es espirittuais que resultam da aplica誽o dos ensinamentos.
龍 vezes, os budistas usam a palavra num sentido mais geral - querendo dizer pr嫢icas religinosas ou espirituais em geral, a lei espiritual universal ou a verdadeira
naturreza dos fen獽enos - e usam o termo Buddhadharma para se referir dde modo mais espec璗ico aos princ甑ios e pr嫢icas do caminho budista. G7 termo Dharma em s滱scrito
deriva da raiz etimol鏬ica que significa "ssegurar"; e nesse contexto, a palavra tem um significado mais amplo: o cde qualquer comportamento ou entendimento que
sirva para "refrear a pessoa" ou para protegla evitando que passe pelo sofrimento e suas caqusas.

48

O PROPOSITO DA VIDA

formar. Dentro da pr嫢ica budista, hv嫫ios m彋odos voltados para o esfor蔞 de manter a mente calma quando acontece algo de perturbador. Atrav廥 da pr嫢ica repetida
desses m彋odos, poden'ios chegar ao ponto em que alguma perturba誽o possa ocorrer, mas os efeitos negativos exercidos sobre nossa mente permanecem na superf獳ie,
como ondas que podem agitar a superf獳ie do oceano mas que ,t緌 t瘱 grande impacto nas profundezas. E, embora minha experi瘽cia possa ser muito limitada, descobri
a confirma誽o disso na minha pr鏕ria pr嫢ica. Portanto, se recebo alguma not獳ia tr墔ica, naquele momento posso experimentar alguma perturba誽o na minha mente, mas
ela desaparece muito depressa. Ou ainda, posso me irritar e gerar alguma raiva; mas, da mesma forma, ela se dissipa com rapidez. N緌 hnenhum efeito nas profundezas
da mente. Nenhum 鏚io. Esse ponto foi alcan蓷do atrav廥 do exerc獳io gradual. N緌 aconteceu da noite para o dia.
Claro que n緌. O Da lai-Lama vem se dedicando ao treinamento da mente desde os quatro anos de idade.

0 treinamento sistem嫢ico da mente - o cultivo da felicidade, a genu璯a transforma誽o interior atrav廥 da sele誽o deliberada de estados ri?entais positivos, seguida
da concentra誽o neles, al幦 do questionamento dos estados mentais negativos - poss癉el gra蓷s pr鏕ria estrutura e fun誽o do c廨ebro. Nascem os com c廨ebros que
jv瘱 equipados geneticamente cam certos padr髊s de comportamentos instintivos. somes predispostos mental, emocional e fisicarnente para reagir ao ambiente com
atitudes que per-

49
A ARTE DA FELICIDADE

mitam nossa sobreviv瘽cia. Esses sistemas b嫳icos de instru踥es est緌 codificados em ineros modelos inatos de ativa誽o de c幨ulas nervosas, combina踥es espec璗icas
de c幨ulas do c廨ebro que atuam em resposta a algum dado acontecimento, experi瘽cia ou pensamento. No entanto, a configura誽o dos nossos c廨ebros n緌 est嫢ica,
n緌 irrevogavelmente fixa. Nossos c廨ebros tamb幦 s緌 adapt嫛eis. Neurocientistas documentaram o fato de que o c廨ebro pode projetar novos modelos, novas combina踥es
de c幨ulas nervosas e de neurotransmissores (subst滱cias qu璥icas que transmitem mensagens entre as c幨ulas nervosas) em resposta a novos est璥ulos. Na realidade,
nosso c廨ebro male嫛el e sempre estmudando, reconfigurando seus circuitos de acordo com novos pensamentos e experi瘽cias. E, em decorr瘽cia do aprendizado, a
fun誽o dos pr鏕rios neur獼ios individuais muda, o que permite que os sinais el彋ricos transitem por eles com maior rapidez. Os cientistas chamam de "plasticidade"
a capacidade de mudar inerente ao c廨ebro.
Essa capacidade de redefinir a configura誽o do c廨ebro, de desenvolver novas conex髊s neurais, foi demonstrada em experi瘽cias como, por exemplo, uma realizada
pelos drs. Avi Karni e Leslie Underleider nos National Institutes of Mental Health. Nessa experi瘽cia, os pesquisadores fizeram com que os objetos desempenhassem
uma tarefa simples de coordena誽o motora, um exerc獳io de batucar com os dedos, e identificaram por meio de um exame de resson滱cia magn彋ica quais as partes do
c廨ebro envolvidas na tarefa. Os objetos da pesquisa passaram ent緌 a praticar o exerc獳io dos dedos todos os dias ao longo de

O PROP紎ITO DA VIDA

quatro semanas, tornando-se pouco a pouco mais eficientes e r嫚idos. Ao final do per甐do de quatro semanas, foi repetido o exame do c廨ebro, e ele revelou que a
嫫ea do c廨ebro envolvida na tarefa havia expandido. Isso indicou que a pr嫢ica regular e a repeti誽o da tarefa haviam recrutado novas c幨ulas nervosas e haviam
mudado as conex髊s neurais que originalmente estavam envolvidas na tarefa.
Essa not嫛el caracter疄tica do c廨eb-o parece ser o embasamento fisiol鏬ico para a possibilidade de transforma誽o da nossa mente. Com a mobiliza誽o dos nossos
pensamentos e a pr嫢ica de novos modos ce pensar, podemos remodelar nossas c幨ulas cerebrais e alterar o modo de funcionar do nosso c廨ebro. Ela tamb幦 a base
para a id嶯a de que a transforma誽o interior come蓷 com o aprendizado (novos est璥ulos) e envolve a disciplina de substituir gradativamente nosso "condicionamento
negativo" (correspondente aos nossos padr髊s atuais caracter疄ticos de ativa誽o de c幨ulas nervosas) por um "condicionamento positivo" (com a forma誽o de novos circuitos
neurais). Assim, a id嶯a de treinar a mente para a felicidade passa a ser uma possibilidade real.

A DISCIPLINA 仈ICA

Em conversa posterior relacionada ao treinamento da mente para a felicidade, o Dalai-Lama salientou o seguinte ponto.
- Creio que o comportamento 彋ico outra caracter疄tica do tipo de disciplina interior que leva a uma exist瘽-
A ARTE DA FELICIDADE

cia mais feliz. Ela poderia ser chamada de disciplina 彋ica. Grandes mestres espirituais, como o Buda, aconselham-nos a realizar atos saud嫛eis e a evitar o envolvimento
com atos prejudiciais. Se nossa a誽o saud嫛el ou prejudicial, depende de essa a誽o ou ato ter como origem um estado mental disciplinado ou n緌 disciplinado. A
percep誽o que uma mente disciplinada leva felicidade; e uma mente n緌 disciplinada leva ao sofrimento. E, na realidade, diz-se que fazer surgir a disciplina
no interior da mente a ess瘽cia do ensinamento do Buda.
"Quando falo de disciplina, refiro-me autodisciplina, n緌 disciplina que nos imposta de fora por outros. Al幦 disso, refiro-me disciplina que aplicada
com o objetivo de superar nossas qualidades negativas. Uma gangue de criminosos pode precisar de disciplina para efetuar um roubo com 瞡ito, mas essa disciplina
inil."
O Dalai-Lama parou de falar por um instante e pareceu estar refletindo, organizando os pensamentos. Ou talvez estivesse apenas procurando uma palavra em
ingl瘰. N緌 sei. No entanto, pensando na nossa conversa enquanto ele fazia a pausa naquela tarde, algum aspecto de toda essa hist鏎ia relativa import滱cia do aprendizado
e da disciplina come蔞u a me parecer bastante entediante em compara誽o com os sublimes objetivos da verdadeira felicidade, da evolu誽o espiritual e da completa transforma誽o
interior. Parecia-me que a busca da felicidade deveria de algum modo ser um processo mais espont滱eo. Levantei essa quest緌 com um aparte.
- O Senhor descreve as emo踥es e comportamentos negativos como sendo "prejudiciais" e os comportamen-

O PROP紎ITO DA VIDA

positivos como "salutares". Al幦 disso, afirma que uma finte sem treinamento ou disciplina geralmente resulta em comportamentos negativos ou prejudiciais,
de modo que precisamos aprender a nos treinar para aumentar nossos comportamentos positivos. Ata tudo bem.

"Mas o que me perturba que sua pr鏕ria defini誽o de comportamentos negativos ou prejudiciais a daqueles comportamentos que resultam em sofrimento. E
define um comportamento salutar como o que resulte em felicidade. O senhor tamb幦 parte da premissa b嫳ica de que todos os seres por natureza querem evitar o sofrimento
e alcan蓷r a felicidade. Esse desejo inato. N緌 precisa ser aprendido. A quest緌 portanto, a seguinte: se nos natural querer evitar o sofrimento, por que
n緌 sentimos, de modo espont滱eo e natural, uma repugn滱cia maior pelos comportamentos negativos ou prejudiciais, medida que amadurecemos? E se natural querer
alcan蓷r mais felicidade, por que n緌 somos cada vez mais atra獮os, de modo espont滱eo e natural, para comportamentos salutares, tornando-nos assim mais felizes
medida que nossa vida avan蓷? Ou seja, se esses comportamentos salutares levam naturalmente felicidade, e n鏀 queremos a felicidade, isso n緌 deveria ocorrer
como um processo natural? Por que dever燰mos precisar de tanta educa誽o, treinamento e disciplina para que esse processo se desenrole?
- Mesmo em termos convencionais, no nosso dia-adia - respondeu o Dalai-Lama -, consideramos a educa誽o um fator important疄simo para a garantia de uma vida
feliz e de sucesso. E o conhecimento n緌 se obt幦 espontaneamente. preciso treinamento; temos de passar por uma
A ARTE DA FELICIDADE

esp嶰ie de programa de treinamento sistem嫢ico e assim por diante. E consideramos essa instru誽o e treinamento convencional bastante 嫫duos. Se n緌 fosse assim,
por que os alunos anseiam tanto pelas f廨ias? E, no entanto, sabemos que esse tipo de instru誽o vital para garantir uma vida feliz e bem-sucedida.
"Da mesma forma, realizar atos salutares pode n緌 nos ocorrer naturalmente, mas temos de fazer um treinamento consciente nesse sentido. Isso acontece, especialmente
na sociedade moderna, porque existe uma tend瘽cia a aceitar que a quest緌 dos atos salutares e dos prejudiciais - o que se deve e o que n緌 se deve fazer - algo
que se considera pertencer esfera da religi緌. Tradicionalmente, considerou-se ser responsabilidade da religi緌 prescrever quais comportamentos s緌 salutares e
quais n緌 s緌. Contudo, na sociedade atual, a religi緌 perdeu atcerto ponto seu prest璲io e influ瘽cia. E, ao mesmo tempo, nenhuma alternativa, como por exemplo
uma 彋ica secular, veio substituIa. Por isso, parece que se dedica menos aten誽o necessidade de levar um estilo saud嫛el de vida. por isso que acredito que
precisamos fazer um esfor蔞 especial e trabalhar com consci瘽cia com o objetivo de adquirir esse tipo de conhecimento. Por exemplo, embora eu pessoalmente acredite
que nossa natureza humana essencialmente ben憝ola e compassiva, tenho a impress緌 de que n緌 basta que essa seja nossa natureza fundamental; devemos tamb幦 desenvolver
uma valoriza誽o e conscientiza誽o desse fato. E a transforma誽o de como nos percebemos, atrav廥 do aprendizado e do entendimento, pode ter um impacto muito verdadeiro
no modo como interagimos com os outros e como conduzimos nosso dia-a-dia."

54

C) PROP紎ITO DA VIDA

_ ,esmo assim, o senhor usa a analogia do

forma誽o e do
forma誽o acad瘱ica tradicional - retruquei, no papel de advogado do diabo. - Isso uma coisa. Por幦, se estamos falido de certos comportamentos que o senhor
chama de `salutares" ou positivos, que resultariam na felicidade, e oilu'os comportamentos que resultariam em sofrimento, por que necess嫫io tanto tempo de aprendizado
para identificar quais comportamentos se enquadram em qual categoria e tanto treinamento para implementar os comportamentc's Positivos e eliminar os negativos? Ou
seja, se algu幦 p髊 a m緌 no fogo, ele se queima. A pessoa recolhe a m緌, tendo aprendido que esse comportamento resulta em sofrimento. N緌 preciso um longo aprendizado
ou treinamento para que ela aprenda a n緌 mais tocar no fogo.
"Ora, por que n緌 s緌 assim todos os comportamentos ou emo踥es que resultam em sofrimento? Por exemplo, o senhor alega que a raiva e o 鏚io s緌 emo踥es nitidamentie
negativas e que acabam levando ao sofrimento. Mas poir que preciso que a pessoa seja instru獮a a respeito dos Jeitos danosos da raiva e do 鏚io para eliminlos?
Como aL raiva causa de imediato um estado emocional desagrad嫛el, e sem dida f塶il perceber diretamente essa perturb,a蓷o, por que as pessoas n緌 passam simplesmente
a evitlla no futuro de modo espont滱eo e natural?"
Enquanto o Dalai-Lama ouvia atentamente meus argumentos > seus olhos inteligentes se arregalaram um pouco, como soe ele estivesse levemente surpreso com
a ingenuidade dais minhas perguntas, ou atmesmo como se as considerass鋀 divertidas. Depois, com uma risada vigorosa, cheia de boa vontade, ele respondeu.
O Pg PROP紎I'TO DA VIDA

A ARTE DA FELICIDADE
_ diz que o conhecimento conduz l燢er- seu sucesso em alcan蓷r a felicidade.
Quando se q
tmento, mar sersei
' solu誽o de um problema, preciso comprem- por isso qiae eu cons)nsidero a. educa誽o e o conhecimento

dade ou a der que hmuitos n癉eis diferentes. Digamos, por exem- cruciais."
s seres humanos na Idade da Pedra n緌 sabiam Percelvendo, sup, uponho ene, minha persistente resist瘽-
plo, que o
carne mas mesmo assim tinham a necessidade
cia id嶯a. da mera fa educa誽o como meio de transformacozinhar a
~servou.
biol鏬ica de consumi-Ia. Por isso, comiam exatamente como 誽o interior, ele obse
um animal selvagem. medida que evolu甏am, aprende-
- Um problema ca da nossa sociedade atual que temos
a acrescentar temperos para tornar a comi- uma atitude diante d. da educa誽o como se ela existisse ape
ram a cozinhar, orosa e depois inventaram pratos mais diver- nas para tornar as pepessoas mais inteligentes, para tornlas
da mais saborosa sificados. E
atmesmo na atualidade, se estamos com al- mais criatas. 龍 ve2,ezes chega mesmo a parecer que aque
guma doen蓷 espec璗ica e, atrav廥 do conhecimento, apren- les que n緌 receberaram grande instru誽o, aqueles que s緌
demos que um certo tipo de alimento n緌 bom para menos sofisticados e em termos de forma誽o acad瘱ica, s緌
n鏀, muito embora tenhamos o desejo de consumi-lo, n鏀 mais inocentes e helonestos. .Muito embora nossa socieda
nos refreamos. Portanto estclaro que quanto mais sofis- de n緌 d瘽fase a a esse aspecto, a aplica誽o mais valiosa
,
ticado for o
n癉el do nosso conhecimento, com maior efi- do conhecimento e o da instru誽o a de nos ajudara enten-

c塶ia lidaremos com o mundo natural. der a import滱cia d ;da dedica誽o a atos mais salutares e da
"tamb幦 preciso julgar as conseqncias dos nos- implanta誽o da disciciplina na nossa mente. A utiliza誽o cor
sos comportamentos a longo e a curto prazo, para ponde- reta da nassa intelig~gencia e conhecimento consiste em pro
dentro para fora, para desenvolver um
rlas. Por exemplo, no controle da raiva. Apesar de os vocar mudan蓷s de
animais poderem experimentar a raiva, eles n緌 podem bom cora誽o.

entender que a raiva destrutiva. No caso dos seres humanos, por幦, hum n癉el diferente, no qual se tem uma esp嶰ie de percep誽o de si mesmo que permite refletir
e observar que, quando a raiva surge, ela prejudica a pessoa. Portanto, pode-se concluir que a raiva destrutiva. preciso ser capaz de fazer essa infer瘽cia.
Logo, n緌 se trata de algo t緌 simples quanto p皾 a m緌 no fogo, queimar-se e aprender a nunca mais fazer isso no futuro. Quanto mais sofisticado for seu grau de
instru誽o e de conhecimento a respeito do que leva felicidade e do que provoca o sofri-
O PROP紎ITO DA VIDA

Cap癃ulo 4

O RESGATE DO NOSSO ESTADO
INATO DE FELICIDADE

NOSSA NATUREZA FUNDAMENTAL

-ra, fomos feitos para procurar a felicidade. E estclaro que os sentimentos de amor, afeto, intimidade e compaix緌 trazem a felicidade. Creio que cada um de n鏀
disp髊 da base para ser feliz, para ter acesso aos estados mentais de amor e compaix緌 que produzem a felicidade afirmou o Dalai-Lama. - Na realidade, uma das
minhas cren蓷s fundamentais que n鏀 n緌 spossu璥os inerentemente o potencial para a compaix緌, mas tamb幦 que a natureza b嫳ica ou essencial do ser humano a
serenidade.

58

- E1 que o senhor baseia essa cren蓷?
_ ~doutr》a budista da "Natureza do Buda" oferece alguns Indamentos para a cren蓷 de que a natureza es-

sencialie iodos os seres sencientes basicamente serena e n緌 aressiva`. Pode-se, entretanto, adotar esse enfoque sem qu seja preciso recorrer doutrina budista
da "Natu-

reza douda Htamb幦 outros fatores nos quais baseio essa crn蓷. Para mim o tema do afeto humano ou da compaix緌i綟o apenas uma quest緌 religiosa. Trata-se de
um fato indispens嫛el na vida do dia-a-dia.
"Pa come蓷r, se olharmos o pr鏕rio modelo da nossa exist瘽a desde a tenra inf滱cia ata morte, poderemos ver como vtnos nutridos pelo afeto dos outros.
E isso a partir do nasmento. Nosso primeiro ato ap鏀 o nascimento o de manar o leite da nossa m綣 ou de outra mulher. um ato de feto, de compaix緌. Sem ele,
n緌 podemos sobrevi-

ver. Iss claro. E esse ato n緌 pode ser realizado a menos que exta um sentimento muo de afeto. Por parte da crian-

蓷, se Ao houver nenhum sentimento de afeto pela pessoa que esver amamentando, se n緌 houver nenhum v璯culo, pode aontecer de a crian蓷 n緌 mamar. E, sem o afeto
por

parte cL m綣 ou da outra pessoa, pode ser que o leite n緌 flua liv'-mente. E assim a vida. Assim a realidade.
"A~m disso, nossa estrutura f疄ica parece ser mais adequadal sentimentos de amor e compaix緌. Podemos ver

. 1~ filosofia budista, a "Natureza do Buda" refere-se a uma natureza darente que oculta, essencial e extremamente sutil. Esse estado da menrque existe
em todos os seres humanos, totalmente imaculado por Mo踥es ou pensamentos negativos.

59
60

A tRTE DA FELICIDADE

como umaa disposi
'D mental tranqla, afetuosa e salutar produz efeitos ben嶨icos para mossa sae e bem-Bestar f疄ico. Inversamente, 3entimentc)s de frustra誽o, de medo,
agita誽o e'- raiva pod-m ser danosos nossa sae'
"Pode-'mos ver tos; outros

nos demdnstram cainho e afeto. Ou ainda, observemos
como nossos pr鏕rias sentimentos ou atitudes afeetuosas de modo natural e altom嫢ico nos afetam de dentrrPara fora, comp fazem c~m que nos sintamos. Essas enno踥es
mais suavees e os coyp郢tamentos positivos que as; acorrtpanham p'r訐iciam tema vida familiar e comunit嫫i;ia mais feliz.

``Por ipso, creio due podemos deduzir que noss2a natureza essencial como seres humanos uma naturezza meiga. E se esse o caso faz ainda mais sentido tentar
levar uma vida c4ue esteja fiais em harmonia com essa dc軏e natureza fundamental cio nosso ser."

- Se nossa naturceza essencial gentil e cheia d嶪 corri paix緌 - ~erguntei -_ eu sgostaria de saber comcsenhor explica todos o︿ conflitos e comportamentos
aagressivos que n(-)s cercam por todos os lados.

O Dal~i-Lama ba fixou a cabe蓷, pensativo, por usm instante antes de respornder.

- Naturalmente 'n緌 podemos ignorar o fato ode que existem cenflitos e teens髊s, n`o apenas dentro da mente de um indiv獮uo, mais tamb幦 dentro da fam璱ia,
qluando interagimos com outr,ras pessoas, e na sociedade, n(n癉el nacional e mundial. Ipois, ao ecaminar tudo isso, allgumas

~sOas concluem que a natureza humana basicamente 9greSSiva. Elas podem apontar para a hist鏎ia da humanidade, sugerindo que, em compara誽o com o comportamento
de outros mam璗eros, o do ser humano muito mais agressivo. Ou ainda, podem alegar, "verdade, a compaix緌 faz parte da nossa mente. Mas a raiva tamb幦 faz parte
da nossa mente. Elas pertencem nossa natureza em termos iguais. As duas se encontram mais ou menos no mesmo n癉el." Mesmo assim - disse ele, com firmeza, debru蓷ndo-se
para a frente na cadeira, tenso com um ar alerta -, ainda tenho afirme convic誽o de que a natureza humana fundamentalmente bondosa, meiga. Essa a caracter疄tica
predominante da natureza humana. A raiva, a viol瘽cia e a agressividade podem sem dida surgir, mas para mim isso ocorre num n癉el secund嫫io ou mais superficial.
Em certo sentido, elas surgem quando nos sentimos frustrados nos nossos esfor蔞s para alcan蓷r o amor e o afeto. N緌 fazem parte da nossa natureza mais b嫳ica, mais
fundamental.
"Portanto, embora a agressividade possa ocorrer, creio que esses conflitos n緌 s緌 necessariamente decorrentes da natureza humana, mas, sim, que resultem
do intelecto humano - uma intelig瘽cia humana em desequil燢rio, o uso inadequado da nossa intelig瘽cia, das nossas faculdades imaginativas. Ora, ao examinar a evolu誽o
humana, creio que nosso corpo f疄ico pode ter sido muito fraco em compara誽o com o de outros animais. No entanto, gra蓷s ao desenvolvimento da intelig瘽cia humana,
fomos capazes de usar muitos instrumentos e descobrir muitos m彋odos para superar condi踥es ambientais adversas. medi-

O PROP紎ITO DA VIDA
A ARTE DA FELICIDADE

da que a sociedade humana e as condi踥es ambientais foram aos poucos se tornando mais complexas, tornou-se necess嫫io um papel cada vez maior da nossa intelig瘽cia
e capacidade cognitiva para fazer frente 跴 exig瘽cias cada vez maiores desse ambiente complexo. Por isso, creio que nossa natureza b嫳ica ou fundamental a serenidade,
e que a intelig瘽cia um desdobramento posterior. Creio tamb幦 que, se aquela capacidade humana, aquela intelig瘽cia humana, apresentar um desenvolvimento desequilibrado,
sem que seja adequadamente compensada pela compaix緌, nesse caso ela pode tornar-se destrutiva. Pode ter conseqncias desastrosas.
"Creio, por幦, ser importante reconhecer que, se os conflitos humanos s緌 criados pelo uso indevido da intelig瘽cia, tamb幦 podemos utilizar a intelig瘽cia
para descobrir meios e formas para superar esses conflitos. Quando a intelig瘽cia e a bondade ou afeto s緌 usados em conjunto, todos os atos humanos passam a ser
construtivos. Quando combinamos um cora誽o amoroso com o conhecimento e a educar緌, podemos aprender a respeitar as opini髊s e os direitos dos outros. Isso se torna
a base de um esp甏ito de reconcilia誽o que pode ser usado para dominar a agressividade e resolver nossos conflitos."
O Dalai-Lama fez uma pausa e deu uma olhada de relance no rel鏬io.
- Portanto - concluiu ele - por maior que seja a viol瘽cia ou por mais numerosas que sejam as atrocidades pelas quais tenhamos de passar, creio que a solu誽o
definitiva para nossos conflitos, tanto internos quanto externos, reside na volta nossa natureza humana b嫳ica ou fundamen-

O PROP紎ITO DA VIDA

p1, que meiga e cheia de compaix緌. - Olhando mais uma vez para o rel鏬io, ele deu um riso af嫛el. - E ent緌... vamos parar por aqui... Foi um longo dia! - Apanhou
os sapatos, que havia descal蓷do durante a conversa, e se recolheu para seu quarto.

A QUEST鬃 DA NATUREZA HUMANA

Ao longo das timas d嶰adas, a concep誽o do DalaiLama da natureza compassiva latente nos seres humanos parece estar aos poucos ganhando terreno no Ocidente,
embora tenha sido uma luta 嫫dua. A no誽o de que o comportamento humano essencialmente egoc瘽trico, de que no fundo mesmo cada um por si, estprofundamente
enraizada no pensamento ocidental. A id嶯a de que n緌 sn鏀 somos inerentemente ego疄tas mas de que a agressividade e a hostilidade fazem parte da natureza humana
essencial domina nossa cultura hs嶰ulos. Naturalmente, ao longo da hist鏎ia houve um bom nero de pessoas com opini緌 contr嫫ia. Por exemplo, em meados do s嶰ulo
XVIII, David Hume escreveu muito sobre a "benevol瘽cia natural" dos seres humanos. E um s嶰ulo depois, atmesmo Charles Darwin atribuiu um "instinto de solidariedade"
nossa esp嶰ie. No entanto, por algum motivo, a vis緌 mais pessimista da humanidade estarraigada na nossa cultura, pelo menos desde o s嶰ulo XVII, sob a influ瘽cia
de fil鏀ofos como Thomas Hobbes, que tinha uma opini緌 bastante negativa da esp嶰ie humana. Ele considerava a humanidade violenta, competitiva, em constante con-
i

A ARTE DA FELICIDADE

ocupada apenas com interesses pessoais. Hobbes, oito e preo_amoso por descartar qualquer id嶯a de uma bonque era fairiana essen(2ial, foi uma vez flagrado
dando esmola dade humahdigo na fia. Quando questionado a respeito desa um men c-
so generosp, ele alegou n緌 estar fazendo aquilo se impulsoar o mendigo; estava saliviando sua pr鏕ria conspara ajudardiante da pobreza do homem.
terna誽o dlesma forma, no in獳io deste s嶰ulo, o fil鏀ofo esDa me~eorge SantaYana escreveu que impulsos generopanhol Geiosos, enlbo~ra possam existir, costumam ser
fracos, sos, atencic e inst嫛 ei~ na natureza humana, mas "cave um ef瘱eros caixo da Superf獳ie e descobrirum ser feroz, perpouco aba~rofundamNnte ego疄ta". Infelizmente, a psicolosistente,
prncia ocidental apoderaram-se de id嶯as como essa, gia e a ci瘽l誽o e ate fomentaram essa vis緌 do ego疄mo. A deram sana primeiros tempos da moderna psicologia
cient甑artir dos Te uma pressuposi誽o geral e fundamental de que fica, houve)tiva誽o hutTiana em tima an嫮ise ego疄ta, batoda a motLamente nC interesse pessoal.
seada meras de aceitar implicitamente a premissa do nosso Depoisino essencial, uma s廨ie de cientistas proeminenegocentrisr~o dos timos cem anos acrescentou a
ela uma tes ao longnatureza agressiva essencial dos humanos. Freud cren蓷 na nae 偽a inclina誽o agressividade uma disposiafirmou qual, instiqtiVa e que subsiste
por seus pr鏕rios 誽o origine segunda metade deste s嶰ulo, dois autores em meios". Na;obert Ardrey e Konrad Lorenz, observaram paespecial, RSmportarnento animal
em certas esp嶰ies de predr髊s de cocondu甏am que os seres humanos eram basicadadores e dadores tamb幦, providos de um impulso inato mente pred,o para lutar por
territ鏎io.
ou instintiv

O PROP紎ITO DA VIDA

Nos timos anos, por幦, a marparece ehtar se voltando contra essa vis緌 profundamente pessimistg da humanidade, aproximando-se mais da percep誽o do Falai-Lama
da brandura e compaix緌 da nossa natureza latente. Ao longo das duas ou tr瘰 timas d嶰adas, houve literalmente centenas de estudos cient璗icos que indicaram que
a agressividade n緌 essencialmente inata e que o comportamento violento influenciado por uma variedade de fatores biol鏬icos, sociais, situacionais e ambientais.
Talvez a declara誽o mais abrangente sobre as pesquisah mais recentes esteja resumida na Declara誽o sobre a Vid瘽cia de Sevilha de 1986, que foi redigida e firmada
por vinte cientistas de renome, do mundo inteiro. Nesse texto, eles naturalmente reconheceram que o comportamento violento ocorre, sim, mas afirmaram categoricamente
que incorreto em termos cient璗icos dizer que temos uma tend瘽cia herdada para entrar em guerras ou para agir com viol瘽cia. Esse comportamento n緌 estprogramado
geneticamente na natureza humana. Disseram que, apear de termos o sistema neural necess嫫io para agir com viol瘽cia, esse comportamento em si n緌 ativado de modo
autom嫢ico. N緌 hnada na nossa neurofisiologia que nos obrigue a agir com viol瘽cia. Ao examinar o tema da natureza humana essencial, a maioria dos pesquisadores
rio campo percebe atualmente que no fundo temos o potencial para nos tornarmos pessoas serenas, atenciosas, ou pessoas violentas, agressivas. O impulso que acaba
sendo real蓷do em grande parte uma quest緌 de treinamento.
Pesquisadores contempor滱eos refutaram a id嶯a da agressividade inata da humanidade. N緌 sisso, mas a id嶯a
1il~

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66 67
parte de um grupo tinham uma er. Essa necessidade de fortes hoje. Em estudos, como por dr. Larry Scherwitz, com o objes de risco para a doen蓷 coroas pessoas que
tinham o foco suras (aquelas que se referiam onomes "eu

A ARTE DA FELICIDADE

de que os seres humanos t瘱 um ego疄mo inato tamb幦 estsofrendo ataque. Estudiosos como C. Daniel Batson ou Nancy Eisenberg, da Arizona State University,realizaram
numerosas pesquisas ao longo dos timos anos que demonstram que os seres humanos t瘱 uma tend瘽cia ao comportamento altru疄ta. Alguns cientistas, como a soci鏊oga
dra. Linda Wilson, procuram descobrir por que isso acontece. Ela prop盭 a hip鏒ese de que o altru疄mo pode fazer parte do nosso instinto b嫳ico de sobreviv瘽cia
- o exato oposto de id嶯as de pensadores anteriores que postulavam que a hostilidade e a agressividade eram a principal caracter疄tica do nosso instinto de sobreviv瘽cia.
Ao examinar mais de cem cat嫳trofes naturais, a dra.Wilson descobriu um forte padr緌 de altru疄mo entre as v癃imas, que parecia fazer parte do processo de recupera誽o.
Descobriu que o trabalho em conjunto para ajudar uns aos outros costumava afastara possibilidade de problemas psicol鏬icos no futuro, problemas que poderiam ter
resultado do trauma.
A tend瘽cia a criar fortes la蔞s com outros, em a踥es destinadas ao bem-estar dos outros tanto quanto ao pr鏕rio, pode estar profundamente enraizada na natureza
humana, tendo sido criada no passado remoto, quando aque-

les que se uniam e faziam chance maior de sobreviv v璯culos sociais persiste at exemplo um realizado pelotivo de pesquisar os fatorenariana, descobriu-se que mais
concentrado em si me a si mesmas usando os pr

O PROP紎ITO DA VIhA

Com maior freqncia numa entrevista, tinham rrOr Probabilidade de desenvolver doen蓷 c)ronariana mesmo quando outros comportamentos prejudiciais save estavam
sob controle. Cientistas est緌 descobrindo qu as pessoas a quem faltam fortes la蔞s sociais parecem tea sae fr墔il, n癉eis mais altos de infelicidade - uma mair
vulnerabilidade ao estresse.
Tomar a iniciativa de ajudar os out-os pode s~ t緌 essencial nossa natureza quanto a comznica誽o. Viria poss癉el tra蓷r uma analogia com o deselvolvimeni
da linguagem que, semelhan蓷 da capacicade para 榍逅Paix緌 e o altru疄mo, uma das espl瘽dicas caractefticas da esp嶰ie humana. Determinadas 嫫eas 鋯 c廨ebro,i
especificamente devotadas ao potencial para a lingu墈m. Se formos expostos 跴 condi踥es ambientais adeqLdas, ou seja, a uma sociedade que fala, essas eas distints
do c廨ebro come蓷m a se desenvolver e a amadurece medida que nossa capacidade para a lingu,gem for c鮀cendo. Da mesma forma, todos os seres humak酒 podem郢 como
dom natural a "semente da compaix緌" Quando eP酒ta 跴 condi踥es adequadas - em casa, na k)ciedade <)mo um todo e, mais tarde talvez, por meio c酒 nossos:)r訐rios
esfor蔞s direcionados - essa "semente vicejar por essa id嶯a em mente, pesquisadores est緌 afira procurado descobrir as condi踥es ambientais 鏒imas que peroram
que a semente da aten誽o e compaix緌 pehs outros afadure蓷 em crian蓷s. Jidentificaram alguns ft郢es: ter bis capazes de moderar suas pr鏕rias emo踥c-,que sejas
modelos de comportamento atencioso, queestabele蓷" limites adequados para o comportamento dcs filhos, qicomu-
(IR

A ARTE DA FELICIDADE

niquem crian蓷 que ela respons嫛el pelo seu pr鏕rio comportamento e que usem a argumenta誽o para ajudar a direcionar a aten誽o da crian蓷 para estados emocionais
ou afetivos bem como para as conseqncias do seu comportamento sobre os outros.

Uma revis緌 dos nossos pressupostos b嫳icos acerca da natureza latente dos seres humanos, de hostil para solid嫫ia, pode abrir novas possibilidades. Se come蓷mos
por pressupor o modelo de todo o comportamento humano baseado no interesse pessoal, um bebserve de exemplo perfeito, como "prova" dessa teoria. Ao nascer, os beb瘰
parecem estar programados com apenas uma id嶯a na cabe蓷: a gratificar緌 das suas proprias necessidades- alimento, conforto f疄ico e assim por diante. Entretanto,
se eliminarmos esse pressuposto ego疄ta b嫳ico, um quadro totalmente novo come蓷 a surgir. Poder燰mos com a mesma facilidade dizer que um bebnasce programado para
apenas uma coisa: a capacidade e objetivo de trazer prazer e alegria aos outros. Pela simples observa誽o de um bebsaud嫛el, seria dif獳il negar a meiga natureza
latente dos seres humanos. E, a partir dessa nova perspectiva, poder燰mos defender com sucesso a hip鏒ese de ser inata a capacidade de dar prazer ao outro, a quem
lhe devota cuidados. Por exemplo, num rec幦-nascido, o sentido do olfato desenvolvido attalvez apenas 5% da capacidade de um adulto; e o sentido do paladar
pouqu疄simo desenvolvido. Mas o que existe desses sentidos no rec幦-nascido estvoltado para o cheiro e para o sabor do leite materno. O

O PROP紎ITO DA VIDA

_ untar n緌 sfornece nutrientes ao beb ele
wve para aliviar a tens緌 nos seios. Logc, pode
que o bebnasce com uma capacidade inata
prazer m綣, por meio do al癉io da tens緌 nos

bebtamb幦 estprogramado em termos :)iol鏬i
Efeconhecer e reagir a rostos; e s緌 poucas as pes
.e deixam de sentir um prazer aut瘽tico guando
bfita, inocente, seus olhos e sorri. Alguns et鏊ogos
uma teoria a partir dessa constata誽o, propondo
o um bebsorri para quem cuida dele :)u olha
para os olhos dessa pessoa, esse bebes cum
-um "projeto biol鏬ico" profundamente arraigado,

atenciosos, meigos, na pessoa que lhe presta cuique por sua vez tamb幦 estobedecendo a uma
~ instintiva igualmente irresist癉el. medida q.ie mais isadores saem em campo para descobrir objetvamennatureza dos seres humanos, a concep誽o do beb urna trouxinha de ego疄mo, uma m嫭uina de comer
~p~ir, estcedendo lugar a uma vis緌 de um ser que ao mundo com um mecanismo inato destinado a dar ~ aos outros, exigindo apenas as condi踥es Imbien~dequadas para
permitir que a "semente de compaix緌" ~e e natural germine e cres蓷.
` ma vez que cheguemos conclus緌 de que a natub嫳ica da humanidade bondosa em vez de agressirelacionamento com o mundo nona volta
~骸 imediato. Encarar os outros como seres e~sencial-
e bondosos, em vez de hostis e ego疄tas, nos ajuda a
A ARTE DA FELICIDADE

niquem crian蓷 que ela respons嫛el pelo seu pr鏕rio comportamento e que usem a argumenta誽o para ajudar a direcionar a aten誽o da crian蓷 para estados emocionais
ou afetivos bem como para as conseqncias do seu comportamento sobre os outros.

Uma revis緌 dos nossos pressupostos b嫳icos acerca da natureza latente dos seres humanos, de hostil para solid嫫ia, pode abrir novas possibilidades. Se come蓷mos
por pressupor o modelo de todo o comportamento humano baseado no interesse pessoal, um bebserve de exemplo perfeito, como "prova" dessa teoria. Ao nascer, os beb瘰
parecem estar programados com apenas uma id嶯a na cabe蓷: a gratifica誽o das suas propilas necessidades- alimento, conforto f疄ico e assim por diante. Entretanto,
se eliminarmos esse pressuposto ego疄ta b嫳ico, um quadro totalmente novo come蓷 a surgir. Poder燰mos com a mesma facilidade dizer que um bebnasce programado para
apenas uma coisa: a capacidade e objetivo de trazer prazer e alegria aos outros. Pela simples observa誽o de um bebsaud嫛el, seria dif獳il negar a meiga natureza
latente dos seres humanos. E, a partir dessa nova perspectiva, poder燰mos defender com sucesso a hip鏒ese de ser inata a capacidade de dar prazer ao outro, a quem
lhe devota cuidados. Por exemplo, num rec幦-nascido, o sentido do olfato desenvolvido attalvez apenas 5% da capacidade de um adulto; e o sentido do paladar
pouqu疄simo desenvolvido. Mas o que existe desses sentidos no rec幦-nascido estvoltado para o cheiro e para o sabor do leite materno. O

O PROP紎ITO DA VIDA

ato de amamentar n緌 sfornece nutrientes ao beb ele tamb幦 serve para aliviar a tens緌 nos seios. Logo, poder燰mos dizer que o bebnasce com uma capacidade
inata para dar prazer m綣, por meio do al癉io da tens緌 nos seios.
Um bebtamb幦 estprogramado em termos biol鏬icos para reconhecer e reagir a rostos; e s緌 poucas as pessoas que deixam de sentir um prazer aut瘽tico quando
um bebfita, inocente, seus olhos e sorri. Alguns et鏊ogos formularam uma teoria a partir dessa constata誽o, propondo que, quando um bebsorri para quem cuida
dele ou olha direto para os olhos dessa pessoa, esse bebestcumprindo um "projeto biol鏬ico" profundamente arraigado, que instintivamente ele est"liberando"
comportamentos

ternos, atenciosos, meigos, na pessoa que lhe presta cuidados, que por sua vez tamb幦 estobedecendo a uma ordem instintiva igualmente irresist癉el. medida que
mais

pesquisadores saem em campo para descobrir objetivamente a natureza dos seres humanos, a concep誽o do beb
como uma trouxinha de ego疄mo, uma m嫭uina de comer e dormir, estcedendo lugar a uma vis緌 de um ser que vem ao mundo com um mecanismo inato destinado a dar PMZer
aos outros, exigindo apenas as condi踥es ambienW -adequadas para permitir que a "semente de compaix緌" x ente e natural germine e cres蓷.

-,-~,' `-Uma vez que cheguemos conclus緌 de que a natu^~.;b嫳ica da humanidade bondosa em vez de agressi-

~)rlbsso relacionamento com o mundo nossa volta ~0.'de imediato. Encarar os outros como seres essencial-
e bondosos, em vez d h

e ostis e ego疄tas, nos ajuda a
A ARTE DA FELICIDADE

relaxar, a confiar, a viver tranqlos. Essa atitude nos torna mais felizes.

MEDITAォO SOBRE O PROP紎ITO DA VIDA

Enquanto o Dalai-Lama permaneceu no deserto do Arizona naquela semana, voltado para o estudo da natureza humana e o exame da mente humana com a aten誽o minuciosa
de um cientista, uma n癃ida verdade parecia refulgir e iluminar todas as conversas: o prop鏀ito da vida a felicidade. Essa simples afirma誽o pode ser usada como
uma ferramenta poderosa para nos ajudar a superar os problemas di嫫ios da vida. A partir dessa perspectiva, passa a ser nossa tarefa descartar o que provoca o sofrimento
e acumular o que nos leva felicidade. O m彋odo, a pr嫢ica di嫫ia, envolve uma expans緌 gradual da nossa conscientiza誽o e entendimento do que realmente propicia
a felicidade e do que n緌 a propicia.
Quando a vida se torna muito complicada e nos sentimos assoberbados, costuma ser il dar um simples passo atr嫳 e lembrar a n鏀 mesmos qual nosso prop鏀ito
geral, nosso objetivo. Quando deparamos com uma sensa誽o de estagna誽o e confus緌, pode ser valioso tirar uma hora, uma tarde ou mesmo alguns dias para apenas refletir
sobre o que de fato nos trara felicidade, e ent緌 reordenar nossas prioridades com base nessa reflex緌. Isso pode p皾 nossa vida de volta no contexto adequado,
permitir uma nova perspectiva e nos possibilitar ver que dire誽o tomar.

O PROP紎ITO DA VIDA

De vez em quando, deparamos com decis髊s cruciais capazes de afetar toda a trajet鏎ia da nossa vida. Podemos, por exemplo, resolver que vamos nos casar,
ter filhos ou iniciar estudos para nos tornarmos advogados, artistas ou eletricistas. A firme resolu誽o de sermos felizes - de aprender sobre os fatores que conduzem
felicidade e de adotar medidas positivas para construir uma vida mais feliz pode ser uma decis緌 exatamente desse tipo. A ado誽o da felicidade como um objetivo
leg癃imo e a decis緌 consciente de procurar a felicidade de modo sistem嫢ico podem exercer uma profunda mudan蓷 no restante das nossas vidas.
O entendimento que o Dalai-Lama tem dos fatores que acabam propiciando a felicidade baseado em toda uma vida de observa誽o met鏚ica da pr鏕ria mente, de
exames da natureza da condi誽o humana e de investiga誽o desses aspectos dentro de uma estrutura estabelecida pela primeira vez pelo Buda hmais de 25 s嶰ulos. E
a partir dessa tradi誽o que o Dalai-Lama chegou a algumas conclus髊s expl獳itas sobre quais atividades e pensamentos s緌 mais valiosos. Ele resumiu suas cren蓷s
nas seguintes palavras que podem ser usadas como uma medita誽o.

- tais vezes, quando me encontro com velhos amigos, lembro-me de como o tempo passa depressa. E isso faz com que eu me pergunte se utilizamos nosso tempo bem ou
n緌. A utiliza誽o adequada do tempo de extrema import滱cia. Enquanto tivermos esse corpo e especialmente esse assombroso c廨ebro humano, creio que cada minuto
algo precioso. Nossa exist瘽cia di嫫ia repleta de esperan蓷,
A .,RTE DA FELICIDADE

embora n緌 haja nenhuma garantia quanto ao nosso futuro. N緌 hnenhuma garantia de que amanha esta hora estaremos aqui. Mesmo assim, trabalhamos para isso apenas
com base na esperan蓷. Portanto, precisamos fazer o melhor uso poss癉el do nosso tempo. Creio que a melhor utiliza誽o do tempo a seguinte: se for poss癉el, servir
aos outros, a outros seres sencientes. Se n緌 for poss癉el, pelo menos procurar n緌 prejudiclos. Creio que esta toda a base da minha filosofia.
"Logo, reflitamos sobre o que realmente tem valor na vida, o que confere significado nossa vida, e fixemos nossas prioridades com base rrisso. O prop鏀ito
da nossa vida precisa ser pos.tivo. N緌 nascemos com a finalidade de causar problemas de prejudicar os outros. Para que nossa vida tenha valor, creio que devemos
desenvolver boas qualidades humanas essenciais- o carinho, a bondade, a compaix緌. Com isso nossa vida ganha significado e se torna mais tranqla, Trais feliz."

2

7

Segunda parte

O CALOR HUMANO
E A CO?IpAIX鬃
Cap癃ilo 5

UM NOVO MODELO PARA
A INTISIDADE

A SOLID鬃 I O CONTATO

ntrei na sala de estar da ;u癃e do Dalai-Lama, e ele fez E um gesto para que eu rv sentasse Enquanto serviam o ch ele descal蔞u os sapos c獽odos cor de
caramelo e se instalou no conforto dl uma polona de dimens髊s

exageradas.
- E ent緌? - perguntouem t逅 despreocupado, mas com uma inflex緌 que dizia que estava pronto para qualquer coisa. Ele sorria mas 虢-rmafzeceu calado. espera.
Momentos antes, quandb estava sentado no sagu緌 do hotel espera do in獳io da fossa sess緌, eu havia apanha-

75
A ARTE DA FELICIDADE

do distra獮o um exemplar de um jornal alternativo local que estava aberto na p墔ina do "correio sentimental". Passei os olhos rapidamente pelos ancios apinhados,
p墔inas e mais p墔inas de pessoas em busca, na esperan蓷 desesperada de entrar em contato com outro ser humano. Ainda pensando nos ancios quando me sentei para
come蓷r minha reuni緌 com o Dalai-Lama, de repente resolvi p皾 de lado minha lista de perguntas preparadas.
- O senhor chega a sentir solid緌?
- N緌 - respondeu ele, com simplicidade. Eu n緌 estava preparado para essa resposta. Imaginava que ela fosse ser algo semelhante a "claro... de vez em
quando todos sentem alguma solid緌..." Em seguida, eu planejava perguntar como ele lidava com a solid緌. Jamais esperei estar diante de algu幦 que nunca sentisse
solid緌.
- N緌? - voltei a perguntar, incr嶮ulo.
- N緌.
- E a que o senhor atribui isso?
Ele pensou por um instante.
-- Creio que um fator o de eu encarar qualquer ser humano de um 滱gulo mais positivo. Tento procurar seus aspectos positivos. Essa atitude cria de imediato
uma sensa誽o de afinidade, uma esp嶰ie de sintonia.
"E tamb幦 pode ser em parte porque, do meu lado, hmenos apreens緌, menos medo, de que, se eu agir de uma certa forma, talvez a pessoa perca o respeito
ou pense que sou estranho. E assim, como esse tipo de medo e apreens緌 normalmente estausente, existe uma esp嶰ie de franqueza. Acho que esse o fator principal."
No esfor蔞 de compreender a abrang瘽cia e a dificuldade de adotar essa atitude, fiz minha pergunta.

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

- Mas como o senhor sugeriria que uma pessoa adquira a capacidade de se sentir vontade com os outros, de n緌 sentir esse medo ou apreens緌 de n緌 agradar
ou de ser julgado pelos outros? Existem m彋odos espec璗icos aos quais uma pessoa comum poderia recorrer para desenvolver essa atitude?
- Minha cren蓷 b嫳ica que primeiro necess嫫io perceber a utilidade da compaix緌 - disse ele, com convic誽o. - Esse o fator chave. Uma vez que se aceite
o fato de que a compaix緌 n緌 algo infantil ou piegas, uma vez que se perceba que a compaix緌 algo que realmente vale a pena, que se perceba seu valor mais profundo,
desenvolve-se de imediato uma atra誽o por ela, uma disposi誽o a cultivla.
"E, uma vez que se estimule a id嶯a da compaix緌 na mente, uma vez que esse pensamento se torne ativo, as atitudes da pessoa para com os outros mudam automaticamente.
Se abordamos os outros com a id嶯a da compaix緌, isso automaticamente reduz o medo e permite uma franqueza com os outros. Cria uma atmosfera amiga e positiva. Com
essa atitude, podemos tentar um relacionamento no qual cada um de n鏀, por si mesmo, cria a possibilidade de receber afeto ou uma rea誽o positiva por parte da outra
pessoa. E com essa atitude, mesmo que a outra pessoa seja antip嫢ica ou n緌 nos duma resposta positiva, pelo menos n鏀 a abordamos com uma sensa誽o de abertura
que nos proporciona uma certa flexibilidade e a liberdade de mudar nossa abordagem conforme seja necess嫫io. Esse tipo de abertura, no m璯imo, permite a possibilidade
de ter uma conversa significativa com ela. No entanto, sem a atitude

77
A ARTE DA FELICIDADE

de compaix緌, se estamos nos sentindo bloqueados, irritados ou indiferentes, podemos atser abordados pelo nosso melhor amigo, e simplesmente nos sentirmos constrangidos.
"Creio que em muitos casos as pessoas costumam esperar que a outra pessoa lhes duma resposta positiva primeiro, em vez de elas mesmas tomarem a iniciativa
para criar essa possibilidade. Para mim, essa atitude errada. Ela leva a problemas e pode atuar como uma barreira que sserve para promover uma sensa誽o de isolamento
com rela誽o aos outros. Portanto, se desejamos superar aquela sensa誽o de isolamento e solid緌, creio que nossa atitude fundamental faz uma enorme diferen蓷. E abordar
os outros com a id嶯a da compaix緌 na mente ~, melhor forma de conseguir isso."

Minha surpresa diante da afirma誽o do Dalai-Lama de que nunca se sentia sfoi na propor諘o direta da minha cren蓷 na onipresen蓷 da solid緌 na nossa sociedade.
Essa cren蓷 n緌 nasceu apenas de uma percep誽o irr.pressionista da minha pr鏕ria solid緌 ou do fio de solid緌 que parecia estar entremeado, como um tema secund嫫ia,
em toda a trama do meu atendimento psiqui嫢rico. Nas vinte timos anos, os psic鏊ogos come蓷ram a estudai a solid緌 com um enfoque cient璗ico, conduzindo uma bca
quantidade de pesquisas e estudos sobre o tema. Uma dasconclus髊s mais surpreendentes desses estudos z a de que praticamente todas as pessoas relatam que sofrem,
sim, de solid緌, seja atualmente, seja no passado. Numa gran墈 pesquisa, um

WW- 11

O CALOR H]L'MA~O E A COMPAIX鬃

quarto dos adultos nos Estados Unidos rel atou que tirinha se sentido extremamente spelo menos urina vez nas (duas imanas anteriores. Embora costumemos pensar
que aa solid緌 cr獼ica uma condi誽o especialmente dissemirnada

entre os idosos, isolados em apartamentos vazios oua nas enfermarias dos fundas de asilos, a pesquisa sugere ~ que

os adolescentes e jovens adultos t瘱 exatamente as i mesrnas probabilidades que os idosos de relatar que sentem solid緌.
Em virtude da ampla ocorr瘽cia da solid緌, os pe~squi-

hadores come蓷ram a examinar as complexas vari嫛eis que iodem contribuir para ela. Conclu甏am, por exemplo, quae in-

div獮uos solit嫫ios costumam ter problemas para se expor, ter dificuldades para se comunicar com outros, n緌 sabem ouvir e carecem de certas t嫢icas sociais, como
por exemplo a de saber aproveitar deixas em conversas (qulando concordar com um gesto de cabe蓷, quando responder de modo adequado ou quando permanecer calado).
Esse pesquisa sugere que uma estrat嶲ia para superar a solid緌

consistiria em trabalhar para aperfei蔞ar essas t嫢icas sociais. A estrat嶲ia do Dalai-Lama, entretanto, parecia desviar-se do aperfei蔞amento de t嫢icas sociais
ou comportamentos externos, privilegiando uma abordagem que ia direto ao

cerne da quest緌 - a co nscientiza誽o do valor da compaix緌, para depois cu!tivc~la.

Apesar da minha smrpresa inicial, encuanto eu o ouvia falar com tanta convic誽o, vim a acreditar firmemente que

ele nunca sentia solid緌. E havia provas para corroborar sua afirma誽o. Com murita freqncia, eu havia testemunhado sua primeira interaao com um estranho, que
era inva-

19
A ARTE DA FELICIDADE

riavelmente positiva. Come蔞u a ficar claro que essas intera踥es positivas n緌 eram acidentais, nem resultavam simplesmente de uma personalidade naturalmente simp嫢ica.
Percebi que ele passara muito tempo pensando na import滱cia da compaix緌, cultivando-a com cuidado e usando-a para enriquecer e afofar o terreno da experi瘽cia do
dia-a-dia, de modo que tornasse aquele solo f廨til e receptivo a intera踥es positivas com os outros - m彋odo que pode, na realidade, ser usado por qualquer um que
sofra de solid緌.

DEPENDER DOS OUTROS
X
CONFIAR EM SI MESMO

- No interior de todos os seres existe a semente da perfei誽o. No entanto, a compaix緌 necess嫫ia para estimular essa semente que inerente no nosso cora誽o
e na nossa mente... - Com essas palavras, o Dalai-Lama apresentou o t鏕ico da compaix緌 para uma plat嶯a calada. Dirigindo-se a um plico de mil e quinhentas pessoas,
que tinha no seu meio uma boa quantidade de dedicados estudiosos do budismo, ele passou ent緌 a examinar a doutrina budista do Campo de M廨ito.
No sentido budista, o M廨ito descrito como registros positivos na nossa mente ou "continuum mental", que resultam de a踥es positivas. O Dalai-Lama explicou
que um Campo de M廨ito um manancial ou uma base a partir da qual a pessoa pode acumular M廨ito. De acordo com a teoria budista, o estoque de M廨ito da pessoa
que determi-

O CALOR HUMANO E A COMPAIX霓

na condi踥es favor嫛eis para suas vida,, futuras. Esclareceu que a doutrina budista especifica dois Campos dIe M廨ito: o campo dos Budas e o campo dos outros seres
se,ncientes. Um meio de acumular M廨ito envolve a gera誽o de respeito, fe confian蓷 nos Budas, os s郢es Ilumirnados. O outro m彋odo envolve a pr嫢ica de atos relacionadc.os
bondade, generosidade, toler滱cia e assim por diante acompanhada de um refreamento consciente de a踥es ttais como o assassinato, o roubo e a nnentira. Esse segundai
m彋odo para conquistar o M廨ito exige intera踠es com ostras pessoas, em vez de intera誽o com os Budis. Com badse nisso, salientou o Dalai-Lama, as outras pessoas
podenn nos ser de grande ajuda no aculo de M廨ito.
A descri誽o do Dalai-Lama das outras pessoas como um Campo de M廨ito tinha puma bela qualidade 'l甏ica que parecia se prestar a uma riqueza de imagens. Seu
racioc璯io lido e a convic誽o que sustentava suas pala\,ras combinaram-se para conferir fotr蓷 e impacto especiiais sua palestra naquela tarde. Enquanto eu passava
os olhos pelo recinto, pude ver que muitars pessoas na plat嶯as estavam visivelmente comovidas. Eu mesmo estava menos fascinado. Gra蓷s 跴 nossas conversas anteriores,
eu estava nos est墔ios rudimentares de apreciar a profunda import滱cia da compaix緌; e no entantco ainda me encontrava sob a forte influ瘽cia de anos de condicionamento
cient璗ico racional que me faziam encarrar qualquer conversa sobre bondade e compaix緌 comco algo um pouco sentimental demais para meu gosto. Enquanto ele falava,
mira mente passou a divagar. Comecei a olhar furtivamente pelo sal緌, procura de rostos famosos;, interessantes ou conhecidos.
A ARTE DA FELICIDADE

Como tinha feito uma refei誽o pesada pouco antes da palestra, comecei a sentir sono. Minha aten誽o ia e vinha. A certa altura, pude sintonizar para ouvir o que ele
dizia, "...no outro dia, falei sobre os fatores necess嫫ios para levar uma vida feliz e cheia de alegria. Fatores tais como a sae, os bens materiais, os amigos
e assim por diante. Se voc瘰 examinarem minuciosamente, concluir緌 que todos eles dependem de outras pessoas. Para manter a sae, confiamos em medicamentos preparados
por outros e em atendimento m嶮ico fornecido por outros. Se pesquisarem todas as instala踥es materiais que utilizam para aproveitar a vida, descobrir緌 que praticamente
n緌 hnenhum desses objetos materiais que n緌 tenha tido liga誽o com outras pessoas. Se pensarem com cuidado, ver緌 que todos esses bens existem em conseqncia
dos esfor蔞s de muita gente, seja direta seja indiretamente. Muitas pessoas est緌 envolvidas em tornar poss癉eis essas coisas. Nem preciso dizer que, quando falamos
de bons amigos e companheiros como outro fator necess嫫io para uma vida feliz, estamos falando da intera誽o com outros seres sencientes, com outros seres humanos.
"Pode-se ver, portanto, que todos esses fatores est緌 indissoluvelmente ligados aos esfor蔞s e coopera誽o dos outros. Os outros s緌 indispens嫛eis. E assim,
apesar de que o processo de relacionar-se com os outros possa talvez envolver dificuldades, brigas e improp廨ios, temos de procurar manter uma atitude de amizade
e carinho, a fim de levar um estilo de vida no qual haja intera誽o suficiente com outras pessoas para que se tenha uma vida feliz."
Enquanto ele falava, senti uma resist瘽cia instintiva. Embora sempre tenha valorizado e apreciado meus ami-

8z

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

gos e minha fam璱ia, sempre me considerei uma pessoa independente. Segura de si mesma. Que na realidade se orgulhava de possuir essa qualidade. Em segredo, tive
a tend瘽cia a considerar pessoas excessivamente dependentes com uma esp嶰ie de desprezo - um sinal de fraqueza.
Naquela tarde, por幦, enquanto escutava o Dalai-Lama, algo aconteceu. Como "Nossa depend瘽cia dos outros" n緌 era meu t鏕ico preferido, minha mente voltou
a divagar, e eu me descobri, distra獮o, puxando um fio solto da manga da minha camisa. Prestando aten誺o por um instante, ouvi quando ele mencionou o grande nero
de pessoas envolvidas na confec誽o de todos os nossos bens materiais. Enquanto ele falava, comecei a pensar em quantas pessoas estariam envolvidas na feitura da
minha camisa. Comecei imaginando o lavrador que plantou o algod緌. Depois, o vendedor que vendeu ao lavrador o trator para arar a terra. Em seguida, por sinal, as
centenas ou atmilhares de pessoas envolvidas na fabrica誽o do trator, entre elas inclu獮as as que extra甏am o min廨io para fabricar o metal de cada pe蓷 do trator.
E todos os projetistas do trator. E ent緌, naturalmente, pensei nas pessoas que processaram o algod緌, que teceram o pano e que cortaram, tingiram e costuraram esse
tecido. Os ajudantes de carga e motoristas de caminh緌 que fizeram a entrega loja e o vendedor que me vendeu a camisa. Ocorreu-me que praticamente todos os aspectos
da minha vida resultavam de esfor蔞s dos outros. A preciosa confian蓷 que eu tinha em mim mesmo era uma total ilus緌, uma fantasia. Quando me dei conta disso, fui
dominado por uma profunda no誽o da interdepend瘽cia e da interliga誽o de todos os seres.
A ARTE DA FELICIDADE

Senti que me enternecia. Alguma coisa. N緌 sei o qu Fez com que eu sentisse vontade de chorar.

A INTIMIDADE

Nossa necessidade de outras pessoas paradoxal. Ao mesmo tempo que nossa cultura se encontra enredada na celebra誽o de uma independ瘽cia feroz, tamb幦 ansiamos
por intimidade e por uma liga誽o com um ser amado especial. Concentramos toda a nossa energia na miss緌 de encontrar aquela pessoa ica que, esperamos, venha curar
nossa solid緌 e, entretanto, sustentar nossa ilus緌 de que ainda somos independentes. Embora essa liga誽o seja dif獳il de realizar mesmo com uma ica pessoa, eu
descobriria que o Dalai-Lama consegue e recomenda que se tenha intimidade com o maior nero poss癉el de pessoas. Na realidade, seu objetivo criar essa liga誽o
com todos.
- Na sua palestra de ontem tarde - perguntei-lhe em encontro na sua su癃e do hotel no Arizona, num final de tarde -, o senhor falou da import滱cia dos
outros e os descreveu como um Campo de M廨ito. Mas, quando examinamos nosso relacionamento com os outros, no fundo s緌 tantas as formas diferentes com as quais podemos
nos relacionar, tantos os tipos diferentes de relacionamento...
- bem verdade - respondeu o Dalai-Lama.
- Por exemplo, hum certo tipo de relacionamento que altamente valorizado no Ocidente - comentei. - um relacionamento caracterizado por um alto grau
de intimidade entre duas pessoas, em que temos uma pessoa espe-

O CALOR HUMANO E A COMPAIX叢

ciai com quem podemos compartilhar nossos sentimentos mis profundos, nossos medos e assim por diante. As pessoas t瘱 a impress緌 de que, se n緌 tiverem um relacionamento
dessa natureza, algo estfaltando na sua vida... Na realidade, a psicoterapia ocidental costuma procurar ajudar as pessoas a desenvolver uma rela誽o 璯tima dessa
esp嶰ie...
- acredito que esse tipo de intimidade possa ser considerado algo positivo - concordou o Dalai-Lama. - Creio que, se algu幦 for privado desse tipo de
intimidade, acabartendo problemas...
- Estou squerendo saber, ent緌 - prossegui -, durante sua inf滱cia no Tibete, o senhor n緌 era apenas considerado um rei, mas tamb幦 uma divindade. Suponho
que as pessoas o reverenciassem, talvez se sentissem um pouco nervosas ou amedrontadas na sua presen蓷. Isso n緌 criava um certo distanciamento emocional com rela誽o
aos outros, uma sensa誽o de isolamento? Da mesma forma, o fato de viver separado da sua fam璱ia, de ser criado como monge desde a tenra inf滱cia e, como monge, de
nunca ter se casado... tudo isso n緌 contribuiu para uma sensa誽o de separa誽o com rela誽o aos outros? O senhor alguma vez jsentiu que perdeu a oportunidade de
desenvolver um grau mais alto de intimidade pessoal com os outros ou com uma pessoa especial, como por exemplo uma esposa?
- N緌 - respondeu ele, sem hesita誽o. - Nunca senti uma falta de intimidade. Naturalmente meu pai jfaleceu hmuitos anos, mas eu me sentia muito chegado
minha m綣, aos meus mestres, meus professores e a outros. E, com muitas dessas pessoas, eu podia compartilhar meus senti-
A ARTE DA FELICIDADE

mentos, preocupa踥es e temores mais profundos. Quando eu estava no Tibete, em ocasi髊s formais e eventos plicos, havia uma certa formalidade, era observado um
certo protocolo, mas esse nem sempre era o caso. Em outras ocasi髊s, por exemplo, eu costumava passar tempo na cozinha. Fiz amizade com alguns funcion嫫ios da cozinha,
e n鏀 pod燰mos brincar, contar fofocas ou compartilhar hist鏎ias, e tudo era muito natural, sem aquela sensa誽o de formalidade ou distanciamento.
"Portanto, quando eu estava no Tibete ou desde que me tornei um refugiado, nunca senti falta de pessoas com quem pudesse compartilhar momentos. Creio que
em grande parte isso estrelacionado minha natureza. Para mim f塶il compartilhar as coisas com outros. Simplesmente n緌 sou muito bom para guardar segredos!"
Ele riu. "claro que 跴 vezes esse tra蔞 pode ser negativo. Por exemplo, pode haver algum debate no Kashag* sobre fatos confidenciais, e eu imediatamente come蔞
a conversar sobre esses fatos com terceiros. No entanto, no n癉el pessoal, ser aberto e comunicativo pode ser muito il. Gra蓷s a essa natureza, posso fazer amigos
com maior facilidade; e n緌 se trata apenas de uma quest緌 de conhecer pessoas e ter uma troca superficial com elas, mas de realmente compartilhar meu sofrimento
e meus problemas mais profundos. E o mesmo acontece quando ou蔞 boas not獳ias. Imediatamente vou compartilhlas com os outros. Por isso, tenho uma sensa誽o de intimidade
e liga誽o com meus amigos. claro que 跴 vezes para mim f塶il criar um v璯culo com

' O gabinete do governo tibetano no ex璱io.

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

os outros, porque eles costumam se sentir muito felizes por compartilhar seu sofrimento ou sua alegria com o `DalaiLarna', `Sua Santidade, o Dalai-Lama'." Ele riu
mais uma vez, fazendo pouco do seu t癃ulo. "Seja como for, tenho essa sensa誽o de liga誽o, de uni緌, com muitas pessoas.

Por exemplo, no passado, se eu me sentia decepcionado ou infeliz com a pol癃ica do governo tibetano ou se estava preocupado com outros problemas, atmesmo com a
amea-

蓷 da invas緌 chinesa, eu voltava para meus aposentos e dividia aquele sentimento com a pessoa que varre o ch緌. De um ponto de vista pode parecer um total disparate
que algu幦 como o Dalai-Lama, o chefe do governo tibetano, diante de dificuldades nacionais ou internacionais, fosse compartilhlas com um faxineiro." Ele riu mais
uma vez. "Mas, em termos pessoais, sinto que muito il, porque

a outra pessoa participa, e n鏀 podemos encarar o problema ou o sofrimento juntos."

UMA EXPANS鬃 DA NOSSA DEFINIЫO
DE INTIMIDADE

Praticamente todos os pesquisadores no campo dos relacionamentos humanos concordam que a intimidade tem import滱cia crucial na nossa exist瘽cia. O influente
psicanalista budista John Bowlby escreveu que "liga踥es 璯timas com outros seres humanos s緌 o eixo em torno do qual gira a vida de uma pessoa... Dessas liga踥es
璯timas, a pessoa extrai sua for蓷 e seu prazer de viver; e, atrav廥 de suas contribui踥es, essa pessoa transmite for蓷 e prazer de viver
A ARTE DA FELICIDADE

aos outros. Essas s緌 quest髊s a respeito das quais a ci瘽cia atual e a sabedoria tradicional est緌 de acordo".
Estclaro que a intimidade promove o bem-estar f疄ico e psicol鏬ico. Ao examinar os benef獳ios sae proporcionados por relacionamentos 璯timos, pesquisadores
em medicina conclu甏am que aqueles que t瘱 boas amizades, pessoas a quem podem recorrer em busca de apoio, solidariedade e afeto, t瘱 maior probabilidade de sobreviver
a desafios sae, tais como ataques card燰cos e cirurgias de grande porte, e t瘱 menor probabilidade de apresentar doen蓷s como o c滱cer e infec踥es respirat鏎ias.
Por exemplo, um estudo de mais de mil pacientes card燰cos no Medicai Center da Duke University concluiu que aqueles que n緌 tinham c獼juge ou algum confidente pr闛imo
apresentavam uma probabilidade tr瘰 vezes maior de morrer dentro de cinco anos ap鏀 o diagn鏀tico da doen蓷 card燰ca, do que os que eram casados ou tinham um amigo
璯timo. Outro estudo com milhares de moradores de Alameda County, na Calif鏎nia, ao longo de um per甐do de nove anos, revelou que os que tinham mais apoio social
e relacionamentos 璯timos apresentavam menores 璯dices gerais de mortalidade e menor incid瘽cia de c滱cer. E um estudo realizado na School of Medicine da University
of Nebraska, com centenas de idosos, concluiu que aqueles que tinham um relacionamento 璯timo apresentavam melhor fun誽o imunol鏬ica e n癉eis de colesterol mais
baixos. Ao longo dos timos anos, houve pelo menos uma meia dia de pesquisas de grande alcance conduzidas por diferentes pesquisadores que examinaram a rela誽o
entre intimidade e sae. Depois de entrevistarem milhares de pessoas, os

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

diversos pesquisadores parecem todos ter chegado mesma conclus緌: relacionamentos 璯timos s緌, de fato, ben
ficos sae.
A intimidade igualmente importante para a manuten-
誽o da boa sae emocional. O psicanalista e fil鏀ofo social Erich Fromm afirmou que o medo mais b嫳ico da humanidade a amea蓷 de ser isolado de outros seres humanos.
Para ele, a experi瘽cia da separa誽o, vivenciada pela primeira vez na tenra inf滱cia, a fonte de toda a ansiedade na vida humana. John Bowlby concordou, citando
um bom volume de provas experimentais e pesquisas que corrobo-

ravam a id嶯a de que a separa誽o daqueles que cuidam do beb- geralmente a m綣 ou o pai - durante o per甐do final do primeiro ano de vida, inevitavelmente gera
medo e tristeza na crian蓷. Para ele, a separa誽o e a perda inter-
pessoal estavam nas pr鏕rias origens das experi瘽cias humanas de medo, tristeza e m墔oa.
Portanto, levando-se em considera誽o a import滱cia

vital da intimidade, como tratamos de conseguir intimidade na nossa vida di嫫ia? De acordo com o enfoque do Dalai-

Lama, delineado na tima subdivis緌, seria razo嫛el come蓷r com o aprendizado - com a compreens緌 do que a intimidade, com a busca de uma defini誽o e modelo pr嫢ico
de intimidade. No entanto, quando nos voltamos para

a ci瘽cia procura de uma resposta, tem-se a impress緌 de que, apesar do acordo universal entre os pesquisadores quanto import滱cia da intimidade, nesse ponto
que termina a harmonia entre eles. Talvez a caracter疄tica mais

surpreendente do exame mais superficial de v嫫ios estudos sobre a intimidade seja a ampla diversidade de defini踥es e teorias sobre exatamente o que a intimidade.

89
i

A ARTE DA FELICIDADE

Na extremidade mais concreta da escala esto autor Desmond Morris, que escreve sobre a intimidade a partir da perspectiva de um zo鏊ogo com forma誽o em
etologia. Em seu livro Intimate Behavior [Comportamento 璯timo], Morris define a intimidade. "Ser 璯timo significa estar pr闛imo... Ao meu ver, o ato da intimidade
ocorre sempre que dois indiv獮uos entram em contato f疄ico." Depois de definir a intimidade em termos de puro contato f疄ico, ele ent緌 passa a examinar as ineras
formas pelas quais os seres humanos entram em contato f疄ico uns com os outros, desde um simples tapinha nas costas uni緌 sexual mais er鏒ica. Ele vo contato
como o ve獳ulo atrav廥 do qual nos consolamos uns aos outros e nos sentimos consolados, por meio de abra蔞s e apertos de m緌s; e, quando esses meios n緌 nos s緌
dispon癉eis, por vias mais indiretas de contato f疄ico, como por exemplo um atendimento de manicure. Ele chega a levantar a hip鏒ese de que os contatos f疄icos com
objetos no nosso ambiente, desde os cigarros e j鏙as atos colch髊s de 墔ua, funcionam como substitutos da intimidade.
A maioria dos pesquisadores n緌 t緌 materialista nas suas defini踥es de intimidade e parece concordar que a intimidade mais do que a mera proximidade
f疄ica. Voltando-se para a raiz da palavra "intimidade", do latim "intima", que significa "interior" ou "mais interior", com enorme freqncia que eles aceitam
uma defini誽o mais ampla, como por exemplo a oferecida pelo dr. Dan MCAdamS, autor de diversos livros sobre o tema da intimidade: `'O desejo de intimidade o desejo
de compartilhar nosso eu mais profundo com outra pessoa."

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

No entanto, as defini踥es da intimidade n緌 param por a Na outra extremidade da escala, em rela誽o a Desmond Moais, hespecialistas como por exemplo a
dupla de psiquiatras, dr. Thomas Patrick Malone e dr. Patrick Thomas Malone, pai e filho. No seu livro, The Art of Intimacy [A arte da intimidade], eles definem
a intimidade como a "experi瘽cia da capacidade de conectar". Seu entendimento da intimidade come蓷 com um exame meticuloso da nossa "capacidade de conectar" com
outras pessoas, mas os autores n緌 limitam seu conceito de intimidade a relacionamentos humanos. Sua defini誽o t緌 ampla, na realidade, que inclui nossos relacionamentos
com objetos inanimados - 嫫vores, estrelas e atmesmo o espa蔞.
Conceitos da forma ideal de intimidade tamb幦 variam pelo mundo afora e ao longo da hist鏎ia. A no誽o rom滱tica daquela "Pessoa Especial" com quem temos
um apaixonado relacionamento 璯timo um produto da nossa era e da nossa cultura. Esse modelo de intimidade, entretanto, n緌 tem aceita誽o universal em todas as
culturas. Os japoneses, por exemplo, parecem confiar mais nas amizades para a obten誽o da intimidade, ao passo que os americanos parecem procurla mais em relacionamentos
rom滱ticos com um namorado, namorada ou c獼juge. Ao salientar esse ponto, alguns pesquisadores sugeriram que os asi嫢icos que costumam concentrar menos aten誽o em
sentimentos pessoais, como a paix緌, e que se interessam mais pelos aspectos pr嫢icos de liga踥es sociais parecem ser menos vulner嫛eis ao tipo de decep誽o que leva
desintegra誽o dos relacionamentos.
Al幦 das variantes entre uma cultura e outra, os conceitos de intimidade tamb幦 sofreram mudan蓷s dr嫳ticas
A ARTE DA FELICIDADE

ao longo do tempo. Na Am廨ica colonial, o grau de proximidade e intimidade f疄ica era em geral maior do que o atual, jque parentes e atmesmo desconhecidos ocupavam
espa蔞s confinados, dormiam juntos num aposento e usavam um mesmo aposento para tomar banho, comer e dormir. Mesmo assim, o n癉el costumeiro de comunica誽o entre
c獼juges era bastante formal em compara誽o com os padr髊s da atualidade - n緌 sendo muito diferentes do modo de comunica誽o entre vizinhos ou conhecidos. Somente
um s嶰ulo mais tarde, o amor e o casamento tornaram-se altamente romantizados, e a revela誽o 璯tima do pr鏕rio eu passou a ser um ingrediente pressuposto em qualquer
parceria amorosa.
Id嶯as sobre o que considerado comportamento 璯timo e pessoal tamb幦 mudaram ao longo do tempo. Na Alemanha no s嶰ulo XVI, por exemplo, esperava-se que
marido e mulher rec幦-casados consumassem o matrim獼io numa cama carregada por testemunhas que legitimariam o casamento.
Tamb幦 mudou a forma como as pessoas exprimem suas emo踥es. Na Idade M嶮ia, era considerado normal exprimir em plico uma grande extens緌 de sentimentos
com muita intensidade e franqueza - a alegria, a raiva, o medo, a compaix緌 e atmesmo o prazer em torturar e matar inimigos. Exprimiam-se excessos de riso hist廨ico,
de pranto desconsolado, de fia violenta, muito mais do que seria aceito hoje na nossa sociedade. Por幦 a banaliza諘o da express緌 de emo踥es e sentimentos naquela
sociedade exclu燰 o conceito de intimidade emocional. Se o que se deve fazer expor todas as emo踥es de modo aberto e in-

O CALOR HUMANO E A COMI'AIX霓

(fisc~i.inado, acabam n緌 restando sentimentos pessoais a expressar para algumas pessoas especiais.
Nat>ruralmente, as no踥es que ternos como l甒uidas e

certas a respeito da intimidade n緌 s緌 universais. Elas mudam coem Passar do tempo e costum嫥 ser moldadas pe-

las condll踥es econ獽icas, sociais e culturais. E f塶il ficar confuso' diante da variedade das defi>que v緌 desde um corte de cabelo ao nosso relacionamento com as l,luas de Netuno. E onde isso nos deixa no nosso esfor蔞 dei entender o que a intimidade Creio
que as implica踥e,'s s緌 claras.
Exist'te uma incr癉el diversidade entre as vidas humanas, varia踥es infinitas entre as pessoas corre rela誽o a como vivenciam 1 uma sensa誽o de proximidaEssa percep誽o por si jnos oferece uma grande oportunidade. Ela quer dizer qu嶪 neste exato momento temos amplos mananciais de intimilidade nossa disposi誽o.
A intimidade estpor

toda partte~
Atualtlmente, muitos de n鏀 vivem oprimidos pela sensa誽o de qyue falta algo na nossa vida, sofrendo intensamente por uma 1 falta de intimidade. Isso ocorre
憺sPecialmente quando atraveessamos os inevit嫛eis per甐dona nossa vida em que n緌 (estamos envolvidos num relacionamento rom滱tico ou em qLjue a paix緌 se esvai
de um relpcionamerxto. Existe na nossa ` cultura uma id嶯a muito difundida de que se con-

segue alca'an蓷r melhor a intimidade profuznda dentro do contexto de i um relacionamento rom滱tico apaixonado - com aquela Pessoa Extraordin嫫ia que distinggllimos
de todas as outras. Esse ponto de vista pode nos limitar ao extremo, iso-

93
A ARTE DA FELICIDADE

lando-nos de outras fontes de intimidade em potencial; e pode ser a causa de muita afli誽o e infelicidade quando essa Pessoa Extrao-din嫫ia n緌 estdisposi誽o.
Est por幦, ao nosso alcance o meio de evitar isso. preciso apenas ter a coragem de expandir nosso conceito de intimidade d~ modo a incluir todas as outras
formas que nos cercam na vida di嫫ia. Com a amplia誽o da nossa defini誽o de intimidade, n鏀 nos abrimos para descobrir muitos modos noves e igualmente satisfat鏎ios
de conex緌 com os outros. Isso nos traz de volta minha conversa inicial com o Dalai-Lama sobre a solid緌, conversa inspirada por uma leitura casual da se誽o de
"correio sentimental" de um jornal da re'i緌. Fico a me perguntar. No exato momento em que aquelas pessoas estavam redigindo seus ancios, lutando para encontrar
as palavras exatas que trariam o romance para suas vidas e acabariam com a solid緌, quantas dessas pessoas jestavam cercadas de amigos, parentes ou conhecidos
- relacionamentos que poderiam facilmente ser cultivados e resultar em liga踥es 璯timas genu璯a e profundamente satisfat鏎ias? Muitas, imagino eu. Se o que procuramos
na vida a felicidade, e se a intimidade um importante ingrediente de uma vida mais feliz, ent緌 sem dida faz sentido conduzir nossa vida com base num modelo
de intimidade que inclua tantas formas de liga誽o com os outros quantas forem poss癉eis. O modelo de intimidade do Dalai-Lama baseia-se numa disposi誽o a nos abrirmos
para muitos outros, parentes, amigos e atmesmo desconhecidos, formando la蔞s profundos e aut瘽ticos baseados na nossa humanidade comum.

Cap癃ulo 6

O APROFUNDAMENTO DA NOSSA
LIGAЫO COM OS OUTROS

Uma tarde, depois da sua palestra ao plico, cheguei su癃e do Dalai-Lama para minha sess緌 di嫫ia. Estava alguns minutos adiantado. Um auxiliar veio discretamente
ao corredor para informar que Sua Santidade estava ocupado numa audi瘽cia particular, que deveria demorar mais alguns minutos. Ocupei minha posi誽o costumeira diante
da porta da sua su癃e e usei o tempo para rever as anota踥es que havia preparado para nossa sess緌, enquanto procurava evitar o olhar de suspeita de um seguran蓷
- o mesmo olhar aperfei蔞ado por atendentes de lojas de conveni瘽cia para uso diante de adolescentes de 13 ou 14 anos, que ficam passando tempo entre as estantes
de revistas.
A ARTE DA FELICIDADE

Em alguns minutos, a porta abriu-se para a sa獮a de um casal bem vestido de meia-idade. Eles me pareceram conhecidos. Lembrei-me de ter sido apresentado
rapidamente a eles alguns dias antes. Disseram-me que a mulher era uma herdeira muito conhecida, e o marido, um advogado extremamente rico e poderoso, de Manhattan.
Na 廧oca da apresenta誽o, strocamos algumas palavras, mas os dois me pareceram incrivelmente arrogantes. Quando iam saindo da su癃e do Dalai-Lama, por幦, percebi
uma mudan蓷 espantosa. Nada de postura altiva e de express髊s presun蔞sas. No seu lugar, dois rostos inundados de ternura e emo誽o. Pareciam duas crian蓷s. Rios
de l墔rimas escorriam pelas bochechas. Embora o efeito do Dalai-Lama sobre os outros nem sempre seja t緌 dram嫢ico, percebi que os outros invariavelmente respondiam
a ele com alguma mudan蓷 em termos de emo誽o. Havia muito eu vinha me maravilhando com sua capacidade de sintonizar com os outros, qualquer que fosse sua posi誽o
na vida, e de estabelecer uma troca emocional profunda e significativa.

A CRIAЫO DA EMPATIA

Embora tiv廥semos falado da import滱cia do carinho e da compaix緌 humana durante nossas conversas no Arizona, foi salguns meses mais tarde, em sua casa
em Dharamsala, que tive a oportunidade de examinar com ele os relacionamentos humanos, com maior aten誽o aos detalhes. 默uela altura eu estava muito ansioso para
ver se poder燰mos descobrir um conjunto de princ甑ios fundamentais aos

O CALOR HUMANO E A CONIYAIX霓

quais ele recorre nas suas intera踥es com os outros - princ甑ios que poderiam ser aplicados para aprimorar qualquer relacionamento, com desconhecidos, parentes,
amigos ou amantes. Aflito para come蓷r, mergulhei de cabe蓷.
- Bem, quanto ao t鏕ico dos relacionamentos humanos... qual o senhor consideraria o m彋odo ou t嶰nica mais eficaz para sintonizar com os outros de uma forma
significativa e para reduzir conflitos com os outros?
Ele me lan蔞u um olhar penetrante. N緌 era um olhar indelicado, mas fez com que eu me sentisse como se tivesse acabado de lhe pedir que me desse a exata
composi誽o qu璥ica do pda lua.
- Bem, lidar com os outros uma quest緌 muito complexa - respondeu ele, ap鏀 um breve sil瘽cio. - N緌 hcomo calcular uma f鏎mula ica que possa resolver
todos os problemas. um pouco como saber cozinhar. Quando se estpreparando uma refei誽o deliciosa, uma refei誽o especial, hv嫫ios est墔ios no preparo. Pode-se
primeiro ter de ferver os legumes separadamente. Depois tem-se de fritlos, para ent緌 combinlos de um modo especial, adicionando temperos e assim por diante.
E, finalmente, o resultado seria esse prato delicioso. Aqui, da mesma forma, para ter talento para lidar com os outros, muitos fatores s緌 necess嫫ios. N緌 se pode
simplesmente dizer, "Este o m彋odo" ou "Esta a t嶰nica".
N緌 era exatamente a resposta que eu estava procurando. Achei que ele estava sendo evasivo e tive a sensa誽o de que sem dida deveria ter algo mais concreto
a me oferecer. Pressionei, ent緌.
- Pois bem, se n緌 hnenhuma solu誽o ica para aprimorarmos nossos relacionamentos, quem sabe n緌
A ARTE DA FELICIDADE

existam algumas diretrizes mais amplas que poderiam ser eis?
O Dalai-Lama pensou por um instante antes de responder.
- Existem. Jfalamos da import滱cia de abordar os outros tendo em mente o pensamento da compaix緌. Isso crucial. claro que n緌 basta simplesmente dizer
a algu幦, "Ah, muito importante ter compaix緌; vocprecisa ter mais amor pelos outros." Uma simples receita como essa, por si, n緌 vai funcionar. No entanto,
um meio eficaz de ensinar algu幦 a ser mais carinhoso e compassivo come蓷 com o uso do racioc璯io para instruir o indiv獮uo sobre o valor e os benef獳ios pr嫢icos
da compaix緌; e tamb幦 fazer com que cada um reflita sobre como se sente quando algu幦 gentil com ele, entre outras coisas. Num sentido, isso deixa o indiv獮uo
preparado, de modo que o efeito sermaior medida que ele prossiga em seus esfor蔞s para ter mais compaix緌.
"Agora, ao examinar os v嫫ios modos para desenvolver a compaix緌, creio que a empada um fator importante. A capacidade de avaliar o sofrimento do outro.
Na realidade, por tradi誽o, uma das t嶰nicas budistas para aperfei蔞ar a compaix緌 envolve imaginar uma situa誽o em que um ser senciente estsofrendo... por exemplo,
um carneiro a ponto de ser abatido pelo a蔞ugueiro. E ent緌 procurar imaginar o sofrimento pelo qual o carneiro pode estar passando e assim por diante... - O Dalai-Lama
parou por um instante para refletir, passando distra獮o pelos dedos suas contas de ora誽o. Comentou ent緌. - Ocorreu-me que, se estiv廥semos lidando com algu幦 que
fosse muito

O CALOR HUMANO E A COMYAIX霓

frio e indiferente, essa t嶰nica talvez n緌 funcionasse. Seria temo pedir ao a蔞ugueiro qve fizesse essa visualiza誽o. p a蔞ugueiro estt緌 embrutecido, t緌 acostumado
跲uilo tudo, que simplesmente ela n緌 teria nenhum impacto. portanto, por exemplo, seria muito dif獳il explicar e utilizar essa t嶰nica no caso de alguns ocidentais
que estejam habituados a ca蓷r e pescar por prazer, como uma forma de

lazer..."
- Nesse caso - sugeri - talvez n緌 fosse uma t嶰nica eficaz pedir ao ca蓷dor que imaginasse o sofrimento da sua presa, mas seria poss癉el despertar sentimentos
de com-

paix緌 se come諃ssemos fazendo com que ele visualizasse seu c緌 de ca蓷 preferido preso numa armadilha, ga-

nindo de dor...
- Isso mesmo - concordou o Dalai-Lama. - Creio que, dependendo das circunst滱cias, poder燰mos modificar essa t嶰nica. Por exemplo, a pessoa pode n緌 ter
uma forte empatia para com animais, mas no m璯imo pode ter alguma empada para com um parente pr闛imo ou um amigo. Nesse caso, a pessoa poderia visualizar uma situa誽o
em que o ser amado estsofrendo, passando por uma situa誽o tr墔ica, e depois imaginar como ela reagiria 跲uilo. Desse modo, pode-se tentar aumentar a compaix緌,
por meio da tentativa de sentir empatia pelos sentimentos ou pela ex-

peri瘽cia do outro.

"Creio que a empada importante n緌 scomo meio de aprimoramento da compaix緌 mas, em termos gerais,

quando se lida com os outros em qualquer n癉el e se enfrenta alguma dificuldade, extremamente il ser capaz de procurar p皾-se no lugar da outra pessoa e ver
como se
A ARTE DA FELICIDADE

reagiria situa誽o. Mesmo que n緌 se tenha nenhuma experi瘽cia comum com a outra pessoa ou que se tenha um estilo de vida muito diferente, pode-se tentar fazer
isso atrav廥 da imagina誽o. Pode ser necess嫫io ser levemente criativo. Essa t嶰nica envolve a capacidade de suspender provisoriamente a insist瘽cia no pr鏕rio ponto
de vista mas, tamb幦, encarar a situa誽o a partir da perspectiva do outro, imaginar qual seria a situa誽o caso se estivesse no seu lugar, como se lidaria com o fato.
Isso ajuda a desenvolver uma conscientiza誽o dos sentimentos do outro e um respeito por eles, o que um importante fator para a redu誽o de conflitos e problemas
com os outros."

Nossa entrevista naquela tarde foi curta. Eu havia sido encaixado na densa programa誽o do Dalai-Lama no timo instante; e, como algumas das nossas conversas, ela
ocorreu no final do dia. Lfora, o sol come蓷va a se p皾, enchendo o aposento com uma penumbra agridoce que tornava 滵bar escuro as paredes de um amarelo-claro,
e iluminava com belos matizes dourados as imagens budistas ali dispostas. O auxiliar do Dalai-Lama entrou em sil瘽cio, indicando o final da nossa sess緌. Para encerrar
a conversa, fiz uma pergunta.
- Sei que temos de terminar, mas o senhor teria algum outro conselho ou m彋odos aos quais recorre para estabelecer empatia com os outros?
Repetindo as palavras que havia proferido no Arizona muitos meses antes, ele respondeu com uma doce simplicidade.

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

- Sempre que conhe蔞 algu幦, abordo a pessoa a partir do ponto de vista do que houver de mais b嫳ico em comum entre n鏀. Cada um de n鏀 terr uma estrutura
f疄ica, uma mente, emo踥es. Todos nascemos do mesmo modo; e todos morremos. Todos n鏀 desejamos a felicidade e n緌 queremos sofrer. Em vez de salientar diferen蓷s
secund嫫ias, como por exemplo o fato de eu ser tibetano, de uma cor, religi緌 ou forma誽o cultural diferente, encarar os outros a partir dessa perspectiva permite
que eu tenha a sensa誽o de estar conhecendo algu幦 igualzinho a mim. Considero que o relacionamento con os outros nesse n癉el facilita em muito a troca e a comunica誽o
entre as pessoas. - Com essas palavras, ele se levantou, sorriu, segurou minha m緌 por um instante e se recolheu.

Na manhseguinte, continuamos nossa conversa na casa do Dalai-Lama.
- No Arizona, falamos muito soEre a import滱cia da compaix緌 nos relacionamentos hurr.anos, e ontem examinamos o papel da empatia no aprirrioramento da nossa
capacidade para nos relacionarmos u-Is com os outros...
- Sim - disse o Dalai-Lama, assentindo com a cabe蓷.
- Al幦 disso, o senhor poderia sugerir mais algum m彋odo ou t嶰nica espec璗ica que ajtdasse um indiv獮uo a lidar com outras pessoas de modo mais positivo?
- Bem, como mencionei ontem, n緌 hcomo propor uma ou duas t嶰nicas simples, que possam resolver todos os problemas. Tendo dito isso, por幦, creio que h
alguns outros fatores que podem ajudar o indiv獮uo a lidar com os outros com maior habilidade. Para come蓷r, il enten-
A ARTE DA FELICIDADE

der e avaliar a forma誽o da pessoa com quem se estlidando. Al幦 disso, uma mente mais aberta e mais franca uma qualidade valiosa quando se trata de lidar com
os outros.
Aguardei, mas ele n緌 disse mais nada.
- O senhor poderia sugerir algum outro m彋odo para aprimorar nossos relacionamentos?
Ele pensou por um momento.
- N緌 - disse ele, com uma risada.
Esses conselhos espec璗icos me pareciam por demais simplistas, no fundo banais. Por幦, como aquilo parecia ser tudo o que ele tinha a dizer sobre o tema
por enquanto, n鏀 nos voltamos para outros t鏕icos.

Naquela noite, fui convidado a jantar na casa de alguns amigos tibetanos em Dharamsala. Meus amigos programaram uma noite que se revelou bastante animada. A refei誺o
estava excelente, com uma deslumbrante sele誽o de pratos especiais dentre os quais sobressa燰 o Mo Mos tibetano, um delicioso bolinho de carne. medida que o jantar
prosseguia, a conversa foi ficando mais alegre. Logo, os convidados estavam trocando relatos apimentados sobre as coisas mais embara蔞sas que fizeram quando estavam
alcoolizados. Havia diversos convidados na reuni緌, entre eles um conhecido casal da Alemanha; a mulher, arquiteta; o marido, escritor, autor de uma dia de livros.
Por me interessar por livros, abordei o escritor e comecei uma conversa. Fiz perguntas sobre sua obra. Suas respostas foram curtas e mec滱icas; sua atitude,
brusca e dis-

I o.>

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

Cante. Considerei-o bastante desagrad嫛el, atmesmo pre
tensioso, e antipatizei de imediato com ele. Bem, pelo me
,v os fiz uma tentativa de me relacionar com ele, disse a mim
mesmo a t癃ulo de consolo e, convencido de que se trata
va simplesmente de uma pessoa inamistosa, dediquei-me
a conversar com alguns dos convidados mais simp嫢icos.
No dia seguinte, dei com um amigo num cafno lugarejo e, enquanto tom嫛amos ch relatei os acontecimentos da noite anterior.
- Gostei de todo o mundo, menos do Rolf, aquele escritor... Ele me pareceu t緌 arrogante ou sei lo qu.. t緌 antip嫢ico.
- Eu o conhe蔞 hmuitos anos - disse meu amigo. Sei que essa a impress緌 que d mas sque ele um pouco t璥ido, um pouco fechado de in獳io. no
fundo uma pessoa maravilhosa se vocconheclo melhor... - Eu n緌 me convenci. Meu amigo continuou a explica誽o ...apesar de ter sucesso como escritor, ele foi
aquinhoado com mais dificuldades do que o normal na vida. Na realidade, sofreu muito. Sua fam璱ia suportou afli踥es tremendas nas m緌s dos nazistas durante a Segunda
Guerra Mundial. E ele tem dois filhos, aos quais muito dedicado, nascidos com um raro transtorno gen彋ico que os deixou com grave defici瘽cia tanto f疄ica quanto
mental. E em vez de se amargurar ou passar a vida no papel de m嫫tir, ele lidou com essas dificuldades estendendo a m緌 para os outros, e dedicou muitos anos ao
trabalho volunt嫫io com deficientes. mesmo uma pessoa muito especial se voco conhecer melhor.
O que acabou acontecendo foi que me encontrei novamente com Rolf e a mulher no final daquela semana,

103
A ARTE DA FELICIDADE

numa pequena pista que servia como aeroporto local. T璯hamos reserva para o mesmo v璺 atD幨i, que descobrimos ter sido cancelado. O pr闛imo v璺 para D幨i ssairia
daa alguns dias, e n鏀 resolvemos alugar um carro juntos para o extenuante percurso de dez horas. Os poucos fragmentos de informa誽o transmitidos pelo meu amigo
haviam mudado minha disposi誽o diante de Rolf; e na longa viagem atD幨i eu me senti mais aberto com ele. Em conseqncia disso, fiz um esfor蔞 para entabular conversa
com ele. A princ甑io, sua atitude continuou a mesma; mas scom um pouquinho de franqueza e persist瘽cia, logo descobri ser mais prov嫛el que sua insociabilidade
fosse devida timidez do que ao esnobismo, como meu amigo me dissera. Enquanto segu燰mos sacolejando pelo interior do norte da 璯dia, num calor sufocante, cada
vez mais imersos na conversa, ele se revelou um ser humano sens癉el e aut瘽tico al幦 de um intr廧ido companheiro de viagem.
Quando chegamos a D幨i, eu jhavia percebido que o conselho do Dalai-Lama para "compreender os antecedentes da pessoa" n緌 era t緌 elementar e superficial
quanto parecia a princ甑io. Talvez fosse simples, mas n緌 simplista. 龍 vezes o conselho mais b嫳ico e direto, daquele tipo que costumamos descartar, pela ingenuidade,
o que representa o meio mais eficaz de promover a comunicar緌.

Alguns dias mais tarde, eu ainda estava em D幨i, numa escala de dois dias antes de voltar para casa. O contraste com a tranqlidade de Dharamsala era gritante,
e eu estava de p廥simo humor. Al幦 da luta contra o calor escaldante, a

O CALOR HUMANO L: A COMPAIX鬃

polui誽o e a multid緌, as cal蓷das fervilhavam com uma esp嶰ie comum de predador urbano que se dedica aos golpes nas ruas. Enquanto caminhava pelas ruas abrasadoras
de D幨i, na qualidade de Ocidental, de Estrangeiro, de Alvo, abordado por meia dia de espertalh髊s a cada quarteir緌, eu tinha a impress緌 de estar com a palavra
"OT糠IO" tatuada na testa. Era uma desmoraliza誽o.
Naquele dia, canum golpe comum aplicado por dois indiv獮uos. Um salpicou tinta vermelha nos meus sapatos sem que eu percebesse. Mais adiante, seu comparsa,
um engraxate de ar inocente, chamou minha aten誽o para a tinta e se ofereceu para engraxar meus sapatos pelo pre蔞 normal. Em minutos, engraxou os sapatos com per獳ia.
Ao terminar, pediu com grande tranqlidade um valor exagerado - equivalente ao sal嫫io de dois meses de muitos moradores de D幨i. Quando refuguei, ele alegou que
aquele era o pre蔞 que havia pedido. Voltei a questionar o valor, e o garoto come蔞u a gritar, aos berros de que eu me estava recusando a pagar por servi蔞s jprestados,
o que atraiu um monte de gente. Mais tarde naquele dia eu soube que esse um golpe comum. O menino engraxate faz um esc滱dalo de prop鏀ito, atraindo uma multid緌,
com a inten誽o de extorquir dinheiro dos turistas pelo embara蔞 causado e pelo desejo de evitar uma situa誽o daquelas.
Naquela tarde, almocei com uma colega no hotel. Os acontecimentos da parte da manhforam esquecidos rapidamente medida que ela me fazia perguntas sobre
minha recente s廨ie de entrevistas com o Dalai-Lama. Mergulhamos numa conversa sobre as id嶯as do Dalai-Lama a respeito da empada e da import滱cia de adotar a perspectiva
da

105
A ARTE DA FELICIDADE

outra pessoa. Depois do almo蔞, entramos num t嫞i para ir visitar amigos nossos. Quando o t嫞i saiu, meus pensamentos voltaram para o golpe do engraxate daquela
manhe, enquanto imagens sinistras agitavam minha mente, por acaso meu olhar passou pelo tax璥etro.
- Pare o t嫞i - berrei. Minha amiga deu um pulo de susto com minha sita explos緌. O motorista fez cara de poucos amigos para mim pelo espelho retrovisor,
mas seguiu em frente.
- Pare o carro! - exigi, a voz agora tr瘱ula, com um tra蔞 de histeria. Minha amiga estava chocada. O t嫞i parou. Apontei furioso para o tax璥etro. - Voc
n緌 zerou o tax璥etro! Jestava marcando mais de vinte rupias quando sa璥os!
- Desculpe, senhor - disse ele, com uma indiferen蓷 sem 滱imo, que me enfureceu ainda mais. - Eu me esqueci de zerar... Vou come蓷r de novo do zero...
- N緌 vai recome蓷r nada! - disse eu, descontrolado. - Estou cheio dessas suas corridas fraudadas, desses trajetos em c甏culos, de voc瘰 fazerem o poss癉el
para arrancar dinheiro das pessoas... Estou... simplesmente... saturado! Eu espumava, enfurecido, com uma veem瘽cia de quem se julga superior. Minha amiga estava
envergonhada. O motorista apenas olhava para mim com aquela mesma express緌 desafiadora encontrada com maior freqncia entre as vacas sagradas que sa燰m a passear
no meio do tr滱sito de uma rua movimentada de D幨i e paravam, com o intuito subversivo de provocar um congestionamento. Ele me olhava como se minha explos緌 fosse
apenas cansativa e entediante. Joguei algumas rupias no banco da frente e, sem

O CALOR HUMANO E A COMPAIX霓

maiores coment嫫ios, abri a porta do carro para minha amiga e saltei atr嫳 dela.
Em alguns minutos, chamamos outro t嫞i e jest嫛aMos novamente a caminho. Sque eu n緌 conseguia deixar o assunto para l Enquanto segu燰mos pelas ruas
de ~D幨i, eu continuava a me queixar de como "todo o mundo" em D幨i estava a fim de enganar turistas e de como n鏀 n緌 pass嫛amos de "patos". Minha companheira ouvia
em sil瘽cio enquanto eu reclamava e esbravejava.
- Ora, vinte rupias s緌 suns vinte e cinco centavos de d鏊ar - disse ela, afinal. - Qual o motivo para tanta irrita誽o?
Eu espumava de indigna誽o, certo de estar com a raz緌.
- Mas o que importa o princ甑io! - protestei. - Seja como for, n緌 sei como vocpode ter tanta calma diante de toda essa hist鏎ia, quando isso acontece
o tempo todo. Isso n緌 a perturba?
- Bem - respondeu ela, devagar -, por um instante, perturbou, mas comecei a pensar sobre aquilo que est嫛amos comentando durante o almo蔞, sobre o que o
DalaiLama disse a respeito de como importante ver as situa踥es a partir da perspectiva do outro. Enquanto vocficava cada vez mais nervoso, eu procurava pensar
no que eu poderia ter em comum com aquele motorista de t嫞i. N鏀 dois queremos comer bem, dormir bem, queremos nos sentir bem, ser amados e assim por diante. Depois,
tentei me imaginar como o motorista de t嫞i. Fico o dia inteiro sentado num t嫞i sufocante sem ar-condicionado, talvez eu tenha raiva ou inveja dos estrangeiros
ricos... e a melhor forma que tenho para tentar tornar as coisas mais "justas",
A ARTE DA FELICIDADE

para ser feliz, criar modos de enganar as pessoas tirando-lhes dinheiro. A quest緌 que, mesmo quando funciona e eu consigo algumas rupias a mais de um turista
ing瘽uo, n緌 consigo imaginar que esse seja um jeito muito satisfat鏎io de ser mais feliz ou que essa seja uma vida muito satisfat鏎ia... Seja como for, quanto mais
eu me imaginava na pele do motorista do t嫞i, de algum modo menos raiva eu sentia dele. Sua vida simplesmente parecia triste... Quer dizer, ainda n緌 concordo com
o que ele fez e creio que agimos certo ao saltar do t嫞i, mas simplesmente n緌 consegui me perturbar a ponto de odilo por esse motivo...
Fiquei em sil瘽cio. Perplexo, na realidade, com o pouco que eu de fato havia absorvido dos ensinamentos do Dalai-Lama. 默uela altura, eu estava come蓷ndo
a estimar o valor pr嫢ico dos seus conselhos, como por exemplo o de "compreender os antecedentes do outro" e, naturalmente, eu considerava uma inspira誽o seus exemplos
de como implementava esses princ甑ios na pr鏕ria vida. Por幦, enquanto repassava nossa s廨ie de conversas, com in獳io no Arizona e que agora continuavam na 璯dia,
percebi que desde 'o in獳io nossas entrevistas adotavam um tom cl璯ico, como se eu lhe estivesse fazendo perguntas sobre a anatomia humana, sque nesse caso era
a anatomia da mente e do esp甏ito do ser humano. Ataquele momento, entretanto, de algum modo ainda n緌 me havia ocorrido aplicar suas id嶯as plenamente minha
pr鏕ria vida, pelo menos n緌 naquele 釗ato momento. Eu sempre tinha uma vaga inten誽o de tentar implementar suas id嶯as na minha vida em algum ponto no futuro, talvez
quando eu dispusesse de mais tempo.

loa

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

O EXAME DA BASE DE SUSTENTAЫO
DE UM RELACIONAMENTO

Minhas conversas com o Dalai-Lama no Arizona haviam come蓷do com uma discuss緌 das origens da felicidade. E, apesar de ele ter escolhido viver a vida como
monge, estudos jrevelaram que o casamento um fato que pode, com efeito, gerar a felicidade - proporcionando a intimidade e os la蔞s firmes que promovem a sae
e a satisfa誽o geral com a vida. Houve milhares de pesquisas realizadas com americanos e com europeus que provam que, em geral, as pessoas casadas s緌 mais felizes
e mais satisfeitas com a vida do que os solteiros ou vios - ou especialmente em compara誽o com divorciados ou separados. Uma pesquisa descobriu que seis em cada
dez americanos que classificam seu casamento como "muito feliz" tamb幦 classificam sua vida no todo como "muito feliz". Ao examinar o t鏕ico dos relacionamentos
humanos, considerei importante levantar a quest緌 dessa fonte comum de felicidade.
Minutos antes de uma entrevista marcada com o Dalai-Lama, eu estava sentado com um amigo num p嫢io do hotel em Tucson, tomando um refrigerante. Quando mencionei
os t鏕icos do romantismo e do casamento, que pretendia trazer baila na entrevista, meu amigo e eu logo come蓷mos a nos queixar da vida de solteiro. Enquanto convers嫛amos,
um casal jovem de apar瘽cia saud嫛el, talvez jogadores de golfe, que estavam ali passando f廨ias felizes no auge da esta誽o de turismo, sentou-se a uma mesa pr闛ima.
Seu casamento aparentava jter uma certa dura誽o

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A ARTE DA FELICIDADE

- talvez n緌 estivessem mais em lua-de-mel, mas ainda eram jovens e sem dida apaixonados. Deve ser bom, pensei.
Mal estavam sentados e come蓷ram a implicar um com

0 outro.

- ...eu lhe disse que 燰mos nos atrasar! - disse a mulher em tom 塶ido de acusa誽o, com a voz surpreendentemente rouca, a aspereza de cordas vocais curtidas
em anos de cigarro e 嫮cool. - Agora mal temos tempo para comer. N緌 posso nem saborear a comida!
- ... se vocn緌 tivesse demorado tanto para se aprontar... - retrucou o homem automaticamente, em tom mais baixo, mas com cada s璱aba carregada de irrita誽o
e hostilidade.
- Eu estava pronta hmeia hora. Foi vocquem teve de acabar de ler o jornal... - foi a r廧lica.
E assim prosseguiu a conversa. Sem tr嶲ua. Como disse Eur甑ides, o dramaturgo grego, "Casem-se, e pode dar certo. Mas, quando um casamento fracassa, os esposos
vivem um inferno em casa."
A discuss緌, que ia se acirrando rapidamente, encerrou de vez com nossas lamenta踥es quanto vida de solteiro. Meu amigo srevirou os olhos e citou uma
frase de Seinfeld.
- mesmo! Quero me casar logo logo!

Apenas momentos antes, eu tinha a inten誽o de iniciar nossa sess緌 com um pedido de que o Dalai-Lama desse sua opini緌 sobre as alegrias e as vantagens do romantismo
e do casamento. Em vez disso, entrei na su癃e e, quase antes de me sentar, jlhe fiz uma pergunta.

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

"i~ . - Por que o senhor sup髊 que seja t緌 freqnte o
' ento de conflitos nos casamentos?
. - Quando se trata de conflitos, natural que o assun'ta seja muito complexo - explicou o Dalai-Lama. - Pode haver o envolvimento de muitos fatores. Portanto,
quan-

dv nos dedicamos a tentar entender problemas de relacio'rtamentos, o primeiro est墔io nesse processo envolve uma reflex緌 ponderada sobre a natureza e a base de
sustenta誽o daquele relacionamento.
"Portanto, antes de mais nada, preciso reconhecer que htipos diferentes de relacionamentos e compreender as diferen蓷s entre eles. Por exemplo, se deixarmos
de lado por um instante a quest緌 do casamento, mesmo entre as amizades comuns, podemos reconhecer a exist瘽cia de tipos diferentes de amizades. Algumas s緌 baseadas
na riqueza, no poder ou na posi誽o. Nesses casos, sua amizade continua desde que sua riqueza, poder ou posi誽o se mantenha. Uma vez que esses motivos n緌 mais existam,
a amizade tamb幦 come蓷 a desaparecer. Por outro lado, existe outro tipo de amizade. Amizades que n緌 se baseiam em considera踥es de riqueza, poder e posi誽o mas,
sim, no verdadeiro sentimento humano, um sentimento de proximidade no qual huma no誽o de compartilhamento e sintonia. Esse tipo de amizade o que eu chamaria
de amizade genu璯a porque ela n緌 seria afetada pela situa誽o da riqueza, poder ou posi誽o do indiv獮uo, quer ela estivesse em ascens緌, quer estivesse em decl璯io.
O fator que sustenta uma amizade verdadeira um sentimento de afeto. Se faltar isso, n緌 serposs癉el sustentar uma amizade real. Naturalmente, jmencionamos
A ARTE DA FELICIDADE

mas quando a pessoa estcome蓷ndo a enfrentar imas de relacionamento, costuma ser il simplesmen.ar um passo atr嫳 e refletir sobre a base daquele relacionamento.
"Da mesma forma, quando algu幦 estcome蓷ndo a enfrentar problemas com o marido ou com a mulher, pode ser il examinar a base de sustenta誽o do relacionamento.
Por exemplo, encontram-se com freqncia relacionamentos que dependem muito da atra誽o sexual imediata. Quando um casal acabou de se conhecer; de se ver somente
algumas vezes, eles podem estar loucamente apaixonados e muito felizes", disse ele, rindo, "mas qualquer decis緌 relativa a casamento tomada naquele instante seria
muito duvidosa. Da mesma forma que uma pessoa pode, em certo sentido, enlouquecer com a for蓷 da raiva ou do 鏚io, tamb幦 poss癉el que um indiv獮uo, em certo sentido,
perca a raz緌 em decorr瘽cia da for蓷 da paix緌 ou do desejo. E 跴 vezes ainda seria poss癉el encontrar situa踥es nas quais um indiv獮uo poderia dizer que seu namorado
ou sua namorada no fundo n緌 uma boa pessoa, n緌 uma pessoa generosa, mas que, ainda assim, sente atra誽o por ele ou por ela. Portanto, um relacionamento que
tem como base essa atra誽o inicial muito pouco confi嫛el, muito inst嫛el, porque muito baseado em fen獽enos ef瘱eros. Essa sensa誽o tem vida muito curta; e depois
de algum tempo desaparece." Ele estalou os dedos. "Logo, n緌 deveria causar grande surpresa, se esse tipo de relacionamento come蓷r a naufragar e se um casamento
baseado nisso apresentar dificuldades... Mas qual sua

opini緌?"

i,

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

eu teria de concordar com o senhor quanto a isso. Parece que em qualquer relacionamento, mesmo nos mais apaixonados, o 璥peto inicial acaba esfriando.
Algumas pesquisas revelaram que as pessoas que consideram o romantismo e a paix緌 iniciais essenciais ao relacionamento podem acabar decepcionadas ou divorciadas.
Uma psic鏊oga social, Ellen Berscheid, da University of Minnesota, creio eu, examinou essa quest緌 e concluiu que a incapacidade de admitir a limita誽o da vida il
do amor apaixonado pode condenar um relacionamento. Para ela e seus colaboradores, o aumento no 璯dice de div鏎cios ao longo dos timos vinte anos estem parte
associado maior import滱cia que as pessoas atribuem a fortes experi瘽cias emocionais positivas na sua vida... experi瘽cias como 0

amor rom滱tico. Um problema, por幦, que esse tipo de experi瘽cia pode ser muito dif獳il de manter por um longo per甐do...
- Isso me parece muito verdadeiro - disse ele. - Portanto, quando lidamos com problemas de relacionamentos podemos entender a tremenda import滱cia do exame
e compreens緌 da natureza de, sustenta誽o do relaciona-

mento.

"Ora, embora alguns relacionamentos tenham como base uma atra誽o sexual imediata, podem ainda existir outros tipos de relacionamentos nos quais a pessoa,
com a mente tranqla, perceba que em termos f疄icos, em termos de apar瘽cia, o namorado ou namorada pode n緌 ser t緌 atraente, mas que ele ou ela no fundo uma
pessoa doce, generosa, de bom cora誽o. Um relacionamento que se constr鏙 com esse alicerce forma um la蔞 mais duradouro, por

113
tA ARTE DA FELICIDADE

existir um tipo de' comunica誽o genu璯a num n癉el muito humano e pessoal entre os parceiros..."
O Dalai-Lamas fez uma breve pausa, como se estivesse refletindo sobre a quest緌, antes de prosseguir.
- Naturalmente, eu deveria esclarecer que se pode ter um relacionamento bom e saud嫛el que tenha a atra誽o sexual como um componente. Fica aparente, portanto,
que pode haver dois tipos principais de relacionamentos baseados na atra誽o sexual. Um tipo tem como base o puro desejo sexual. Nesse caso, o motivo ou o impulso
por tr嫳 do v璯culo realmente apenas a satisfa誽o moment滱ea, a gratifica誽o imediata. Nesse tipo de relacionamento, os indiv獮uos est緌 se relacionando mutuamente
n緌 tanto como pessoas mas couto objetos. Esse tipo de relacionamento n緌 muito s鏊ido. Se o relacionamento for baseado exclusivamente nc desejo sexual, sem um
componente de respeito muo, ele passa a ser quase igual prostitui誽o,

na qual nenhum dos lados sente respeito pelo outro. Um relacionamento constru獮o essencialmente de desejo sexual como uma casa constru獮a sobre um alicerce de
gelo. Quando o gelo derreter, a constru誽o desmorona.
"Existe, entretanto, um segundo tipo de relacionamento que tamb幦 tem como base a atra誽o sexual, mas no qual a atra誽o a疄ica n緌 a base primordial da
rela誽o. Nesse segundo tipo, huma sensa誽o impl獳ita do valor da outra pessoa, com base na percep誽o de que o outro ge-

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

de relacionamento, crucial passar tempo suficiente para que cada um conhe蓷 o outro num sentido aut瘽tico, que conhe蓷 as caracter疄ticas essenciais um do outro.
"Por isso, quando meus amigos me fazem perguntas
sobre seu casamento, eu geralmente quero saber hquanto tempo se conhecem. Se disserem alguns meses, eu costumo comentar que muito pouco tempo. Se disserem alguns
anos, parece melhor. Agora, eles n緌 conhecem somente o rosto ou a apar瘽cia um do outro mas, creio eu, a natureza mais profunda da outra pessoa..."
- Isso meio parecido com a cita誽o de Mark Twain de que "nenhum homem ou mulher sabe realmente o que o amor perfeito enquanto n緌 tiver completado vinte
e cinco anos de casado..."
- verdade... - assentiu o Dalai-Lama. - Por isso, acho que muitos problemas ocorrem simplesmente por causa da falta de tempo para as pessoas se conhecerem.
Seja como for, creio que quando se estprocurando construir um relacionamento verdadeiramente satisfat鏎io, a melhor forma de concretizar isso consiste em conhecer
a natureza mais profunda da pessoa e relacionar-se com ela nesse n癉el, em vez de meramente com base em caracter疄ticas superficiais. E nesse tipo de relacionamento
hespa蔞 para a verdadeira compaix緌.
"Ora, jouvi muitas pessoas alegarem que seu casamento tem um significado mais profundo do que o de um mero relacionamento sexual, que o casamento envolve
o
A ARTE DA FELICIDADE

reta sobre a qual um relacionamento deveria ser constru獮o. Um relacionamento s鏊ido deveria incluir uma no誽o de responsabilidade e compromisso muo. Naturalmente,
o contato f疄ico, a rela誽o sexual normal ou adequada entre um casal, pode proporcionar uma certa satisfa誽o que poderia ter um efeito tranqlizador na mente de
cada um. Em tima an嫮ise, por幦, em termos biol鏬icos, o principal objetivo de um relacionamento sexual a reprodu誽o. E para realizar esse objetivo com 瞡ito,
preciso que haja uma no誽o de dedica誽o prole, para que eles possam sobreviver e crescer. Logo, crucial desenvolver uma capacidade para a responsabilidade
e a dedica誽o. Sem ela, o relacionamento proporciona uma satisfa諘o apenas tempor嫫ia. suma brincadeira." Ele riu: uma risada que parecia estar impregnada de
assombro diante da amplitude do comportamento humano.

RELACIONAMENTOS BASEADOS NO ROMANTISMO

Parecia estranho conversar sobre sexo e casamento com um homem, agora com mais de sessenta anos de ida-

de, que havia sido celibat嫫io a vida inteira. Ele n緌 aparentava ser avesso a conversas sobre essas quest髊s, mas havia um certo distanciamento nos seus coment嫫ios.
Ao refletir sobre nossa conversa mais tarde naquela noite, ocorreu-me que airada havia um importante componente dos relacionamentos que n緌 hav燰mos coberto,
e eu senti curiosidade por saber seu enfoque sobre o assunto. Toquei nele no dia seguinte.

O CALOR HUMANO E A, COMPAIX鬃

- Ontem analisamos os relacionamentos e a import滱
cia de basear um relacionamento 璯timo ou um casamen
to `m algo mais do que sexo - comecei. - Na cultura oci
d~ -ital, por幦, n緌 apenas o atc~, sexual f疄ico, mas toda
a 13嶯a do romantismo, a id嶯a d.e apaixonar-se, de estar
pr'臂ndamente apaixonado pelo parceiro, que vista como
alto altamente desej嫛el. Nos filmes, na literatura e na cul
tua popular, huma esp嶰ie de exalta誽o desse tipo de
aior rom滱tico. O que o senhor acha disso?
O Dalai-Lama respondeu senl hesitar.
- Creio que, deixando-se de lado o modo como a intevel busca do amor rom滱tico pode afetar nossa evolus緌 espiritual mais profunda, I-nesmo a partir da perspネtiva
de um modo de vida convencional, pode-se consNerar a idealiza誽o desse tipo cie amor rom滱tico como urna manifesta誽o extrema. Ao contr嫫io daqueles relacion`:mentos
baseados no afeto verdadeiro e carinhoso, essa e uma quest緌 diferente. N緌 se pode vlo como algo p5sitivo - disse ele, com firmeza. _ algo inating癉el, bas蓷do
na fantasia e que pode, Portanto, ser uma fonte de frustra誽o. Por isso, por essa avalia誽o, ele n緌 pode ser chnsiderado um fator positivo.
Havia um toque categ鏎ico no tom do Dalai-Lama que transmitia a id嶯a de que ele n緌 tinha mais nada a dizer shbre o assunto. Dada a tremenda 瘽fase que
nossa socied墂e confere ao romantismo, pareceu-me que ele estava descartando a sedu誽o do amor rom滱tico sem a devida aten誽o. Levando-se em considhra誽o a forma誽o
monacal do Dalai-Lama, supus que ele n緌 avaliasse plenamen-

t as alegrias do amor rom滱tico e imaginei que fazer-lhe
A ARTE DA FELICIDADE

mais perguntas sobre quest髊s relacionadas a esse aspecto seria t緌 il quanto pedir-lhe que viesse ato estacionamento para dar uma olhada num problema que eu
estava tendo para lagar meu carro. Ligeiramente decepcionado, remexi minhas anota踥es por uns instantes e passei para outros t鏕icos.

que que torna o amor rom滱tico t緌 sedutor? Quando se examina essa pergunta, conclui-se que Eros- o amor rom滱tico, sexual, apaixonado -, o 瞡tase supremo,
um poderoso coquetel de ingredientes culturais, biol鏬icos e psicol鏬icos. Na cultura ocidental, a id嶯a do amor rom滱tico vicejou ao longo dos timos duzentos
anos sob a influ瘽cia do Romantismo, movimento que contribuiu muito para moldar nossa percep誽o do mundo. O Romantismo surgiu como uma rejei誽o ao S嶰ulo das Luzes,
com sua 瘽fase na raz緌 humana. O novo movimento exaltava a intui誽o, a emo誽o, o sentimento e a paix緌. Salientava a import滱cia dmundo sensorial, a experi瘽cia
subjetiva do indiv獮uo e tinha uma inclina誽o pelo mundo da imagina誽o, da fantasia, pela busca de um mundo que n緌 existe um passado idealizado ou um futuro ut鏕ico.
Essa id嶯a exerceu profundo impacto n緌 sna arte e na literatura, mas tamb幦 na pol癃ica e em todos os aspectos do desenvolvimento da cultura ocidental moderna.

O elemento mais irresist癉el na nossa busca pelo amor rom滱tico a sensa誽o do apaixonar-se. For蓷s poderosas atuam Para nos levar a procurar essa sensa誽o,
muito mais do que a mera glorifica誽o do amor rom滱tico que

118

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

captamos da nossa cultura. Muitos pesquisadores acreditam que essas for蓷s est緌 programadas nos nossos genes desde o nascimento. A emo誽o do apaixonar-se, invariavelmente
confundida com uma sensa誽o de atra誽o sexual, pode ser um componente instintivo, geneticamente determinado, do comportamento reprodutivo. De uma perspectiva evolutiva,
a principal fun誽o do organismo a de sobreviver, procriar e assegurar a sobreviv瘽cia da esp嶰ie. portanto, do maior interesse da esp嶰ie que sejamos programados
para nos apaixonar. Isso sem dida aumenta a probabilidade da c鏕ula e da reprodu誽o. Assim, temos mecanismos embutidos para ajudar a fazer com que isso aconte蓷.
Em resposta a certos est璥ulos, nosso c廨ebro produz e bombeia para o sistema produtos qu璥icos que criam uma sensa誽o de euforia, o "barato" associado a estar apaixonado.
E enquanto nosso c廨ebro estimerso nesses produtos qu璥icos, a sensa誽o nos domina a tal ponto que 跴 vezes nada mais parece existir.
As for蓷s psicol鏬icas que nos impelem a procurar a sensa誽o de estar apaixonado s緌 t緌 irresist癉eis quanto as for蓷s biol鏬icas. No Banquete de Plat緌,
S鏂rates conta a hist鏎ia do mito de Arist鏹anes, que tratava da origem do amor sexual. De acordo com esse mito, os primeiros habitantes da Terra eram criaturas
redondas, com quatro m緌s e quatro p廥, cujas costas e lados formavam um c甏culo. Esses seres assexuados e aut獼omos eram muito arrogantes e atacavam repetidamente
os deuses. Para puni-los, Zeus lan蔞u raios sobre eles e os partiu ao meio. Cada criatura era agora duas, e cada metade ansiava por se fundir com a outra metade.

II9
A ARTE DA FELICIDADE

Eros, o impulso pelo amor rom滱tico, apaixonado, pode ser visto como esse antigo desejo de fus緌 com a outra metade. Parece ser uma necessidade humana universal
e inconsciente. O sentimento envolve uma sensa誽o de uni緌 com o outro, de desaparecimento de limites, de tornar-se um com o ser amado. Psic鏊ogos chamam esse estado
de colapso das fronteiras do ego. Alguns s緌 da opini緌 de que esse processo estenraizado nas nossas experi瘽cias mais remotas, uma tentativa inconsciente de recriar
a experi瘽cia que tivemos quando 廨amos beb瘰, um estado primordial no qual o bebestem completa fus緌 com a m綣 ou com a pessoa encarregada de cuidar dele.
Evid瘽cias sugerem que os beb瘰 rec幦-nascidos n緌 distinguem entre si mesmos e o resto do universo. N緌 t瘱 nenhuma no誽o de identidade pessoal, ou no m璯imo
sua identidade abrange a m綣, outras pessoas e todos os objetos do ambiente. Eles n緌 sabem onde terminam e onde o "outro" come蓷. Falta-lhes o que se conhece como
"const滱cia" do objeto: os objetos n緌 possuem nenhuma exist瘽cia independente. Se n緌 est緌 interagindo com um objeto, ele n緌 existe. Por exemplo, se um bebest
segurando um chocalho, ele reconhece o chocalho como parte de si mesmo. E, se o chocalho for levado e permanecer fora do seu campo visual, deixarde existir.
No momento do nascimento, os circuitos el彋ricos do c廨ebro ainda n緌 est緌 plenamente "configurados"; mas, medida que o bebvai crescendo e o c廨ebro
amadurece, a intera誽o do bebcom o mundo passa a ser mais sofisticada; e, aos poucos, o bebalcan蓷 uma no誽o de identidade pessoal, de um "eu" em oposi誽o ao
"outro". Conco-

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

mitantemente, desenvolve-se uma sensa誽o de isolamento; e com o tempo a crian蓷 adquire uma conscientiza誽o das suas pr鏕rias limita踥es. Naturalmente a forma誽o
da identidade continua a se desenvolver ao longo da inf滱cia e adolesc瘽cia medida que a crian蓷 entra em contato com o mundo. A no誽o que as pessoas t瘱 de quem
s緌 decorre da revela誽o de representa踥es interiores, formadas em grande parte por reflexos das suas primeiras intera踥es com as pessoas importantes nas suas vidas
e por reflexos do seu papel na sociedade em geral. Aos poucos, a estrutura intraps甒uica e da identidade pessoal passa a ser mais complexa.
No entanto, alguma parte de n鏀 pode ainda procurar regredir a um estado anterior da exist瘽cia, um estado de beatitude no qual n緌 hnenhum sentimento
de isolamento, nenhum sentimento de separa誽o. Muitos psic鏊ogos contempor滱eos consideram que a experi瘽cia inicial de "unidade" fica incorporada ao nosso inconsciente
e que na idade adulta ela permeia nossas fantasias inconscientes e 璯timas. Eles acreditam que a fus緌 com o ser amado quando estamos "apaixonados" repete a experi瘽cia
da fus緌 com a m綣 na tenra inf滱cia. Ela recria aquela sensa誽o m墔ica, uma sensa誽o de onipot瘽cia, como se tudo fosse poss癉el. Uma sensa誽o dessas dif獳il
de ser superada.
N緌 surpreende, portanto, que a busca pelo amor rom滱tico seja t緌 intensa. Qual ent緌 o problema? E por que o Dalai-Lama afirma com tanta facilidade que
a busca pelo amor rom滱tico negativa?
Examinei a quest緌 de basear um relacionamento no amor rom滱tico, de procurar refio no romance como

121
A ARTE DA FELICIDADE

fonte de felicidade. Ocorreu-me a hist鏎ia de David, um ex-paciente meu. David, um arquiteto paisagista de 34 anos, apresentou-se inicialmente no meu consult鏎io
com sintomas cl嫳sicos de uma grave depress緌 cl璯ica. Ele explicou que a depress緌 poderia ter sido detonada por alguns estresses sem grande import滱cia associados
ao trabalho, mas "principalmente ela sapareceu". Conversamos sobre a op誽o de uma medica誽o antidepressiva, qual ele demonstrou ser favor嫛el, e implementamos
um per甐do experimental com um antidepressivo comum. O medicamento provou-se muito eficaz: em tr瘰 semanas, os sintomas agudos melhoraram, e o paciente jestava
de volta rotina normal. Quando estudei sua hist鏎ia, por幦, n緌 demorei para perceber que, al幦 da depress緌 aguda, ele tamb幦 sofria de distimia, uma forma mais
insidiosa de depress緌 cr獼ica menor que se manifestava havia muitos anos. Depois que se recuperou da depress緌 aguda, come蓷mos a examinar sua hist鏎ia pessoal,
preparando uma base que nos ajudasse a compreender a din滵ica psicol鏬ica interior que pode ter contribu獮o para seus muitos anos de distimia.
Depois de apenas algumas sess髊s, David entrou um dia no consult鏎io de excelente humor.
- Estou me sentindo 鏒imo! - anunciou. - Hanos que n緌 me sinto t緌 bem!
Minha rea誽o a essa not獳ia maravilhosa foi a de fazer uma avalia誽o imediata da possibilidade de que ele estivesse passando para a fase man燰ca de um transtorno
de humor. Por幦, n緌 era esse o caso.
- Estou apaixonado - disse-me ele. - Na semana passada eu a conheci numa licita誽o da qual estou participando.

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O CALOR HUMANO E A COMPAIX叢

a mulher mais linda que jvi... Sa璥os quase todas as noites desta semana; e, eu n緌 sei, mas como se f盭semos almas g瘱eas. Perfeitos um para o outro. Simplesmente
n緌 consigo acreditar! N緌 saio com ningu幦 hdois ou tr瘰 anos; e estava chegando ao ponto em que imaginava que nunca mais ia conhecer ningu幦. De repente, ela
apareceu.
David passou a maior parte da sess緌 enumerando todas as extraordin嫫ias qualidades da nova namorada.
- Acho que somos perfeitos um para o outro sob todos os aspectos. Tamb幦 n緌 uma quest緌 ssexual. N鏀 nos interessamos pelas mesmas coisas; e espantoso
como pensamos de modo semelhante. claro que estou sendo realista e me dou conta de que ningu幦 perfeito... Como na outra noite, fiquei ligeiramente perturbado
porque achei que ela estava flertando um pouco com uns caras numa boate onde est嫛amos... mas n鏀 dois t璯hamos bebido muito, e ela estava sbrincando. Conversamos
depois, e tudo ficou esclarecido.
David voltou na semana seguinte para me informar sua decis緌 de abandonar a terapia.
- Tudo estt緌 fant嫳tico na minha vida que simplesmente n緌 consigo ver nenhum assunto sobre o qual falar em terapia - explicou ele. - Minha depress緌
passou. Estou dormindo como um anjo. No trabalho estou de novo me saindo muito bem; e estou num relacionamento maravilhoso que sparece melhorar cada vez mais.
Acho que nossas sess髊s me foram eis, mas neste exato momento n緌 vejo por que gastar dinheiro em terapia se n緌 hnada a ser trabalhado.
Eu lhe disse que estava feliz com o fato de ele estar se saindo t緌 bem, mas relembrei algumas quest髊s fami-

123
A ARTE DA FELICIDADE

liares que t璯hamos come蓷do a detectar que podiam ter levado sua hist鏎ia de distimia cr獼ica. Todo esse tempo, alguns termos psiqui嫢ricos comuns, como "resist瘽cia"
e "defesas" come蓷ram a me ocorrer. Ele n緌 se convenceu.
- Bem, esses podem ser assuntos que eu poderia querer investigar um dia - disse ele -, mas no fundo acho que tinha muito a ver com a solid緌, uma sensa誽o
de que faltava algu幦, uma pessoa especial com quem eu pudesse compartilhar a vida, e agora encontrei essa pessoa.
Estava irredut癉el na determina誽o de encerrar a terapia naquele dia. Tomamos as medidas necess嫫ias para que seu m嶮ico de fam璱ia acompanhasse suas prescri踥es
de medicamentos, passamos a sess緌 com uma resenha e fechamento do tratamento e minhas timas palavras foram para lhe assegurar de que minha porta estava aberta
para ele a qualquer hora.
Alguns meses mais tarde, David voltou ao meu consult鏎io.
- Ando me sentindo p廥simo - disse ele, em tom desanimado. - Da tima vez que vim vlo, tudo ia t緌 bem. Eu realmente achava que tinha encontrado minha
parceira ideal. Cheguei a falar em casamento com ela. Mas parecia que, quanto mais proximidade eu queria, mais ela se afastava. Finalmente, ela terminou comigo.
Depois disso, fiquei realmente deprimido por umas duas semanas. Cheguei atmesmo a come蓷r a ligar para ela e desligar, spara ouvir sua voz; e a passar de carro
pelo seu local de trabalho spara ver se seu carro estava l Depois de um m瘰, mais ou menos, cansei-me de fazer isso... era simples-

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O CALOR HUMANO E .X COMPAIX鬃

mente rid獳ulo... e pelo menos meus sintomas de depress緌 melhoraram. Quer dizer, estou comendo e dormindo bem, ainda tenho um bom desempenho no trabalho, bastante
energia e tudo o mais, mas ainda tenho a sensa誽o de que uma parte de mim estfaltando. como se eu estivesse de volta ao ponto de partida, com a mesma sensa誽o
que tive durante anos...
Retomamos a terapia.

Parece claro que, como fonte de felicidade, o romance deixa muito a desejar. Talvez o Dalai-Lama n緌 estivesse t緌 equivocado ao rejeitar a no誽o do romance como
base para um relacionamento e ao descrever o romance meramente como "uma fantasia... inxing癉el", algo que n緌 digno dos nossos esfor蔞s. Pensando bem, talvez
ele estivesse descrevendo em termos objetivos a natureza do romance em vez de estar emitindo Lm julgamento negativo de valor, contaminado por seus anos de forma誽o
monacal. Mesmo uma fonte objetiva de refer瘽cia, como o dicion嫫io, que cont幦 bem mais de uma dizia de defini踥es para "romance" e "rom滱tico", apresente uma grande
quantidade de express髊s tais como "hist鏎iafict獳ia", "exagero", "mentira", "fantasioso ou criativo", "n緌 pr嫢ico", "desprovido de base em fatos", "caracter疄tica
de namoro ou rela踥es sexuais idealizadas" e assim por diante. Parece que em algum ponto do percurso da civilza誺o ocidental, ocorreu uma mudan蓷. O antigo conceib
de Eros, com seu sentido subjacente de tornar-se um, le fus緌 com o outro, assumiu um novo significado. O ranance adquiriu uma qua-

12s
A ARTE DA FELICIDADE

lidade artificial, com toques de fraude e de engano, a qualidade que levou 嫳pera observa誽o de Oscar Wilde: "Quando apaixonada, a pessoa sempre come蓷 enganando
a si mesma e sempre termina enganando os outros. isso 0 que o mundo chama de romance."
Exploramos anteriormente o papel da proximidade e da intimidade como importante componente da felicidade humana. N緌 hdidas a respeito. No entanto, se
estivermos em busca de uma satisfa誽o duradoura num relacionamento, os alicerces desse relacionamento precisam ser s鏊idos. por esse motivo que o Dalai-Lama nos
incentiva a examinar a base de sustenta誽o de um relacionamento, caso descubramos estar numa rela誽o que deu errado. A atra誽o sexual, ou mesmo a forte sensa誽o
de apaixonar-se, pode ter seu papel na forma誽o do la蔞 inicial entre duas pessoas, para atraIas; mas como uma boa cola ep闛i, aquele agente aglutinante inicial
precisa ser misturado a outros ingredientes para que possa endurecer e resultar numa liga誽o duradoura. Ao identificar esses outros ingredientes, n鏀 nos voltamos
mais uma vez para a abordagem do Dalai-Lama quanto forma誽o de um relacionamento forte - basear nosso relacionamento nas qualidades de afeto, compaix緌 e respeito
muo como seres humanos. Basear um relacionamento nessas qualidades permite que efetivemos um v璯culo profundo e significativo n緌 scom nosso namorado ou c獼juge,
mas tamb幦 com amigos, conhecidos ou estranhos - praticamente com todos os seres humanos. Essa atitude abre possibilidades e oportunidades ilimitadas para a forma誽o
de la蔞s.

Cap癃ulo 7

O VALOR E OS BENEF沊IOS
DA COMPAIX鬃

UMA DEFINIЫO DA COMPAIX鬃

A medido que nossas conversas prosseguiam, descobri que o desenvolvimento da compaix緌 desempenha um papel muito maior na vida do Dalai-Lama do que o de um mero
meio para cultivar um sentimento de carinho e afeto, um meio para aperfei蔞ar nosso relacionamento com os outros. Na realidade, tornou-se claro que, como praticante
do budismo, o desenvolvimento da compaix緌 era parte integrmte do seu caminho espiritual.
- Dada a import滱cia que o budismo atribui compaix緌 como parte essencial do desenvolvimento espiri-
A ARTE DA FELICIDADE

tual da pessoa - perguntei -, o senhor poderia definir com maior clareza o que quer dizer com o termo "compaix緌"?
- A compaix緌 pode ser definida aproximadamente em termos de um estado mental que n緌 violento, n緌 prejudicial e n緌 agressivo - respondeu o Dalai-Lama.
- uma atitude mental baseada no desejo de que os outros se livrem do seu sofrimento, e estassociada a uma sensa誽o de compromisso, responsabilidade e respeito
para com o outro.
"Quando se examina a defini誽o de compaix緌, da palavra Tse-wa em tibetano, essa palavra tamb幦 apresenta um sentido de se tratar de um estado mental que
inclui um desejo de coisas positivas para a pr鏕ria pessoa. Ao desenvolver a compaix緌, talvez pud廥semos come蓷r pelo desejo de que n鏀 mesmos fic嫳semos livres
do sofrimento, para ent緌 torrear esse sentimento natural voltado para n鏀 mesmos, cultivlo, aprimorlo e amplilo de modo a que inclu疄se os outros e se aplicasse
a eles.
"Ora, quando as pessoas falam de compaix緌, creio que costuma haver um perigo de confundir a compaix緌 com o apego. Por isso, quando estudamos a compaix緌,
devermos primeiro tra蓷r uma distin誽o entre dois tipos de amor ou compaix緌. Um tipo de compaix緌 tem um qude apego - o sentimento de controlar algu幦, ou de
amar algu幦 para que essa pessoa retribua nosso amor. Esse tipo comum de amor ou compaix緌 totalmente parcial e tendencioso. E um relacionamento que se baseie
exclusivamente nisso inst嫛el. Esse tipo de relacionamento parcial, que tem por base a percep誽o e identifica誽o da pessoa coreto amiga, pode levar a um certo
apego emocional e a um sentimento de intimidade. No entanto, se hou-

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

ver uma mudan蓷 璯fima na situa誽o, talvez uma desaven蓷, ou se o amigo fizer algo que nos deixe furiosos, de repente nossa proje誽o mental muda e o conceito de
"meu amigo" jn緌 estmais ali. E assim descobrimos que o ~pego emocional se evapora. Em vez daquele sentimento
yu w de amor e interesse pelo outro, podemos ter um sentimento de 鏚io. Logo, esse tipo de amor, que tem por base o apego, pode estar intimamente associado
ao 鏚io.
"Existe, por幦, um outro tipo de compaix緌 que desprovido desse apego. a compaix緌 verdadeira. Esse tipo de compaix緌 n緌 se baseia tanto no fato de
que essa pessoa ou aquela me cara. Pelo contr嫫io, a verdadeira compaix緌 tem por base o racioc璯io de que todo ser humano tem um desejo inato de ser feliz e de
superar o sofrimento, exatamente como eu. E, exatamente como eu, eles t瘱 o direito natural de realizar essa aspira誽o fundamental. Com base no reconhecimento dessa
igualdade e dessa caracter疄tica comum, a pessoa desenvolve uma no誽o de afinidade e intimidade com os outros. Com esse tipo de fundamento, pode-se sentir compaix緌,
independentemente de se encarar a pessoa como amiga ou como inimiga. Ele se ap鏙a nos direitos fundamentais do outro, em vez de na nossa proje誽o mental. A partir
dele, portanto, geramos amor e compaix緌. Essa a verdadeira compaix緌.
"Pode-se ver, portanto, como pode ser importante na nossa rotina di嫫ia distinguir bem entre esses dois tipos de compaix緌 e cultivar a verdadeira. No casamento,
por exemplo, normalmente hum componente de apego emocional. Por幦, creio que, se houver tamb幦 um componente de compaix緌 verdadeira, baseada no respeito muo
entre
A ARTE DA FELICIDADE

dois seres humanos, o casamento tende a durar muito. No caso do apego emocional sem compaix緌, o casamento mais inst嫛el e costuma terminar mais r嫚ido."
A id嶯a de desenvolver um tipo diferente de compaix緌, uma compaix緌 mais universal, uma esp嶰ie de compaix緌 gen廨ica dissociada do sentimento pessoal,
parecia algo inating癉el. Como se estivesse pensando em voz alta, fiz uma pergunta enquanto remoia a quest緌 no meu 璯timo.
- Mas o amor, ou a compaix緌, um sentimento subjetivo. Parece que o tom ou a sensa誽o emocional do amor ou da compaix緌 seria o mesmo se tivesse "um qu
de apego" ou se fosse "verdadeiro". Ora, se a pessoa vivencia a mesma emo誽o ou sentimento nos dois tipos, por que importante distinguir entre os dois?
O Dalai-Lama respondeu num tom resoluto.
- Para come蓷r, creio que huma qualidade diferente entre o sentimento do amor verdadeiro, ou da compaix緌 verdadeira, e o amor baseado no apego. N緌 se
trata do mesmo sentimento. O sentimento da verdadeira compaix緌 muito mais forte, muito mais amplo; e tem uma qualidade muito profunda. Da mesma forma, a compaix緌
e o amor verdadeiros s緌 muito mais est嫛eis, mais confi嫛eis. Por exemplo, quando vemos um animal em intenso sofrimento, como um peixe se contorcendo com um anzol
na boca, poder燰mos espontaneamente experimentar uma sensa誽o de incapacidade de suportar sua dor. Esse sentimento n緌 baseado numa liga誽o especial com aquele
animal em particular, uma sensa誽o de "Ai, esse bichi-
nho meu amigo". Nesse caso, estamos baseando nossa
compaix緌 simplesmente no fato de que essa criatura tam-

O CALOR ~MANO E A COMPAIX鬃

A b幦 provida dde sensa誽誽o, de que ela pode sofrer dor e de '~ que tem o direitco de n緌 D sofrer essa dor. Portanto, esse tipo ~: de compaix緌, que n緌 o est
associado ao desejo ou ao " lego, muito mais s鏊iolido e mais dur嫛el a longo prazo.
.. Aprofundamdo-me murais no tema da compaix緌, pros-

segui.
- Bem, no seu exemmplo de ver um peixe no intenso sofrimento de testar comm um anzol na boca, o senhor levanta uma quest緌 de vitaital import滱cia... o de
estar associado a um sentirmento de incapacidade de suportar sua dor.
- - dissfe o Dalaiai-Lama. - Na realidade, em certo sentido poder燰amos defi>Finir a compaix緌 como a sensa誽o de incapacidadde de supoortar o sofrimento
de outra pessoa, de outro ser sernciente. E E para gerar esse sentimento, preciso primeiro avaliar a ggravidade ou intensidade do sofrimento do outrco. Por issco,
creio que quanto mais se entenda o sofrimentio, bem ccomo os v嫫ios tipos de sofrimento aos quais somaos sujeitoos, tanto maior sernosso grau de compaix緌.
- Bem, aceto o fato) de que a maior conscientiza誽o do sofrimento do outro podde aumentar nossa capacidade para a compaix緌. Com efeito, por defini誽o,
a compaix緌 envolve o abrir-se lpara o sohfrimento do outro. O compartilhamento do sofrimento dolo outro. H por幦, uma quest緌 mais essencial.. Por que ir燰mos
querer assumir o sofrimento do outro qmando n緌 ~ queremos nem o nosso? Quer dizer, a maioria de n鏀 faz enormes esfor蔞s para evitar nossa pr鏕ria dor ou so>frimento,
s atmesmo ao ponto de ingerir drogas e assim por diante.. Por que ent緌 ir燰mos deliberadamente assumir o sofrimfento de outra pessoa? - indaguei.
A ARTE DA FELICIDADE

O Dalai-Lama respondeu sem hesita誽o.
- Creio haver uma diferen蓷 significativa entre nosso pr鏕rio sofrimento e o sofrimento que poder燰mos experimentar num estado de compaix緌, no qual assumimos
sobre nossos ombros o sofrimento de terceiros: uma diferen蓷 qualitativa. _ Ele fez uma pausa e ent緌, como se estivesse mirancb meus pr鏕rios sentimentos naquele
instante, sem nenhum esfor蔞, prosseguiu. - Quando pensamos no nosso R鏕rio sofrimento, existe uma sensa誽o de que estamos totaimente dominados. Huma sensa誽o
de estarmos sobrecarregados, de estarmos oprimidos por alguma coisa. Uma 'ensa誽o de desamparo. Ocorre um entorpecimento, quase como se nossas faculdades estivessem
embotadas.
"Ora, ao gerar a compaix緌, quando se estassumindo a dor de outra pessoa, pode-se tamb幦 de in獳io vivenciar um certo grau de desconforto, uma sensa誽o
de constrangimento ou de incapacidade de suportar a situa誽o. Entretanto, no (-aso da compaix緌, o sentimento muito diferente: subjahente sensa誽o de constrangimento
existe um grau muito alto de aten誽o e determina誽o porque a pessoa estde modo volunt嫫io e deliberado aceitando o sofrimento dc:), outro por um objetivo maior.
Existe un sentimento de liga誽o e compromisso, uma disposi誽o a e~tender a m緌 a<~js outros, uma sensa誽o de energia em ver de entorpecimento. Isso semelhante
ao caso de um atleta. Enquanto se submete a treinos rigorosos, o atleta pode sofrer muito: fazendo gin嫳tica, suando, esfor蓷ndo-se. Crev que essa seja uk-na experi瘽cia
muito dolorosa e extenuante. Jo atleta rl緌 a considera uma experi瘽cia dolorosa.

132

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

Ele a encara como uma grande realiza誽o, uma experi瘽cia associada a uma sensa誽o de alegria. Por幦, se a mesma pessoa fosse sujeita a algum outro esfor蔞 f疄ico
que n緌 fizesse parte do seu treinamento atl彋ico, ela poderia pensar `Ai, por que me fizeram passar por essa terr癉el tortura?' Portanto, a atitude mental faz uma
enorme diferen蓷."
Essas poucas palavras, proferidas com tanta convic誽o, me al蓷ram de uma sensa誽o de opress緌 para outra sensa誽o, a da possibilidade de resolu誽o do sofrimento,
de transcender o sofrimento.
- O senhor menciona que o primeiro passo para gerar esse tipo de compaix緌 uma avalia誽o do sofrimento. Serque existem outras t嶰nicas budistas espec璗icas
que sejam usadas para aprimorar nossa compaix緌?
- Existem. Por exemplo, na tradi誽o maaiana do budismo, encontramos duas t嶰nicas importantes para o cultivo da compaix緌. Elas s緌 conhecidas como o m彋odo
"de causa e efeito de sete pontos' e o "interc滵bio e igualdade da pessoa com os outros". O m彋odo do "interc滵bio e igualdade" a t嶰nica encontrada no oitavo
cap癃ulo do Guide to the Bodhisattva's Way ofLife [Guia para o modo de vida do Bodhisattva], de Shantideva. Mas - disse ele, dando um olhar de relance no rel鏬io
e percebendo que nosso tempo estava acabando - creio que vamos praticar alguns exerc獳ios ou medita踥es sobre a compaix緌 durante as palestras ao plico mais tarde
nesta semana.
Com isso, ele sorriu com carinho e se levantou para encerrar nossa sess緌.

133
134

A ARTE DA FELICIDADE

p gIkL VALOR DA VIDA HUMANA

Cc3ntinuanc? nosso estudo sobre a compaix緌, come
cei no >ssa conv~sa seguinte com este racioc璯io.
e
Bem, estic~mos falando sobre a import滱cia da compaix綷_) sobre su cren蓷 de que o afeto humano, o carinho,

a amizade e otros fatores s緌 condi踥es absolutamente neces,, s嫫ias para felicidade. Mas estou sme perguntan-
do. Suiponhamque um rico empres嫫io viesse ao senhor e lhe, dissesse. Vossa Santidade, o senhor diz que a com-
.
paix綷o e o cair humano s緌 cruciais para a felicidade.
Mas pior natur~-a eu simplesmente n緌 sou uma pessoa
morto carinho., ou afetuosa. Para ser franco, realmente
n緌 si ,into nenUma compaix緌 ou altru疄mo especial. Mi
nha tEend瘽cia ser uma pessoa bastante racional, pr嫢ica
e talvc ez inteleclal; e eu simplesmente n緌 sinto emo踥es
desse, tipo. M螚o assim, gosto da minha vida. Sinto-me
com mini vida como Tenho uma empresa de su
cesso ,)tenho aigos, sustento minha mulher e filhos e pa
re蔞 t ter um bn relacionamento com eles. Simplesmente
n緌 pine parec que esteja faltando nada. Desenvolver a
comppaix緌, o tru疄mo, o calor humano e assim por dian
te pai rrece boninas para mim qual a finalidade? Parece
t緌 pi
piegas..."
- Em priro lugar - respondeu o Dalai-Lama -, se
uma I pessoa desse essas palavras, eu ainda teria didas
quant -ito a essaessoa ser realmente feliz no fundo. Acre
dito ` sinceramlte que a compaix緌 proporciona a base
para ~ a sobreviwcia humana, o verdadeiro valor da vida hu
mana sa, e que,~m ela, falta uma pe蓷 essencial. Uma pro-

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

funda sensibilidade aos sentimentos dos outros um elemento do amor e da compaix緌; e, sem ela, por exemplo, creio que haveria problemas na capacidade desse homem
de se relacionar com sua mulher. Se a pessoa de fato tivesse essa atitude de indiferen蓷 diante dos sentimentos e do sofrimento alheio, mesmo que se tratasse de
um bilion嫫io, mesmo que ele tivesse boa forma誽o acad瘱ica, n緌 tivesse nenhum problema com a fam璱ia ou os filhos, vivesse cercado de amigos, outros empres嫫ios
ricos, pol癃icos e chefes de governos, apesar de tudo isso creio que o efeito de todos esses aspectos positivos permaneceria na superf獳ie.
"No entanto, se ele continuasse a sustentar que n緌 sentia compaix緌 e que, mesmo assim, n緌 sentia falta de nada... ent緌 poderia ser um pouco dif獳il ajudlo
a entender a import滱cia da compaix緌..."
O Dalai-Lama parou de falar por um instante para refletir. Suas pausas intermitentes, que ocorriam em todas as nossas conversas, n緌 pareciam criar um sil瘽cio
constrangedor. Pelo contr嫫io, eram como uma for蓷 gravitacional, que conferia maior peso e significado 跴 suas palavras quando a conversa era retomada.
- Por幦, mesmo que fosse esse o caso, halguns pontos que eu poderia salientar. Para come蓷r, eu poderia sugerir que ele refletisse sobre sua pr鏕ria experi瘽cia.
Ele pode compreender que, se algu幦 o trata com compaix緌 e afeto, isso faz com que ele se sinta feliz. Portanto, com base nessa experi瘽cia, seria il que ele
percebesse que os outros tamb幦 se sentem bem quando recebem algum calor humano e compaix緌. Logo, reconhecer esse
A ARTE DA FELICIDADE

fato poderia desenvolver nele um maior r espe ito pela sensibilidade emocional dos outros e tornlio mais propenso a dar compaix緌 e calor humano. Ao miesm0 tempo,
ele descobriria que, quanto mais se dcalor hLimar,,o aos outros, mais se recebe. Acho que ele n緌 levaria muito tempo para se dar conta disso. E, conseqnternerltatL,
esse passa a ser o alicerce da amizade e confian蓷 muas.
"Agora, suponha que esse homem tesse todos esses bens materiais, que tivesse muito sucesso na vida, que vivesse cercado de amigos, que tivesse seguran蓷
em termos financeiros e assim por diante. Creio atmesmo ser poss癉el que sua fam璱ia e seus filhos pudessem se relacionar com ele e sentir uma esp嶰ie de contentanCiento
por ser ele bem-sucedido e eles terem bastante dlinhere uma vida confort嫛el. Creio ser conceb癉el que" atcerto ponto, mesmo sem sentir afeto e calor humano,
ele possa n緌 experimentar a sensa誽o de que lhe falta algo No entanto, se ele considerasse que tudo estperfeito, que realmente n緌 existe nenhuma necessidade
verd:adeira para desenvolver a compaix緌, eu diria que essa ~opin罾o decorre da ignor滱cia e da falta de vis緌. Mesmo que pare蓷 que os outros se relacionam com
ele plenamente, tia realidade, o que acontece que grande parte do relacionamento ou intera誽o das pessoas com ele se baseia na percep誽o que t瘱 dele como um manancial
de sucesso e prosperidade. Elas podem ser influenciadas por sua riqueza e poder, e criar la蔞s com esses aspectos em vez de com a pessoa em si. Logo, em certo sentido,
emboras n緌 recebam afeto e calor humano dele, elas podem estar satisfeitas. Pode ser que n緌 esperem mais do que isso. Mias o que acontece
O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

que, se sua fortuna se reduzisse, essa base para o relacionamento sairia enfraquecida. Ele ent緌 come蓷ria a ver o efeito de n緌 dispor do calor humano, e passaria
de imediato a sofrer.
"Entretanto, se as pessoas t瘱 compaix緌, naturalmente isso algo com que podem contar. Mesmo que enfrentem problemas econ獽icos e que sua fortuna venha
a minguar, elas ainda t瘱 algo a compartilhar com outros seres humanos. As economias mundiais s緌 sempre t緌 fr墔eis, e n鏀 estamos sujeitos a tantas perdas na vida,
mas uma atitude norteada pela compaix緌 algo que sempre podemos trazer conosco."
Um auxiliar em vestes de cor marrom-avermelhada entrou no aposento e serviu o chem sil瘽cio enquanto 0 Dalai-Lama prosseguia.
- Naturalmente, ao tentar explicar para algu幦 a import滱cia da compaix緌, em alguns casos pode-se estar lidando com uma pessoa muito ego疄ta, individualista
e embrutecida, algu幦 que se preocupa apenas com seus pr鏕rios interesses. E atposs癉el que haja pessoas desprovidas da capacidade de sentir empada mesmo por
algu幦 que amem ou que lhes seja chegado. No entanto, mesmo a essas pessoas, ainda poss癉el apresentar a import滱cia da compaix緌 e do amor com base no fato de
ser esse o melhor meio para a realiza誽o dos seus interesses pessoais. Essas pessoas desejam ter sae, ter uma vida mais longa, ter paz de esp甏ito, felicidade
e alegria. E, se for isso o que desejam, jouvi falar de comprova誽o cient璗ica de que esses aspectos podem ser promovidos por sentimentos de amor e compaix緌...
Mas, na qualidade de m嶮ico, de psi-

13
A ARTE DA FELICIDADE

quiatra, talvez voctenha maior conhecimento dessas afirma踥es cient璗icas.
- verdade - concordei. - Creio que hprovas cient璗icas que corroboram especificamente as hip鏒eses sobre as vantagens f疄icas e emocionais dos estados
mentais dominados pela compaix緌.
- Por isso, a meu ver, informar algu幦 sobre esses fatos e estudos cient璗icos poderia sem dida estimular algumas pessoas a cultivar mais compaix緌 nos
seus estados mentais... - comentou o Dalai-Lama. - Creio por幦 que, mesmo fora do 滵bito desses estudos cient璗icos, existem outros argumentos que as pessoas poderiam
entender e apreciar a partir da sua pr鏕ria experi瘽cia pr嫢ica ou direta de rotina. Por exemplo, poder燰mos salientar que a falta de compaix緌 gera uma certa desumanidade.
S緌 muitos os exemplos indicadores de que, em algum n癉el profundo, as pessoas desumanas geralmente sofrem de uma esp嶰ie de infelicidade e insatisfa誽o, pessoas
como Stalin e Hitler. Essas pessoas s緌 atormentadas por uma constante sensa誽o de inseguran蓷 e medo. Mesmo quando est緌 dormindo, creio que essa sensa誽o de medo
persiste... Tudo isso poderia ser muito dif獳il para algumas pessoas entenderem, mas uma afirma誽o que se pode fazer que falta a essas pessoas algo que se pode
encontrar numa pessoa mais provida de compaix緌: uma sensa誽o de liberdade, de abandono, para que ao dormir a pessoa possa relaxar e se soltar. As pessoas cru嶯s
nunca t瘱 essa experi瘽cia. Est緌 sempre nas garras de alguma coisa, algum tipo de influ瘽cia que as domina, e elas n緌 conseguem experimentar aquela sensa誽o de
se soltar, aquela no誽o de liberdade.

138

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

Ele parou por um instante, co蓷ndo distra獮o a cabe蓷, antes de prosseguir.
- Embora eu esteja apenas especulando, imagino que, se pergunt嫳semos a algumas dessas pessoas desumanas se haviam sido mais felizes durante a inf滱cia,
quando recebiam os cuidados da m綣 e tinham maior intimidade com a fam璱ia, ou eram mais felizes agora que dispunham de maior poder, influ瘽cia e posi誽o, creio
que elas diriam que sua juventude foi mais agrad嫛el. Creio que atmesmo Stalin foi amado pela m綣 na inf滱cia.
- Ao falar em Stalin - comentei -, o senhor ao meu ver acertou num exemplo perfeito do que estdizendo, das conseqncias da vida sem compaix緌. de conhecimento
geral que as duas principais caracter疄ticas da sua personalidade eram sua crueldade e sua desconfian蓷. De fato, ele considerava a crueldade uma virtude e mudou
seu nome de Djugashvili para Stalirn que quer dizer "homem de a蔞". E medida que sua v獮a avan蓷va e sua crueldade aumentava, mais desconfiado ele se tornava.
Sua desconfian蓷 era lend嫫ia. Seu temer e sua suspeita dos outros acabaram levando a enormes expurgos e campanhas contra v嫫ios grupos de pessoas no seu pa疄, o
que resultou na deten誽o e execu誽o de riiilh髊s. No entanto, ele ainda assim continuava a ver inimigos por toda parte. N緌 muito tempo antes de morrer, ele disse
a Nikita Khrutchev que n緌 confiava em ningu幦, nem em si mesmo. No final, voltou-se atmesmo contra os elementos mais fi嶯s da sua equipe. E, naturalmente, quanto
mais desumano e poderoso ele se tornava, maior era sua infelicidade. Um amigo disse que por timo o ico tra蔞 humano que lhe resta-

-0

139
A ARTE DA FELICIDADE

va era a infelicidade. E sua filha Svetlana descreveu como ele era atormentado pela solid緌 e por um vazio interior, e como chegou ao ponto em que n緌 mais acreditava
que as pessoas fossem capazes de uma aut瘽tica sinceridade ou bondade.
"Seja como for, sei que seria muito dif獳il entender pessoas como Stalin e compreender por que elas cometeram os atos horr癉eis que cometeram. Mas um dos
pontos sobre os quais estamos falando que mesmo esses exemplos extremos de pessoas impiedosas poderiam recordar com nostalgia alguns dos aspectos mais agrad嫛eis
da sua inf滱cia, como por exemplo o amor que receberam da m綣. Nesse caso, como ficam as ineras pessoas que n緌 tiveram uma inf滱cia agrad嫛el nem m綣 amorosa?
Crian蓷s que sofreram abusos e outros problemas? Ora, estamos estudando o t鏕ico da compaix緌. Para que as pessoas desenvolvam a capacidade para a compaix緌, o senhor
n緌 acha necess嫫io que elas sejam criadas por pais ou respons嫛eis que demonstrassem calor humano e afeto?"
- acho que isso importante. - Ele fez uma pausa, passando automaticamente as contas entre os dedos, com destreza, enquanto refletia. - Algumas pessoas,
desde o in獳io, sofreram muito e n緌 dispuseram do afeto do outro, de modo que, mais tarde na vida, elas quase d緌 a impress緌 de n緌 terem nenhum sentimento humano,
nenhuma capacidade para a compaix緌 e para o afeto, pessoas brutais e insens癉eis... - O Dalai-Lama fez mais uma pausa e, por alguns instantes, pareceu ponderar
com afinco sobre a quest緌. Enquanto se debru蓷va sobre o ch atmesmo o contorno dos seus ombros sugeria que ele estava em

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

profunda reflex緌. N緌 demonstrou nenhuma inclina誽o a continuar de imediato, por幦, e n鏀 tomamos nosso chem sil瘽cio. Afinal, deu de ombros, como que reconhecendo
que n緌 dispunha da solu誽o.
- O senhor acha, ent緌, que as t嶰nicas para promover a empada e desenvolver a compaix緌 n緌 seriam eis para pessoas com esse tipo de hist鏎ia problem嫢ica?
- Sempre hgraus diferentes de como a pessoa poderia se beneficiar a partir da pr嫢ica de v嫫ios m彋odos e t嶰nicas, dependendo das circunst滱cias espec璗icas
de cada um - explicou ele. - Tamb幦 poss癉el que em certos casos essas t嶰nicas n緌 surtam absolutamente nenhum efeito...
- E as t嶰nicas espec璗icas para promover a compaix緌 跴 quais o senhor se refere s緌...? - interrompi, procurando um esclarecimento maior.
- Exatamente essas sobre as quais estivemos falando. Para come蓷r, atrav廥 do aprendizado, atrav廥 do entendimento do valor da compaix緌. Isso nos proporciona
convic誽o e determina誽o. Em seguida, atrav廥 de m彋odos de promo誽o da empada, como por exemplo o recurso imagina誽o, criatividade, para nos visualizarmos na
situa誽o do outro. E mais adiante, nesta semana, nas palestras ao plico, vamos examinar certos exerc獳ios ou pr嫢icas que podem ser adotados, como por exemplo
a pr嫢ica de TongLen, que serve para refor蓷r nossa compaix緌. Creio por幦 ser importante lembrar que essas t嶰nicas, como a pr嫢ica de Tong-Len, foram desenvolvidas
para ajudar o maior nero poss癉el de pessoas, pelo menos uma faixa da popula誽o humana. Mas nunca se esperou que essas t嶰nicas pudessem ajudar a totalidade das
pessoas, toda a humanidade.
A ARTE DA FELICIDADE

"O ponto principal na realidade que... se estamos fal:~indo sobre v嫫ios m彋odos para desenvolver a compaix緌... o mais importante que a pessoa fa蓷
um esfor蔞 sincero para desenvolver sua capacidade para a compaix緌. O grau ato qual elas realmente conseguir緌 cultivar a compal-x跢 depende de tantas vari嫛eis.
Quem poderia dizer? Nlas, se dedicarem seus melhores esfor蔞s a uma benevol瘽cia maior, a cultivar a compaix緌 e a tornar o mundo um lugar melhor, no final do dia
elas poder緌 dizer, `Pelo merios, fiz o que pude!"'

OS BENEF沊IOS DA COMPAIX鬃

Nos timos anos, houve muitos estudos que corroboram a id嶯a de que o desenvolvimento da compaix緌 e do altru疄mo tem um impacto positivo sobre nossa sae
f疄ica e emocional. Num experimento bem conhecido, por exemi)lo, David McClelland, um psic鏊ogo na Harvard University, mostrou a um grupo de alunos um filme de Madre
Teresa trabalhando entre os pobres e os doentes de Calcut Os estudantes relataram que o filme estimulou sentimentos de compaix緌. Depois, ele analisou a saliva
dos glutlos e descobriu um aumento na imunoglobulina-A, um gnticorpo que pode ajudar a combater infec踥es respirat鏎ias. Em outro estudo realizado por James House
no Research Center da University of Michigan, os pesquisadores conclu甏am que a dedica誽o regular ao trabalho volunt嫫io, em intera誽o com os outros com calor humano
e compaix緌, aumentava tremendamente a expectativa de vida,

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

e provavelmente tamb幦 a vitalidade geral. Muitos outros pesquisadores no novo campo da medicina da mente-corpo demonstraram conclus髊s semelhantes, que documentavam
que estados mentais positivos podem beneficiar a sae f疄ica.
Al幦 dos efeitos ben嶨icos sobre nossa sae f疄ica, hprovas de que a compaix緌 e o comportamento interessado contribuem para a boa sae emocional. Estudos
revelaram que estender a m緌 para ajudar os outros pode induzir um sentimento de felicidade, uma tranqlidade mental maior e menos depress緌. Num estudo de trinta
anos com um grupo de diplomados de Harvard, o pesquisador George Vaillant concluiu, com efeito, que adotar um estilo de vida altru疄ta um componente cr癃ico para
a boa sae mental. Outra pesquisa, realizada por Alan Luks entre alguns milhares de pessoas que estavam envolvidas regularmente em atividades volunt嫫ias de aux璱io
a terceiros, revelou que mais de 90% desses volunt嫫ios relatavam um tipo de "barato" associado atividade, caracterizado por uma sensa誽o de calor humano, mais
energia e uma esp嶰ie de euforia. Elas tamb幦 tinham uma n癃ida sensa誽o de tranqlidade e de maior autovaloriza誽o em seguida atividade. N緌 era sque esses
comportamentos de dedica誽o proporcionassem uma intera誽o ben嶨ica em termos emocionais; concluiu-se tamb幦 que essa "tranqlidade dos que ajudam" estava associada
ao al癉io de uma variedade de transtornos f疄icos relacionados ao estresse.
Embora as provas cient璗icas ratifiquem nitidamente a posi誽o do Dalai-Lama quanto ao valor pr嫢ico e muito real da compaix緌, n緌 preciso contar apenas
com experimen-
A ARTE DA FELICIDADE

tos e peesquisas para confirmar a veracidade dessa opini緌. Podemos descobrir os fortes la蔞s entre os cuidados, a compaix緌 , e a felicidade pessoal na nossa pr鏕ria
vida e na das pesssoas que nos cercam. Joseph, um empreiteiro de sessenta anos de idade, que conheci halguns anos, um bom ex;emplo desse ponto. Durante trinta
anos, Joseph fez sucesso sem muito esfor蔞, aproveitando o crescimento aparent.temente ilimitado do setor da constru誽o no Arizona, parra tornar-se multimilion嫫io.
No final da d嶰ada de 1980, por幦, ocorreu a maior derrocada do mercado imobili嫫io> na hist鏎ia do Arizona. Joseph estava em posi誽o muito ,alavancada e perdeu
tudo. Acabou tendo de declarar fal瘽cia. Seus problemas financeiros geraram uma press緌 sorbre seu casamento, que acabou em div鏎cio depois de vinlte e cinco anos
de uni緌. N緌 surpreendeu que Josephi tivesse dificuldade para aceitar tudo isso. Come蔞u a bebes r muito. Felizmente, conseguiu com o tempo abandonar a bebida,
com a ajuda dos AA. Como parte do seu Programa nos AA, ele passou a ser padrinho e a ajudar outros > alco鏊atras a permanecer s鏏rios. Ele descobriu que gostav,,a
do papel de padrinho, de estender a m緌 para ajudam os outros, e come蔞u a se oferecer como volunt嫫io tannb幦 em outras organiza踥es. P盭 em funcionamento seus
conhecimentos empresariais para auxiliar os menos priv骴eegiados em termos econ獽icos.
Agora tenho uma pequena empresa de reformas disse , ele, ao falar da sua vida atual. - Ela gera uma pequena rernda, mas jme dei conta de que nunca mais
vou ser t緌 rico quanto fui. O que engra蓷do que no fundo n緌 quem voltar a ter todo aquele dinheiro. Prefiro passar meu

1 - ', !

O CALOR HUMANO E A COMPAIX鬃

tempo em trabalhos volunt嫫ios para diversos grupos, trabalhando diretamente com as pessoas, prestando-lhes o melhor tipo de ajuda poss癉el. Atualmente, tenho mais
prazer num ico dia do que tinha num m瘰 inteiro, quando ganhava fortunas. Estou mais feliz do que em qualquer outra 廧oca da minha vida!

MEDITAЫO SOBRE A COMPAIX鬃

Como prometera durante nossas conversas, e cumprindo a palavra dada, o Dalai-Lama concluiu uma palestra ao plico no Arizona com uma medita誽o sobre a compaix緌.
Era um exerc獳io simples. No entanto, com vigor e eleg滱cia, ele pareceu resumir e cristalizar suas conversas anteriores sobre a compaix緌, transformando a medita誽o
num exerc獳io formal de cinco minutos, que era direto e objetivo.

- Ao gerar a compaix緌, iniciamos pelo reconhecimento de que n緌 queremos o sofrimento e de que temos um direito felicidade. Isso pode ser verificado e
legitimado pela nossa pr鏕ria experi瘽cia. Reconhecemos, ent緌, que outras pessoas, exatamente como n鏀, tamb幦 n緌 querem sofrer e t瘱 um direito felicidade.
Isso passa a ser a base para come蓷rmos a gerar a compaix緌.
"Vamos, portanto, meditar sobre a compaix緌 hoje. Cometem visualizando uma pessoa que esteja em extremo sofrimento, algu幦 que esteja sentindo dor ou que
esteja numa situa誽o muito aflitiva. Durante os tr瘰 primeiros

I4>
A ARTE DA FELICIDADE

minutos da medita誽o, reflitam sobre o sofrimento desse indiv獮uo com um enfoque mais anal癃ico... pensem no seu intenso sofrimento e no estado lament嫛el da exist瘽cia
dessa pessoa. Depois de pensar no sofrimento dessa pessoa por alguns minutos, em seguida, procurem associar tudo isso a voc瘰 mesmos, com o seguinte enfoque, `esse
indiv獮uo tem a mesma capacidade para vivenciar a dor, a alegria, a felicidade e o sofrimento que eu tenho'. Procurem ent緌 permitir que venha tona sua rea誽o
natural... um sentimento de compaix緌 por aquela pessoa. Procurem chegar a uma conclus緌: constatando como forte seu desejo de que essa pessoa se livre de tanto
sofrimento. E resolvam que ajudar緌 essa pessoa a encontrar al癉io. Para finalizar, concentrem sua mente de modo exclusivo naquele tipo de conclus緌 ou resolu誽o
e, durante os timos minutos da medita誽o, procurem produzir na sua mente um estado amoroso ou norteado pela compaix緌."

Com isso, o Dalai-Lama adotou uma postura de medita誽o de pernas cruzadas, permanecendo totalmente im镽el enquanto se dedicava medita誽o junto com a plat嶯a.
Sil瘽cio total. Havia, por幦, algo extremamente estimulante no fato de estar sentado naquela plat嶯a naquela manh Imagino que atmesmo o indiv獮uo mais calejado
n緌 poderia deixar de se comover quando estivesse cercado de 1.500 pessoas, cada uma delas mantendo na mente o pensamento da compaix緌. Depois de alguns minutos,
o DalaiLama come蔞u a entoar um c滱tico tibetano, com a voz grave, mel鏚ica, subindo e descendo suave em tons que tranqlizavam e confortavam.

Terceira Parte

A TRANSFORMAォO
DO SOFRIMENTO
Cap癃ulo 8

COMO ENCARAR O SOFRIMENTO

Na 廧oca do Buda, uma mulher chamada Kisagotami sofreu a morte do seu filho ico. Sem conseguir aceitar o fato, ela corria de um a outro, em busca de um
rem嶮io que restaurasse a vida da crian蓷. Dizia-se que o Buda teria esse medicamento.
Kisagotami foi ao Buda, fez-lhe rever瘽cia e apresentou seu pedido.
- O Buda pode fazer um rem嶮io que recupere meu filho?
- Sei da exist瘽cia desse rem嶮io - respondeu o Buda. - Mas para fazlo, preciso ter certos ingredientes.
- Quais s緌 os ingredientes necess嫫ios? - perguntou a mulher, aliviada.
- Traga-me um punhado de sementes de mostarda - disse o Buda. A mulher prometeu obter o ingrediente para ele; mas, quando ela estava saindo, o Buda acrescentou
um detalhe. - Exijo que
A ARTE DA FELICIDADE

a semente de mostarda seja retirada de uma casa na quual n緌 tenha havido morte de crian蓷, c獼juge, genitor ou criado. .
A mulher concordou e come蔞u a ir de casa en^n casa pro~cura da semente de mostarda. Em cada casa, as pessopas concordavam em lhe dar as sementes; mas,
quando ela lhes poerguntava se havia ocorrido alguma morte naquela resid瘽cia, n蝆o conseguiu encontrar uma casa que n緌 tivesse sido visitada pelaa morte. Uma filha
nessa aqui, um criado na outra, em outras um mnarido ou pa.i haviam morrido. Kisagotami n緌 conseguiu encontrasar um lar quer fosse imune ao sofrimento da morte.
Vendo que n緌) estava sna sua dor, a m綣 desapegou-se do corpo inerte do filhco e voltou a<:> Buda, que disse com enorme compaix緌:
- Vocachava que svoctinha perdido um fitilho. A lei da morte consiste em n緌 haver perman瘽cia entre todas as criaturas vivas.

A procura de Kisagotami ensinou-lhe que nimgu幦 vive sem estar exposto ao sofrimento e perda. Ela n緌 havia sido escolhida especificamente para aquaela terr癉el
desgra蓷. Essa constata誽o n緌 eliminou o inevi'it嫛el sofrimento que deriva da perda, mas sem dida reduziu o sofrimento resultante da revolta contra essa tristee
realidade da vida.
Embora a dor e o sofrimento sejam fen獽enos humanos universais, isso n緌 quer dizer que seja f塶il] a tarefa de aceitlos. Os seres humanos criaram um vastos
repert鏎io de estrat嶲ias para evitar a necessidade de passatr pelo sofrimento. 龍 vezes, recorremos a meios externos;, tais como produtos qu璥icos - amortecendo
e medicando nossa dar emocional com drogas ou 嫮cool. Dispomos ttamb幦 de

150

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

uma cole誽o de mecanismos internos - defesas psicol鏬icas, muitas vezes inconscientes, que nos protegem, impedindo que sintamos um excesso de angtia e dor emocional
quando deparamos com problemas. Ocasionalmente, esses mecanismos de defesa podem ser totalmente primitivos, como a simples recusa a admitir que exista um problema.
Outras vezes, podemos reconhecer vagamente que temos um problema, mas mergulhamos num milh緌 de distra踥es ou divertimentos para evitar pensar no assunto. ou poder燰mos,
ainda, recorrer proje誽o - incapazes de aceitar que temos um problema, projetamos a quest緌 inconscientemente nos outros e os culpamos pelo nosso sofrimento: "
estou p廥simo. Mas n緌 sou eu quem estcom o problema. outra pessoa. Se n緌 fosse aquele maldito chefe me atormentando o tempo todo [ou `meu s鏂io me ignorando'
ou...], tudo estaria bem."
O sofrimento somente pode ser evitado temporariamente. No entanto, como uma doen蓷 que se deixa sem tratamento (ou talvez que seja tratada superficialmente
com medicamentos que apenas mascaram os sintomas mas n緌 curam a condi誽o original), o mal invariavelmente supura e se agrava. A euforia causada pelas drogas ou
pelo 嫮cool sem dida alivia nossa dor por um tempo; mas, com ouso cont璯uo, os danos f疄icos que atingem nosso corpo e o dano social 跴 nossas vidas podem resultar
em sofrimento muito maior do que a insatisfa誽o difusa ou a aguda doer emocional que nos levaram a essas subst滱cias para come蓷r. As defesas psicol鏬icas internas,
como a nega誽o om a repress緌, podem atuar como um escudo e nos proteger da sensa誽o de dor por um per甐do um pouco maior,

Im
A ARTE DA FELICIDADE

mas mesmo assim elas n緌 fazem com que o sofrimento desapare蓷.
Randall perdeu o pai, com c滱cer, hpouco mais de um ano. Era muito amigo do pai, e na 廧oca todos ficaram surpresos ao ver como ele aceitou bem a morte.
- claro que estou triste - explicava ele, com estoicismo na voz. - Mas no fundo estou bem. Vou sentir falta dele, mas a vida continua. E seja corno for,
agora n緌 posso me concentrar na falta que ele me faz. Preciso organizar o enterro e me encarregar do esp鏊io para minha m綣... Mas vai dar tudo certo - dizia ele
a todos, em tom tranqlizador.
Um ano mais tarde, por幦, pouco depois de se completar um ano da morte do pai, Randall come蔞u a mergulhar em espiral numa grave depress緌.
- Simplesmente n緌 consigo entender o que estcausando essa depress緌 - explicou-me quando veio me ver. - Tudo parece estar indo bem neste exato momento.
N緌 pode ser a morte do meu pai. Ele morreu hmais de um ano, e eu jaceitei sua morte.
Com pouqu疄sima terapia, no entanto, tornou-se claro que, no esfor~o de manter as emo踥es sob rigoroso controle, a fim de `ser forte", ele nunca havia lidado
plenamente com seus sentimentos de perda e dor. Esses sentimentos continuaram a crescer atque finalmente se manifestaram como uma depress緌 arrasadora, qual
ele se viu for蓷do a dar aten誽o.
No caso de Randall, sua depress緌 desapareceu com bastante rapidez medida que concentramos a aten誽o na dor e nos sentimentos de perda, e que ele p瀺e
encarar e vivenciar sua dor plenamente. 龍 vezes, por幦, nossas es-

152

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

trat嶲ias inconscientes no sentido de evitar encarar nossos problemas s緌 mais arraigadas - s緌 mecanismos de defesa profundamente entranhados que podem se incorporar
nossa personalidade e que s緌 dif獳eis de extrair. A maioria de n鏀 tem um amigo, conhecido ou parente, por exemplo, que evita problemas projetando-os nos outros
e atribuindo a culpa a eles - acusando os outros de defeitos que, na realidade, pertencem a ele. Esse sem dida um m彋odo eficaz para eliminar problemas, e muitos
desses indiv獮uos est緌 condenados a toda uma vida de infelicidade enquanto continuarem seguindo esse padr緌 de comportamento.

0 Dalai-Lama explicou em detalhes sua abordagem ao sofrimento humano - uma abordagem que em tima an嫮ise inclui uma cren蓷 na possibilidade de nos libertarmos
do sofrimento, mas que parte da aceita誽o do sofrimento como um fato natural da exist瘽cia humana, aliada coragem de encarar nossos problemas de frente.

- No dia-a-dia da nossa vida, as situa踥es dif獳eis fatalmente ir緌 acontecer. Os maiores problemas na nossa vida s緌 aqueles que inevitavelmente somos for蓷dos
a enfrentar, como a velhice, a doen蓷 e a morte. Procurar evitar nossos problemas ou simplesmente n緌 pensar neles pode proporcionar um al癉io tempor嫫io, mas na
minha opini緌 huma abordagem melhor. Se enfrentarmos diretamente nosso sofrimento, estaremos em melhor posi誽o para apre-

153
A ARTE DA FELICIDADE

ciar a profundidade do problema e sua natureza. Na guerra, enquanto permanecermos na ignor滱cia do status e da capacidade b幨ica do inimigo, estaremos totalmente
despreparados e paralisados pelo medo. Por幦, se conhecermos a capacidade b幨ica do inimigo, que tipos de armas ele possui e assim por diante, nesse caso estaremos
em posi誽o muito melhor quando travarmos combate. Da mesma forma, se enfrentarmos nossos problemas em vez de evitlos, estaremos em melhor posi誽o para lidar com

eles.

Esse modo de enfocar nossos problemas era nitidamente razo嫛el, mas eu quis aprofundar um pouco mais a quest緌.
- mas e se enfrent嫳semos um problema de frente e descobr疄semos que n緌 hsolu誽o para ele? algo bem dif獳il de encarar.
- Mas ainda assim acho que melhor encarar essa realidade - respondeu ele, em tom marcial. - Por exemplo, poder燰mos considerar negativos e indesej嫛eis
aspecto como a velhice e a morte; e poder燰mos simplesmente ten-. tar nos esquecer da sua exist瘽cia. Mas com o tempo elegi acabam ocorrendo de qualquer modo. E
se estivemos evi._ tando pensar nesses acontecimentos, quando chegar o diem que ocorram, tudo vircomo um choque, causando uminsuport嫛el perturba誽o mental.
No entanto, se dedicarmos algum tempo a pensar na velhice, na morte e em outras tristezas, nossa mente estarmuito mais est嫛el quando elas surgirem, jque estaremos
familiarizados com esses pre_ blemas e tipos de sofrimento, e teremos previsto que ocoL-

reriam.

w=.

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

"por isso que acredito que possa ser il uma prerepara誽o antecipada atrav廥 da familiariza誽o com os tipos p de sofrimento que poder燰mos enfrentar.
Voltando a usar ~a analogia do combate, refletir sobre o sofrimento pode ser encarado como um exerc獳io militar. Pessoas que nunca ouviram falar em guerra, armas,
bombardeios e similares poderiam desmaiar se precisassem travar combate. No entanto, atrav廥 de treinamento militar, a mente poderia se familiarizar com o que pudesse
ocorrer; de modo que, se eclodisse uma guerra, n緌 seria t緌 dif獳il encarla."
- Bem, dpara entender como a familiariza誽o com os tipos de sofrimento que poder燰mos enfrentar teria algum ,valor na redu誽o do medo e da apreens緌, mas
ainda me parece que certos dilemas n緌 apresentam nenhuma op誽o al幦 da possibilidade do sofrimento. Como podemos evitar a preocupa誽o nessas circunst滱cias?
- Um dilema como o qu por exemplo?
Parei para refletir um pouco.

- Bem, digamos que uma mulher esteja gr嫛ida e que um exame do l甒uido amni鏒ico ou uma ultra-sonografia revele que a crian蓷 terum grave defeito de nascen蓷.
Descobrem que a crian蓷 teralguma defici瘽cia mental ou f疄ica de extrema gravidade. Portanto, '鏏vio que a mulher seja tomada pela ansiedade por n緌 saber o
que fazer. Ela pode resolver agir diante da situa誽o e fazer um aborto, para poupar o bebde toda uma vida de sofrimento; mas nesse caso ela pode passar por um
sentimento de enorme perda e dor; e talvez tenha outros sentimentos, como a culpa. Ou ainda, ela pode optar por deixar a natureza seguir seu curso e ter o beb
Nesse caso, por幦, ela pode ter
de encarar toda uma vida de dificuldades e sofrimento para

- Se abordamos esses problemas a partir da perspectiva ocidental ou da budista, esses tipos de dilema s緌 extremamente dif獳eis - respondeu ele, num tom
algo melanc鏊ico. - Nesse seu exemplo sobre a decis緌 de abortar o feto com um problema gen彋ico... ningu幦 sabe no fundo o que seria melhor a longo prazo. Mesmo
que uma crian蓷 nas蓷 com uma defici瘽cia, talvez a longo prazo isso seja melhor para a m綣, para a fam璱ia ou para a pr鏕ria crian蓷. Mas existe tamb幦 a possibilidade
de que, levando-se ern conta as conseqncias futuras, talvez fosse melhor abortar. Talvez essa solu誽o fosse mais positiva no final das contas. Enfim, quem decide?
muito dif獳il. Mesmo do ponto de vista do budismo, esse tipo de decis緌 fica al幦 da nossa capacidade racional. - Ele fez uma pausa e acrescentou. - Na minha opini緌,
por幦, a forma誽o e as cren蓷s da pessoa teriam um papel no modo pelo qual cada indiv獮uo poderia reagir a esse tipo de situa誽o complicada...
Ficamos algum tempo sentados ew sil瘽cio. Afinal ele falou, abanando a cabe蓷.
- Quando refletimos sobre os tipos de sofrimento aos quais estamos sujeitos, podemos nos preparar mentalmente para esses fatos com anteced瘽cia atcerto
ponto, relembrando-nos de que podemos deparar com esses tipos de dilema na nossa vida. Podemos, portanto, nos preparar em termos mentais. N緌 dever燰mos, entretanto,
ignorar o fato de que essa atitude n緌 ameniza a situa誽o. Ela pode nos ajudar a lidar mentalmente com a situa誽o, a reduzir

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

o medo e assim por diante, mas n緌 ameniza o problema em si. Por exemplo, se vai nascer uma crian蓷 com um defeito cong瘽ito, por mais que se tenha pensado sobre
isso com anteced瘽cia, ainda assim preciso descobrir uma forma de lidar com a situa誽o. E isso continua sendo dif獳il.
Enquanto ele dizia essas palavras, havia uma nota de tristeza na sua voz - mais do que uma nota, talvez um acorde. Mas a melodia que a acompanhava n緌 era
de desesperan蓷. Por um minuto inteiro, o Dalai-Lama permaneceu mais uma vez calado, olhando pela janela como se dali estivesse contemplando o mundo inteiro. Depois,
prosseguiu.
- N緌 hcomo evitar o fato de que o sofrimento faz parte da vida. E naturalmente temos uma tend瘽cia a n緌 apreciar nosso sofrimento e nossos problemas.
Creio, por幦, que em geral as pessoas n緌 consideram que a pr鏕ria natureza da nossa exist瘽cia seja caracterizada pelo sofrimento... - De repente, o Dalai-Lama
come蔞u a rir. Ou seja, no dia do nosso anivers嫫io as pessoas costumam dizer "Feliz anivers嫫io!", quando na realidade o dia do nosso nascimento foi o dia do nascimento
do sofrimento. Sque ningu幦 diz "Feliz dia-do-nascimento-do-sofrimento!" - comentou ele em tom de brincadeira.
- Ao aceitar que o sofrimento faz parte da nossa exist瘽cia di嫫ia, poder燰mos come蓷r pelo exame dos fatores que normalmente fazem surgir sentimentos de
insatisfa誽o e infelicidade mental. Em geral, por exemplo, n鏀 nos sentimos felizes se n鏀 mesmos, ou pessoas que nos s緌 chegadas, recebemos elogios, temos acesso
fama, fortuna e a outras coisas agrad嫛eis. E nos sentimos infelizes e insatisfeitos se n緌 obtemos esses sinais de sucesso ou se eles
A ARTE D, FELICIDAADE

v緌 para as m緌s de algun rival nossso. Se observarmos o dia-a-dia de uma vida normal, por幦, , com freqncia descobriremos que s緌 ine-os os fatores e condi踥es
que causam dor, sofrimento e :entimento)s de insatisfa誽o, ao passo que as condi踥es que fazem suirgir a alegria e a felicidade s緌 raras em compara誽o. Temcos de
passar por isso, quer gostemos quer n緌. E, gomo essa . a realidade da nossa exist瘽cia, talvez precisemos moedificar nossa atitude diante do sofrimento. Nossa
atitude cdiante do sofrimento passa a ser muito importante porque rela pode afetar nosso modo de lidar com o sofrimento quando ele surgir. Ora, nossa atitude habitual
consiste numa intensa avers緌 e intoler滱cia nossa dor e sofrimento. Entretanto, se pudermos transformar nossa atitude diante do sofrimento, adotar uma postura
que nos permita urna maior toler滱cia quanto a ele, isso poderajudarem mito a neutralizar sentimentos de infelicidade, insatisfa誽o e desgosto.
"No meu caso pessoal, a pr嫢ica mais forte e mais eficaz para ajudar a tolerar o sofrimento consiste em ver e entender que o sofrimento a natureza essencial
da Samsara*, da exist瘽cia n緌 iluminada. Ora, quando passamos por alguma dor f疄ica ou qualquer outro problema, naturalmen-

Samsara (s滱scrito) um (-estado da exst瘽cia caracterizado por infinitos ciclos de vida, morte e reyascimento. Esse termo tamb幦 se refere ao estado normal
da nossa ext瘽cia di嫫ia, que caracterizado pelo sofrimento. Todos os seres permaniecem nesse estado, impulsionados por registros c嫫micos de atos passadcos
e de estacos mentais negativos, caracterizados pela "ilus緌", atquee cada um eimine da mente todas as tend瘽cias negativas e atinja um estado de Loera諘o.

A TRANSFORMAШO DO SOFRI MENTO

te naquele instante huma sensa誽o de queixa, porque o sofrimento muito forte. Hum sentimento de rejei誽o associado ao sofrimento, como se n緌 dev瘰semos estar
passando por aquilo. Naquele instante, por幦, se pudermos encarar a situa誽o de outro 滱gulo e perceber que este corpo... - ele deu um tapa no bra蔞 gomo demonstra誽o
- a pr鏕ria base do sofrimento, isco reduz aquele sentimento de rejei誽o... aquele sentimento de que de algum modo n緌 merecemos sofrer, de que somos v癃imas.
Portanto, uma vez que compreendamos e aceitemos essa realidade, passaremos a vivenciar o sofrimento como algo que perfeitamente natural.
"Logo, por exemplo, quando lidamos com o sofrimento pelo qual passou o povo tibetano, por um lado, poder燰mos observar a situa誽o e nos sentir arrasados,
perguntando a n鏀 mesmos: `Como que foi acontecer uma coisa dessas?' Jde outro 滱gulo poder燰mos refletir sobre o fato de que o Tibete tamb幦 se encontra no
meio da Samsara - disse ele, com uma risada -, da mesma forma que o planeta e a gal嫞ia inteira. - Ele riu novamente.
- Por isso, seja como for, nosso modo de perceber a vida como um todo influencia nossa atitude diante do sofrimento. Por exemplo, se nosso enfoque b嫳ico
o de que o sofrimento negativo, precisa ser evitada a todo custo e, em certo sentido, um sinal de fracassa, essa postura acrescentarum n癃ido componente
psicol鏬ico de ansiedade e intoler滱cia quando enfrentarmos circunst滱cias dif獳eis, uma sensa誽o de estar arrasado. Por outro lado, se nosso enfoque b嫳ico aceitar
que o sofrimento uma parte natural da exist瘽cia, isso indubitavelmente nos tornar A ARTE DA FELICIDADE

mais tolerantes diante das adversidades da vida. E, sem um certo grau de toler滱cia para com o sofrimento, nossa vida passa a ser insuport嫛el. como passar uma
noite p廥sima. Essa noite parece eterna; parece que n緌 vai terminar nunca.
- A meu ver, quando o senhor diz que a natureza impl獳ita da exist瘽cia caracterizada pelo sofrimento, que em sua ess瘽cia ela insatisfat鏎ia, isso me
sugere uma vis緌 bastante pessimista, na realidade bem desanimadora - comentei. O Dalai-Lama rapidamente esclareceu sua posi誽o.
- Quando falo da natureza insatisfat鏎ia da exist瘽cia, preciso entender que isso se insere no contexto do caminho budista como um todo. Essas reflex髊s
precisam ser compreendidas no seu contexto adequado, que dentro das coordenadas do caminho budista. Se n緌 se tiver essa vis緌 do sofrimento dentro do seu contexto
adequado, concordo que existe um perigo, ou mesmo uma probabilidade, de que esse tipo de abordagem seja considerado equivocadamente como bastante pessimista e negativo.
Conseqntemente, importante compreender a postura b嫳ica do budismo diante de toda a quest緌 do sofrimento. Isso n鏀 encontramos nos pr鏕rios ensinamentos plicos
do Buda. O primeiro ponto que ele ensinou foi o princ甑io das Quatro Nobres Verdades, a primeira das quais a Verdade do Sofrimento. E, nesse princ甑io, dse muita
瘽fase conscientiza誽o da natureza sofredora da nossa exist瘽cia.
"O que temos de ter em mente que a raz緌 pela qual t緌 importante refletir sobre o sofrimento estna possibilidade de uma sa獮a, de uma alternativa.
Existe a possibilidade de nos liberarmos do sofrimento. Com a elimina誽o

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

das causas do sofrimento, poss癉el alcan蓷r um estado de Libera誽o, um estado imune ao sofrimento. De acordo com o pensamento budista, as causas primeiras do sofrimento
s緌 a ignor滱cia, a gan滱cia e o 鏚io. Esses s緌 considerados os `tr瘰 venenos da mente'. Esses termos t瘱 conota踥es espec璗icas quando usados dentro de um contexto
budista. Por exemplo, a `ignor滱cia' n緌 se refere a uma falta de informa誽o, como o termo usado no sentido corriqueiro, mas se refere, sim, a um equ癉oco fundamental
de percep誽o da verdadeira natureza do eu e de todos os fen獽enos. Quando geramos uma percep誽o profunda da verdadeira natureza da realidade e eliminamos estados
mentais aflitivos, tais como a gan滱cia e o 鏚io, podemos atingir um estado mental totalmente purificado, livre do sofrimento. Dentro de um contexto budista, quando
refletimos sobre o fato de que nossa exist瘽cia normal do dia-adia caracterizada pelo sofrimento, isso serve para nos estimular a adotar pr嫢icas que eliminem
as causas primeiras do nosso sofrimento. Se n緌 fosse assim, se n緌 houvesse esperan蓷, nem nenhuma possibilidade de nos livrarmos do sofrimento, a simples reflex緌
sobre o sofrimento seria apenas uma atividade m鏎bida e totalmente negativa.

Enquanto ele falava, comecei a perceber como refletir sobre nossa "natureza sofredora" poderia influenciar nossa aceita誽o das inevit嫛eis tristezas da vida e poderia
atmesmo ser um m彋odo valioso para p皾 nossos problemas di嫫ios numa perspectiva adequada. Comecei tamb幦 a me dar conta de como o sofrimento poderia chegar mesmo
a
A ARTE DA FELICIDADE

ser visto num contexto mais amplo, como parte de um caminho espiritual maior, especialmente tendo em vista o paradigma budista, que reconhece a possibilidade de
purifica誽o da mente e de que se acabe por alcan蓷r um estado em que n緌 mais haja sofrimento. No entanto, afastando-me dessas importantes especula踥es filos鏹icas,
eu estava curioso por saber como o Dalai-Lama lidava com o sofrimento num n癉el mais pessoal, como ele enfrentava, por exemplo, a morte de um ser amado.
Quando visitei Dharamsala pela primeira vez muitos anos atr嫳, conheci o irm緌 mais velho do Dalai-Lama, Lobsang Samden. Gostei muito dele e me entristeci
ao saber da sua morte repentina halguns anos.
- Imagino que a morte do seu irm緌 Lobsang tenha sido um golpe para o senhor... - disse eu, sabendo que ele e o Dalai-Lama eram muito 璯timos.
- Foi.

fato.

- Eu sgostaria de saber como o senhor lidou com o

- Naturalmente, fiquei muito, muito triste quando soube da sua morte -disse ele, baixinho.
- E como o senhor lidou com esse sentimento de tristeza? Quer dizer, houve alguma coisa espec璗ica que o ajudou a superlo?
-N緌 sei -disse ele, pensativo. -Senti aquela tristeza por algumas semanas, mas aos poucos ela se dissipou. Mesmo assim, havia uma sensa誽o de remorso...
- Remorso?
- Eu estava viajando quando ele morreu; e acho que, se estivesse l talvez houvesse alguma coisa que eu teria podido fazer para ajudar. Por isso, sinto
esse remorso.

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

Uma vida inteira de contempla誽o da inevitabilidade do sofrimento humano pode ter desempenhado um papel para ajudar o Dalai-Lama a aceitar sua perda, mas
ela n緌 gerou um indiv獮uo frio e desprovido de emo踥es, com uma severa resigna誽o diante do sofrimento. A tristeza na sua voz revelava um homem de profunda sensibilidade
humana. Ao mesmo tempo, a franqueza e honestidade da sua atitude, totalmente desprovida de autocomisera誽o ou de auto-recrimina誽o, transmitiam a impress緌 inconfund癉el
de um homem que aceitara plenamente sua perda.
Naquele dia, nossa conversa se estendera ato final da tarde. L滵inas de luz dourada, entrando pelas venezianas de madeira, avan蓷vam lentamente pela sala
que ia escurecendo. Percebi uma atmosfera melanc鏊ica a impregnar o ambiente e soube que nossa conversa estava chegando ao final. Mesmo assim, eu esperava fazer-lhe
perguntas mais detalhadas sobre a quest緌 da perda, para ver se ele teria outros conselhos sobre como sobreviver morte de um ente querido, que n緌 fosse a simples
aceita誽o da inevitabilidade do sofrimento humano.
Quando eu estava a ponto de me estender nesse assunto, por幦, ele me pareceu algo perturbado; e eu percebi uma sombra de exaust緌 nos seus olhos. Logo, seu
secret嫫io entrou em sil瘽cio e me lan蔞u O Olhar. Aprimorado em anos de pr嫢ica, ele indicava que estava na hora de eu ir embora.
- .. - disse o Dalai-Lama, em tom de desculpas - talvez dev瘰semos encerrar... estou um pouco cansado.
No dia seguinte, antes que eu tivesse oportunidade de voltar ao assunto nas nossas conversas particulares, a quest緌 foi levantada na sua palestra ao plico.
A ARTE DA FELICIDADE

- O senhor tem alguma sugest緌 sobre como lidar com uma brande perda pessoal, como a perda de um filho? - perguntc,u um membro da plat嶯a, em evidente sofrimento.

- Atcerto ponto - respondeu o Dalai-Lama, com um tom ~uave de compaix緌 - isso depende das cren蓷s pessoais do indiv獮uo. Se as pessoas acreditam na reencarnaъo,
em conformidade com isso halgum modo de reduzir a tris:eza ou a preocupa誽o. Elas podem consolar-se com o fato de que seu ente querido venha a renascer.
`Para aquelas pessoas que n緌 acreditam na reencarna誽p creio que ainda existem alguns m彋odos simples para ajudar a lidar com a perda. Para come蓷r, elas
poderiam considerar que, caso se preocupem demais, permitindo que vejam dominadas pela sensa誽o de perda e tristeza, e caso persistam nessa sensa誽o de ser dominadas,
isso n緌 sseria destrutivo e prejudicial para elas, acabando com sua sae, mas tamb幦 n緌 traria nenhum benef獳io pessoa ciue tivesse falecido.
"No meu caso, por exemplo, perdi meu mestre mais respeitado, minha m綣 e tamb幦 um dos meus irm緌s. Naturalnente, quando eles faleceram, senti muita, muita
tristeza. Ent緌 eu n緌 parava de pensar que de nada adiantava tanta afli誽o; e que, se eu de fato amava aquelas pessoas,, precisava cumprir seus desejos com a mente
serena. E eu me esfor蔞 ao m嫞imo para fazer isso. Portanto, ria minhia opini緌, se perdemos algu幦 que nos muito querido, essa a forma correta de abordar a
situa誽o. Vejam bem, o melhor modo de guardar uma lembran蓷 daquela pesscoa, a melhor recorda誽o, ver se conseguimos realizar cus desejos daquela pessoa.

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

"Naturalmente, de in獳io, os sentimentos de dor e ansiedade s緌 a rea誽o humana natural a uma perda. No entanto, se permitirmos que esses sentimentos de
perda e afli誽o perdurem, surge um perigo. Se esses sentimentos n緌 forem controlados, poder緌 levar a uma esp嶰ie de ensimesmamento. Uma situa誽o em que o foco
de aten誽o passa a ser o pr鏕rio eu. E quando isso acontece, somos dominados pela sensa誽o da perda e temos a impress緌 de que sn鏀 estamos passando por aquilo.
Instala-se a depress緌. Mas, na realidade, existem outros que estar緌 passando pelo mesmo tipo de experi瘽cia. Portanto, se nos descobrimos aflitos demais, pode
ajudar pensar em outras pessoas que vivem trag嶮ias semelhantes ou atmesmo piores. Uma vez que percebamos isso, n緌 nos sentiremos mais isolados, como se tiv廥semos
sido selecionados especialmente. Isso pode nos proporcionar algum tipo de conforto."

Embora a dor e o sofrimento sejam vivenciados por todos os seres humanos, muitas vezes tive a sensa誽o de que as pessoas criadas em algumas culturas orientais parecem
ter uma toler滱cia e aceita誽o maiores diante do sofrimento. Em parte, isso pode decorrer das suas cren蓷s, mas talvez seja por ser o sofrimento mais vis癉el em
na踥es mais pobres, como a 璯dia, do que em pa疄es mais pr鏀peros. A fome, a pobreza, a doen蓷 e a morte apresentam-se aos olhos de todos. Quando uma pessoa envelhece
ou adoece, ela n緌 marginalizada, despachada para asilos para receber os cuidados de profissionais da sae: essas pessoas permanecem na comunidade e s緌 tratadas
pela fam璱ia. Quem vive em
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- O senhor tem
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IDADE

vida n緌 pode negar
elo sofrimento, que

conquistou a calas duras conUade de lidar ilizados por

--- pessoas na
~ssar pela vida acre-.mente um lugar agrad嫛el em grande parte justa e que elas .tue merecem que lhes aconte蓷m coisas cren蓷s podem ter uma influ瘽cia importante
.. se levar uma vida mais feliz e mais saud嫛el. No entanto, o inevit嫛el surgimento do sofrimento solapa essas cren蓷s e pode dificultar a continuidade
dessa vida feliz e eficaz. Nesse contexto, um trauma relativamente insignificante pode ter um impacto psicol鏬ico enorme jque a pessoa perde a fnas suas cren蓷s
essenciais a respeito de um mundo justo e benevolente. Disso resulta uma intensifica誽o do sofrimento.
N緌 hdidas de que, com a tecnologia crescente, o n癉el geral de conforto f疄ico aumentou para muitos na sociedade ocidental. nesse ponto que ocorre
uma mudan蓷 cr癃ica na percep誽o. Como o sofrimento se torna menos vis癉el, ele n緌 mais visto como parte da natureza fundamental dos seres humanos - mas, sim,
como uma anomalia, um sinal de que algo deu terrivelmente errado, um ind獳io de "colapso" de algum sistema, uma viola誽o da nossa garantia de direito felicidade!

A TRANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

Esse tipo de linha de pensamento apresenta riscos ocultos. Se pensarmos no sofrimento como algo antinaturxl, algo que n緌 dever燰mos estar vivenciandc, n緌
serum grande salto come蓷r a procurar por algu幦 a quem pos~aamos culpar pelo nosso sofrimento. Se me sinto infeliz, porque devo ser a "v癃ima" de algu幦 ou
de algo - uma
:Rid嶯a que infelizmente bastante comum no Ocidente. O
`w ~ verdugo pode ser o governo, o sistema educacional, pais
violentos, uma "fam璱ia desajustada", o outro sexo ou nos
so parceiro insens癉el. Ou ainda pode ser que voltemos a
culpa para dentro: halgo de errado comigo, sou v癃ima de
alguma enfermidade, ou de genes defeituosos, talvez. No
entanto, o risco envolvido em continuarmos a atribuir culpa
e a manter a postura de v癃ima a perpetua誽o do nosso
sofrimento - com sentimentos persistentes de raiva, frustra
誽G e ressentimento.
Naturalmente, o desejo de nos livrarmos do sofrimento -~ o objetivo leg癃imo de cada ser humane. o corol嫫iodo nosso desejo de sermos felizes. Portanto,
perfeitamente apropriado que pesquisemos as causas da nossa infekidade e fa蓷mos o que for poss癉el para aliviar nossos problemas, procurando por solu踥es em todos
os n癉eis $lcbal, da sociedade, da fam璱ia e do indiv獮uo. Por幦, enQutnto encararmos o sofrimento como um estado antinatumliuma condi誽o anormal que tememos, evitamos
e rejeitarios, nunca erradicaremos as causas do sofrimento para co>Ze蓷r a levar uma vida feliz.
Cap癃ulo 9

O SOFRIMENTO CRIADO PELA
PR紞RIA PESSOA

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

foi ficando mais alta, mais furiosa e mais cheia de veneno, enquanto ele repassava queixas e mais queixas contra a exmulher ao longo dos vinte minutos seguintes.
A sess緌 estava chegando ao final. Percebendo que ele
estava sganhando 璥peto e que poderia facilmente continuar a falar daquele jeito por horas, tentei redirecionlo.
- Bem, a maioria das pessoas tem dificuldade para se ajustar a um div鏎cio recente; e sem dida esse um assunto do qual poderemos tratar em sess髊s futuras
- disse eu, em tom conciliador. - Por sinal, hquanto tempo estdivorciado?
- Hdezessete anos, completos em maio.

No timo cap癃ulo, examinamos a import滱cia de aceitar o sofrimento como um fato natural da exist瘽cia humana. Embora alguns tipos de sofrimento sejam inevit嫛eis,
outros s緌 criados pela pr鏕ria pessoa. Estudamos, por exemplo, como a recusa a aceitar o sofrimento como parte natural da vida pode levar a que a pessoa se considere
uma eterna v癃ima e culpe os outros pelos seus problemas - uma
A ARTE DA FELICIDADE

蓷s pode servir a um objetivo limitado. Ela pode acrescentar dramaticidade e uma certa emo誽o nossa vida, ou despertar aten誽o e solidariedade nos outros. Mas
isso parece n緌 compensar a infelicidade que continuamos a suportar.
Ao falar sobre como aumentamos nosso pr鏕rio sofrimento, o Dalai-Lama deu uma explana誽o.
- Podemos ver que hmuitas formas pelas quais contribu璥os ativamente para nossa pr鏕ria experi瘽cia de sofrimento e inquieta誽o mental. Embora em geral
as pr鏕rias afli踥es emocionais e mentais possam surgir naturalmente, com freqncia nosso refor蔞 dessas emo踥es negativas que as torna muito mais graves. Por
exemplo, se sentimos raiva ou 鏚io por uma pessoa, hmenos probabilidade de que essa emo誽o atinja um n癉el muito intenso se n鏀 a deixarmos de lado. Por幦, se
pensarmos nas deslealdades que nos teriam sido feitas, nas formas pelas quais fomos tratados injustamente, e se n緌 pararmos de remoer essas coisas o tempo todo,
isso alimenta o 鏚io. Essa atitude confere ao 鏚io muito poder e intensidade. Naturalmente, o mesmo pode se aplicar a algum apego que tenhamos por uma determinada
pessoa. Podemos nutrir esse sentimento pensando em como a pessoa linda; e, enquanto n緌 paramos de pensar nas qualidades projetadas que vemos na pessoa, o apego
vai ficando cada vez mais forte. Isso demonstra, entretanto, como n鏀 podemos, atrav廥 do pensamento e da familiaridade constante, tornar nossas emo踥es mais fortes
e intensas.
"Tamb幦 costumamos aumentar nossa dor e sofrimento sendo excessivamente sens癉eis, reagindo com exagero a fatos insignificantes e 跴 vezes levando as coisas
para

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

um lado muito pessoal. Nossa tend瘽cia a de levar fatos 璯fimos muito a s廨io e amplilos de modo totalmente desproporcional, ao mesmo tempo que permanecemos
indiferentes ao que realmente importante, 跲ueles fatos que t瘱 efeitos profundos na nossa vida al幦 de conseqncias e implica踥es duradouras.
"Por isso, creio que o fato de sofrermos ou n緌 depende em grande parte de como reagimos a uma determinada situa誽o. Por exemplo, digamos que tenhamos descoberto
que algu幦 estfalando mal de n鏀 pelas nossas costas. Se reagirmos a essa informa誽o de que algu幦 estfalando mal de n鏀, a esse fato negativo, com uma sensa誽o
de m墔oa ou raiva, somos n鏀 mesmos que estamos destruindo nossa paz de esp甏ito. Nossa dor nossa pr鏕ria cria誽o pessoal. Por outro lado, se nos contivermos para
n緌 reagir de modo negativo, se deixarmos que a calia se dissipe como um vento silencioso que passa por tr嫳 da nossa cabe蓷, estaremos nos protegendo daquela
sensa誽o de m墔oa, daquela sensa誽o de agonia. Logo, embora nem sempre sejamos capazes de evitar situa踥es dif獳eis, podemos modificar a intensidade do nosso sofrimento
pela escolha de como reagiremos situa誽o."

"Tamb幦 costumamos aumentar nossa dor e sofrimento sendo excessivamente sens癉eis, reagindo com exagero a fatos insignificantes e 跴 vezes levando as coisas para
um lado muito pessoal... "Com essas palavras, o Dalai-Lama reconhece a origem de muitas irrita踥es do dia-a-dia que podem se acumular de modo a representar uma importante
fonte de
A ARTE DA FELICIDADE

sofrimento. Alguns terapeutas 跴 vezes chamam esse processo de personaliza誽o da dor - a tend瘽cia a estreitar nosso campo de vis緌 psicol鏬ica, interpretando ou
confundindo tudo o que ocorre em termos do seu impacto sobre n鏀.
Uma noite eu estava jantando com um colega de trabalho num restaurante. O servi蔞 no restaurante acabou se revelando muito lento; e, desde o momento em que
nos sentamos, meu colega come蔞u a se queixar.
- Veja s Aquele gar蔞m parece uma lesma! Onde que ele pensa que est Acho que estnos ignorando de prop鏀ito!
Embora nenhum de n鏀 dois tivesse qualquer compromisso urgente, as queixas do meu colega quanto lentid緌 do servi蔞 continuaram a aumentar ao longo da
refei誽o e se expandiram numa ladainha de reclama踥es sobre a comida, a lou蓷, os talheres e qualquer outro detalhe que n緌 fosse do seu agrado. Ao final da refei誽o,
o gar蔞m nos ofereceu duas sobremesas de cortesia, com uma explica誽o.
- Pe蔞 desculpas pela demora do servi蔞 hoje - disse, em tom sincero -, mas estamos com falta de pessoal. Houve um falecimento na fam璱ia de um dos cozinheiros,
e ele n緌 veio hoje. Al幦 disso, um dos auxiliares avisou que estava doente na tima hora. Espero que a demora n緌 tenha causado nenhum inconveniente...
- Mesmo assim, nunca mais vou voltar aqui - resmungou entre dentes meu colega, com irrita誽o, enquanto 0 gar蔞m se afastava.
Esse um pequeno exemplo de como contribu璥os para nosso pr鏕rio sofrimento quando levamos para o lado

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

pessoal cada situa誽o irritante, como se ela tivesse sido intencionalmente dirigida a n鏀. Nesse caso, o resultado foi apenas uma refei誽o desagrad嫛el, uma hora
de aborrecimento. Por幦, quando esse tipo de racioc璯io passa a ser um modelo geral de relacionamento com o mundo e se estende a cada coment嫫io feito por nossa
fam璱ia ou amigos, ou mesmo a acontecimentos na sociedade como um todo, ele pode se tornar uma fonte importante da nossa infelicidade.
Ao descrever as implica踥es mais amplas desse tipo de racioc璯io limitado, Jacques Lusseyran fez uma vez uma observa誽o perspicaz. Lusseyran, cego desde
os oito anos de idade, foi o fundador de um grupo de resist瘽cia na Segunda Guerra Mundial. Acabou sendo capturado pelos alem綣s e encarcerado no campo de concentra誽o
de Buchenwald. Mais tarde, ao relatar suas experi瘽cias no campo, Lusseyran afirmou: "... Percebi ent緌 que a infelicidade chega a cada um de n鏀 porque acreditamos
ser o centro do universo, porque temos a triste convic誽o de que sn鏀 sofremos ao ponto da intensidade insuport嫛el. A infelicidade sempre se sentir cativo na
pr鏕ria pele, no pr鏕rio c廨ebro."

"MAS N鬃 JUSTO!"

No nosso dia-a-dia, os problemas surgem invariavelmente. No entanto, os problemas em si n緌 causam automaticamente o sofrimento. Se conseguirmos lidar diretamente
com nosso problema e voltar nossas energias para desco-
A ARTE DA FELICIDADE

brir uma solu誽o, por exemplo, o problema pode ser trans sformado num desafio. Por幦, se acrescentarmos receit,ta uma sensa誽o de que nosso problema "injusto",
estaremos juntando um ingrediente que pode se tornar um poderos<;o combust癉el para a gera誽o de inquieta誽o mental e sofriimento emocional. E ent緌 n緌 spassamos
a ter dois pro)blemas em vez de um, mas essa sensa誽o de "injusti蓷"' nos perturba, nos corr鏙 e nos rouba a energia necess嫫ia para resolver o problema original.
Levantando essa quest緌 com o Dalai-Lama um dia d.e manh fiz-lhe uma pergunta. .
- Como podemos lidar com o sentimento de injusti蓷 que tantas vezes nos atormenta quando surgem problemas>?
- Pode haver uma variedade de modos para lidar core o sentimento de que nosso sofrimento n緌 justo. Jfalei da import滱cia de aceitar o sofrimento como
um fato natural da exist瘽cia humana. E creio que, sob certos aspectos, os tibetanos poderiam estar em melhor posi誽o pari aceitar a realidade dessas situa踥es dif獳eis
jque diriarl que talvez seja por causa do seu carena no passado. Eles atribuir緌 a situa誽o a atos negativos cometidos nesta vide ou numa vida anterior; e assim
existe para eles um maio grau de aceita誽o. Jvi algumas fam璱ias nos nossos povoados na 璯dia, em situa踥es dific璱imas: vivendo em cordi踥es miser嫛eis e, ainda
por cima, com filhos cegos do dois olhos ou 跴 vezes com defici瘽cia mental. E de algun modo essas senhoras ainda conseguem cuidar deles, ci zendo simplesmente que
o carena dos filhos, que se. destino.
"Ao mencionar o carena, creio ser importante salienta e compreender que 跴 vezes, em decorr瘽cia de uma con-

A TRANSFORMAЪO DO SOFRIMENTO

preens緌 falha da dou~rina do carma, huma tend瘽cia a culpar o carena por t'a(le a procurar isentar a pessoa da responsabiliyade ou d~ necessidade de ter iniciativa
pessoal. Seria p綖feitam2nte f塶il dizer: `Isso devido ao meu carena, meu carena pas'ado negativo, e o que eu posso fazer? N緌 hsolu誽o!' essa uma compreens緌
totalmente equivocada cio carena, porque, embora nossas experi瘽cias sejam conseqncias elos nossos atos passados, isso n緌 quer dizer qye o indivl(duo n緌 tenha
nenhuma escolha ou que n緌 haja nenhum espa蔞 para a iniciativa de mudan蓷, para concretizar mud,4r~蓷s positivas. E isso vale para todos os setores da vida. N緌
dever燰mos nos tornar passivos, nem procurar nos eximir da necessidade de tomar iniciativas pessoais com base no racioc璯io de que tudo resulta do carena, porque,
;e compf~endermos corretamente o conceito do carena, enenderen'lc:)s que carena significa `a誽o'. O carena um prc,cesso m.ulito atuante. E, quando falamos no c跫ma,
ou ma誽o, esialmos falando da pr鏕ria a誽o cometida pelo sujeito, nesses caso por n鏀 mesmos, no passado. Portanto, estem gran,die parte nas nossas m緌s no presente
o tipo de i-,curo qu," surgir Ele serdeterminado pelo tipo de inici壾va que aldotarmos agora.
"Portanto, carme n緌 deveria ser compreendido em termos de un tipo de fior蓷 est嫢ica, passiva; mas, sim, deveria ser enc:~ado corv'I(um processo em
movimento. Isso indica haver um imp~,
,)?nante papel para o indiv獮uo de-
sempenhar n determOrna誽o do curso do processo c嫫mico. Por exen-:)lo, mes%nnum simples ato ou um simples

prop鏀ito, coro o de ssatisfazer nossa necessidade de alimento... Pararealizar cesse mero objetivo, precisamos de

175
A ARTE DA FELICIDiADE

uma a誽o de nossa parte. Precisamos procurar alimentos e depois precisamos ingeri-los. Isso dlemonstra que mesmo para o ato mais simples, mesmo um objetivo f塶il
atiilgido por meio da a誽o..."
- Bem, reduzir a sensa誽o de injusti蓷 corm a aceita蓷o de que ela resulta do nosso carma pode ser eficaz para os budistas - aparteei. - E aqueles que m緌
acreditam na doatrina do carma? Muitos no Ocidente, por exemplo...
- As pessoas que acreditam na, id嶯a de um Criador, de um Deus, podem aceitar circunst滱cias 嫫duas com mais facilidade, encarando-as como partes da cria誽o
ou dos ces璲nios de Deus. Elas podem sentir qL-ie, apesar de a situa蓾o parecer muito negativa, Deus todo-poderoso e muito nisericordioso; de modo que pode hamer
algurm significaco, alguma import滱cia, por tr嫳 da situa誽o, de que n緌 rDs damos conta. Creio que esse tipo de 1fpode apoilas e audlas durante per甐dos de
sofrimento.
- E aqueles que n緌 acreditam rnem na doutrina do carma, nem na id嶯a de um Deus Criador?
- Para um descrente... - o Dal,.ai-Lama ponderou l,or alguns minutos antes de responder - ...talvez pudesse ajudar um enfoque pr嫢ico, cient璗ico. Na minha
opini緌, os cientistas geralmente consideram mmito importante exaninar um problema com objetividadie, para estudlo s起m grande envolvimento emocional. Com esse
tipo de aboriagem, podemos encarar o problema com a seguinte atitude: "se houver um meio de combatlo,, ent緌 lutes, mesmo que seja preciso recorrer justi蓷!"
- Ele-- deu uma risada. - ~nt緌, se descobrirmos que n緌 h.meios de vencer, pc-lemos simplesmente deixar para l

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

"Uma an嫮ise objetiva de situa踥es dif獳eis ou problem嫢icas pode ser muito importante porque com essa abordagem com freqncia descobrimos que nos bastidores
pode haver outros fatores em jogo. Se sentimos que estamos sendo tratados com injusti蓷 pelo nosso chefe no trabalho, pode haver outros fatores atuando. Ele pode
estar irritado com alguma outra coisa, uma discuss緌 com a mulher naquela manh ou algo semelhante, e seu comportamento pode n緌 ter nada a ver conosco particularmente;
pode nem ter sido especificamente dirigido a n鏀. Naturalmente, ainda precisamos enfrentar a situa誽o, qualquer que ela possa ser, mas pelo menos, com esse enfoque,
podemos n緌 sofrer aquela ansiedade adicional que acompanharia a situa誽o."
- Serque esse tipo de abordagem "cient璗ica", na qual analisamos a situa誽o com objetividade, tamb幦 n緌 poderia nos ajudar a descobrir formas pelas quais
n鏀 mesmos podemos estar contribuindo para o problema? E isso n緌 poderia ajudar a reduzir a sensa誽o de injusti蓷 associada situa誽o dif獳il?
- mesmo! - respondeu ele, com entusiasmo. - Isso decididamente faria uma diferen蓷. Em geral, se examinarmos com cuidado qualquer situa誽o dada, com uma
atitude honesta e imparcial, perceberemos que, em grande parte, n鏀 tamb幦 somos respons嫛eis pelo desenrolar dos acontecimentos.
"Por exemplo, muita gente culpou Saddam Hussein pela Guerra do Golfo. Mais tarde, em v嫫ias ocasi髊s, dei express緌 ao meu sentimento de que essa era uma
injusti蓷. Nessas circunst滱cias, eu no fundo sinto atum pouco
A ARTE DA FELICIDADE

de pena de Saddam Hussein. claro que ele um ditador, e sem dida hmuitos outros aspectos negativos nele. Se examinarmos a situa誽o por alto, f塶il atribuir
toda a culpa a ele. Afinal um ditador, totalit嫫io, e atmesmo seu olhar um pouco assustador! - Ele deu uma risada. - Mas, sem o ex廨cito, sua capacidade de
fazer algum mal limitada; e, sem equipamento b幨ico, aquele poderoso ex廨cito n緌 tem como funcionar. Todo esse equipamento militar n緌 se produz sozinho, a partir
do nada! Portanto,~quando examinamos a quest緌 desse modo, vemos que muitas na踥es est緌 envolvidas.
"Logo", prosseguiu o Dalai-Lama, "costuma ser nossa tend瘽cia normal culpar os outros, fatores externos, por nossos problemas. Al幦 disso, costumamos procurar
por uma causa ica, para depois tentar nos eximir da responsabilidade. Parece que, sempre que est緌 envolvidas emo踥es fortes, huma tend瘽cia a surgir uma disparidade
entre a apar瘽cia das coisas e como elas realmente s緌. Nesse caso, se nos aprofundarmos mais e analisarmos a situa誽o com muito cuidado, veremos que Saddam Hussein
parte da origem do problema, um dos fatores, mas htamb幦 outras condi踥es que contribu甏am para a situa誽o. Uma vez que nos demos conta disso, desaparece automaticamente
nossa atitude anterior de que ele a ica causa, e vem tona a realidade da situa誽o.
"Essa pr嫢ica envolve um modo hol疄tico de encarar as coisas, com a percep誽o de que s緌 muitos os acontecimentos que contribuem para uma situa誽o. Por exemplo,
nosso caso com os chineses. Ali tamb幦, huma grande contribui誽o da nossa parte. Creio que talvez nossa gera誽o

178

r~

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

possa ter contribu獮o para a situa誽o; mas decididamente as gera踥es que nos antecederam foram na minha opini緌 muito negligentes, pelo menos atalgumas gera踥es
passadas. por isso que acredito que n鏀, tibetanos, contribu璥os para essa tr墔ica situa誽o. N緌 justo p皾 toda a culpa na China. No entanto, s緌 tantos os aspectos.
Embora possamos ter sido um fator que contribuiu para a situa誽o, claro que isso n緌 quer dizer que a culpa seja exclusivamente nossa. Por exemplo, os tibetanos
nunca se renderam completamente opress緌 chinesa. Houve uma resist瘽cia cont璯ua. Por causa dessa resist瘽cia, os chineses elaboraram uma nova pol癃ica: a transfer瘽cia
de grandes contingentes de chineses para o Tibete, para que a popula誽o tibetana se torne insignificante, os tibetanos se sintam deslocados e o movimento pela liberdade
n緌 possa ser eficaz. Nesse caso, n緌 podemos dizer que a resist瘽cia tibetana culpada ou respons嫛el pela pol癃ica chinesa."
- Quando o senhor estprocurando sua pr鏕ria contribui誽o para uma situa誽o, o que dizer daquelas situa踥es que evidentemente n緌 ocorrem por culpa sua,
aquelas com as quais o senhor n緌 tem nada a ver, atmesmo situa踥es relativamente insignificantes do dia-a-dia, tais como quando algu幦 lhe diz uma mentira intencional?
- perguntei.
- claro que de in獳io posso ter uma sensa誽o de decep誽o quando algu幦 n緌 sincero comigo; mas mesmo nesse caso, se eu examinasse melhor a situa誽o,
poderia descobrir que de fato seu motivo para esconder algo de mim pode n緌 resultar de uma inten誽o m Pode ser que a pessoa simplesmente n緌 confiasse totalmente
em mim. Por isso, 跴 vezes, quando me sinto decepcionado com esse

mo
A ARTE DA FELICIDADE

tipo de incidente, procuro encarlo de outro 滱gulo. Penso que talvez a pessoa n緌 tenha querido confiar totalmente em mim porque eu n緌 sou capaz de guardar segredo.
Minha natureza geralmente tem a tend瘽cia a ser muito franca, e por isso a tal pessoa poderia ter conclu獮o que eu n緌 sou a pessoa certa que conseguiria manter
algo em segredo, que eu talvez n緌 seja capaz disso como muitas pessoas esperariam que eu fosse. Em outras palavras, n緌 sou digno da plena confian蓷 dessa pessoa
em decorr瘽cia da minha natureza pessoal. Portanto, se olharmos por esse 滱gulo, eu consideraria que a causa teve como origem meu pr鏕rio defeito.

Mesmo partindo do Dalai-Lama, esse argumento pareceu um pouco for蓷do - descobrir "nossa pr鏕ria contribui誽o" para a falta de sinceridade do outro. No entanto,
enquanto ele falava, havia na sua voz uma franqueza genu璯a, que sugeria que de fato essa era uma t嶰nica que ele jhavia usado com bons resultados pr嫢icos na
sua vida pessoal para ajudar a lidar com a adversidade. Ao aplicar essa t嶰nica nossa pr鏕ria vida, naturalmente, talvez n緌 tenhamos tanto sucesso na busca da
nossa pr鏕ria contribui誽o para uma situa誽o problem嫢ica. Por幦, quer tenhamos sucesso quer n緌, mesmo o esfor蔞 honesto de procurar por nossa pr鏕ria contribui誽o
para um problema permite uma certa mudan蓷 de enfoque que ajuda a derrubar os padr髊s mesquinhos de pensamento conducentes ao destrutivo sentimento da injusti蓷,
que a origem de tanta insatisfa誽o em n鏀 mesmos e no mundo.

mo

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

A CULPA

Produtos de um mundo imperfeito, todos n鏀 somos imperfeitos. Cada um de n鏀 fez algo de errado. Hcoisas que lamentamos - coisas que fizemos ou que dever燰mos
ter feito. Reconhecer nossos erros com um verdadeiro sentido de remorso pode servir para nos manter na linha na vida e pode nos estimular a corrigir nossos erros
quando poss癉el e dar os passos necess嫫ios para agir corretamente no futuro. Por幦, se permitirmos que nosso remorso degenere, transformando-se em culpa excessiva,
se nos agarrarmos lembran蓷 das nossas transgress髊s passadas com uma cont璯ua atitude de censura e 鏚io a n鏀 mesmos, isso n緌 leva a nenhum objetivo, a n緌 ser
o de representar uma fonte implac嫛el de autopuni誽o e de sofrimento induzido por n鏀 mesmos.

Durante uma conversa anterior na qual mencionamos rapidamente a morte do seu irm緌, percebi que o Dalai-Lama falou de alguns remorsos relacionados morte do irm緌.
Curioso por saber como ele lidava com sentimentos de remorso e possivelmente com sentimentos de culpa, voltei ao assunto numa conversa posterior.
- Quando est嫛amos falando da morte de Lobsang, o senhor mencionou remorsos. Houve outras situa踥es na sua vida que o levaram a sentir remorso?
- Houve, sim. Por exemplo, havia um monge mais velho que vivia como eremita. Ele costumava vir me ver para receber ensinamentos, apesar de eu considerar
que ele no

181
A ARTE DA FELICIDADE

fundo era ma瞶rs capaz db que eu e que sme visitava como uma espeecie de formalidade. Seja como for, ele v fio me procurar unm dia e mf perguntou acerca de uma
determinada praticai esot廨ica de alto n癉el. Comentei desprEOcupadamente (:que essa seria uma pr嫢ica dif獳il e que tilvez fosse mais 1 bem execitada por algu幦
mais jovem, que pela tradi誽o e=ra uma pritica que deveria ser iniciada curante a adolescc瘽cia. Mas tarde descobri que o mongese matara a fim doe renascer num corpo
mais jovem para Poder melhor reaalizar a pratica...
- Mas isso' terr癉el! - comentei, surpreso com a his:鏎ia. - Deve ter
O Dalai-L - Como o' senhor lidou com esse sentimento de re
morso? Como acabou se livrando dele?
O Dalai-Lima refletia em sil瘽cio por um bom tempo

antes de responder.
- N緌 me' livrei dele. Ele ainda existe. - Parou no;amente antes d,e acrescentar. - Mas, muito embora esse sentimento de remorso ainda esteja aqui, ele n緌
estas3ociado a nenhuma sensa誽o de peso ou de algo que me impe蓷 de avan蓷r. N緌 seria il para ningu幦 se eu permitisse que esse remorso me acabrunhasse, que
fosse apenas uma fonte de des滱imo e depress緌 sem nenhuma finalidade, ou que atrapalhasse meu modo de levar a vida dardo

o melhor de Fnrm.
Naquele momento, de um modo muito visceral, recebi mais uma vez impacto da possibilidade muito real de um ser humano encarar de frente as trag嶮ias da
vida e de reagir com emo醀o, mesmo com um remorso profundo, mas

182

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

sem mergulhar no excesso de culpa ou desprezo por si mesmo. A possibilidade de um ser humano aceitar plenamente a si mesmo, inteiro com suas limita踥es, fraquezas
e equ癉ocos de julgamento. A possibilidade de reconhecer uma situa誽o negativa pelo que ela e reagir com emo誽o, mas sem exagero. O Dalai-Lama lamentava sinceramente
o incidente que descrevera mas assumia esse remorso com dignidade e leveza. E, embora o assumisse, ele nunca permitiu que o peso desse remorso o atrapalhasse, preferindo,
sim, seguir adiante e concentrar sua aten誽o em ajudar os outros da melhor forma poss癉el.

龍 vezes, eu me pergunto se a capacidade de viver sem se entregar a uma culpa autodestrutiva n緌 em parte cultural. Quando relatei minha conversa com o
Dalai-Lama a respeito do remorso a um amigo que um estudioso do Tibete, ele me disse que, com efeito, o idioma tibetano nem mesmo tem um termo equivalente palavra
"culpa", embora tenha palavras que significam "remorso", "arrependimento" ou "lamento", com um sentido de "retificar as coisas no futuro". Qualquer que possa ser
o componente cultural, por幦, acredito que, com o questionamento dos nossos modos habituais de pensar e com o cultivo de uma perspectiva mental diferente baseada
nos princ甑ios descritos pelo Dalai-Lama, qualquer um de n鏀 pode aprender a viver sem o estigma da culpa, que n緌 faz nada a n緌 ser causar a n鏀 mesmos um sofrimento
desnecess嫫io.

183
A ARTE DA FELICIDADE

A RESIST艿CIA MUDANォ

A culpa surge quand,:) nos convencemos de termos cometido um erro irrepar嫛el. A tortura da culpa consiste em pensar que qualquer problema seja permanente.
Entretanto, como n緌 existe nada que n緌 mude, tamb幦 a dor cede - n緌 hproblema que persista. Esse o aspecto positivo da mudan蓷. O negativo que n鏀 oferecemos
resist瘽cia mudan蓷 em quase todos os campos da vida. O primeiro passo para nos livrarmos do sofrimento investigar uma das causas principais: a resist瘽cia
mudan蓷.
- de extrema import滱cia investigar as causas e origens do sofrimento, como ele surge - explicou o DalaiLama, ao descrever a natureza sempre mutante da
vida. preciso iniciar o processo avaliando a natureza impermanente e transit鏎ia da nossa exist瘽cia. Todos os objetos, acontecimentos e fen獽enos s緌 din滵icos,
mudam a cada instante; nada permanece est嫢ico. Meditar sobre a nossa circula誽o sangnea poderia ajudar a firmar essa id嶯a: o sangue estem fluxo constante,
erre movimento; nunca fica parado. Essa natureza de mudan蓷s moment滱eas dos fen獽enos como um mecanismo inerente a eles. E, como faz parte da natureza de todos
os fen獽enos a mudan蓷 a cada momento, isso nos indica que a todas as coisas falta a capacidade de perdurar, falta a capacidade de permanecer. E, jque todas as
coisas s緌 sujeitas mudan蓷, nada existe numa condi誽o permanente, nada consegue manter-se igual por sua pr鏕ria for蓷 independente. Desse modo, todas as coisas
est緌 sob a influ瘽cia de outros fatores. Ou seja, a qualquer momento, por mais prazerosa ou agra-

184

A TRAhSFORNIAШO DO SOFRIMENTO

fi嫛el que possa ser nc,ssa experi,~ncia, ela gessar Isso passa a ser a origem de uma categoria do sofrimento conhecida no budismo como o "sofrimento da mudan蓷".

conceito de imperman瘽cia desNmPenha um papel crucial no pensamento budista e a cc:)ntempla諘o da imperman瘽cia uma pr嫢ica essencial. A contempla誽o da
imperman瘽cia atende a duas fun踥es de vital import滱cia dentro do caminho bucista. Num n癉el convencional, ou num sentido corriqueiro, quem pratica o budismo contempla
sua pr鏕ria imperman瘽cia - o fato de que a vida fr墔il e de que nunca sabeqos quando iremos morrer. Quando se associa essa reflex緌 a uma crenl蓷 na raridade
da exist瘽cia humana e na possibilidade cite se alcan蓷r um estado de Libera誽o espiritual, de se estar livre do sofrimento e dos intermin嫛eis ciclos de reencarna緌,
essa contempla誽o serve para aumentar a dEtermina誽d do praticante para usar seu tempo com maior proveito, dedando-se 跴 pr嫢icas espirituais que propiciar緌 essa
Libera誽o. Num n癉el mais profundo, o da contempla誽o dos aspectos mais sutis da imperman瘽cia, da natu:eza impernnanente de todos os fen獽enos, tem in獳io a bisca
do praticante pela compreens緌 da verdadeira natureza da reaflidade e, atrav廥 dessa compreens緌, pela dissiPI誽o da ignzor滱cia, que a origem primordial do nosso
sofirrlento.
Portanto, embora a contemplad誽o da imperman瘽cia tenha um enorme significado dentro de um contexto budista, surge a pergunta: sera que a contttempla誽o
e compreens緌 da imperman瘽cia tii alguma aaPlica誽o pr嫢ica no dia-

18O
A ARTE DA FELICIDADE

a-dia tamb幦 dos n緌-budistas? Se encararmos o conceito de "imperman瘽cia" a partir do ponto de vista da "mudan蓷", a resposta um absoluto "sim". Afinal de contas,
quer encaremos a vida de uma perspectiva budista, quer de uma perspectiva ocidental, permanece o fato de que a vida transforma誽o. E na medida em que nos recusemos
a aceitar esse fato e ofere蓷mos resist瘽cia 跴 naturais mudan蓷s da vida, continuaremos a perpetuar nosso pr鏕rio

sofrimento.
A aceita誽o da mudan蓷 pode ser um importante fator na redu誽o de uma boa propor誽o do sofrimento que criamos para n鏀 mesmos. muito freqnte, por exemplo,
que causemos nosso pr鏕rio sofrimento, recusandonos a nos desapegar do passado. Se definirmos nossa pr鏕ria imagem em termos da apar瘽cia que t璯hamos no passado
ou em termos do que costum嫛amos conseguir fazer e n緌 conseguimos agora, bastante seguro supor que n緌 vamos ficar mais felizes quando envelhecermos. 龍 vezes,
quanto mais tentamos nos agarrar ao passado, mais grotesca e deformada torna-se nossa vida.
Embora a aceita誽o da inevitabilidade da mudan蓷, como princ甑io geral, possa nos ajudar a lidar com muitos problemas, assumir um papel mais ativo, por meio
do aprendizado espec璗ico sobre as mudan蓷s normais na vida, pode prevenir uma propor誽o ainda maior da ansiedade rotineira que a causa de muitos dos nossos problemas.
Com uma revela誽o do valor do reconhecimento das mudan蓷s normais na vida, uma m綣 de primeira viagem falou de uma visita que fizera 跴 duas horas da manh
emerg瘽cia de um hospital.

m6

A TRANSANSFORMQAШO DO SOFIRIMENTO

- Qual lhe pa' parece sser o problema? 1
perguntou o pe-

diatra.
- MEU FILHIr~HINHO! IESTCOM ALGUM PROBLEMA! gritou ela, nervos嵹sa. - Achho que ele estengasgando ou algo parecido. A l璯gu~gua n緌 pp嫫a de sair da
beca. Ele sfica esticando a l璯gua laa para fora... o tempo tpcjo... como se quisesse cuspir alguiguma coisa, mas a boca estvazia...

Depois de ar algumas > perguntas e u M r嫚ido exame, o m嶮ico tranqliAizou-a.
- N緌 hcor逅 que sse preocupar. Quando um bebvai crescendo, ele de desenvolve uma percep誺p maior do pr鏕rio corpo e do que ae o corpoo pode fazer. Sei
filho acabou de descobrir a l璯gngua.

Margaret, uma-ia jornalisbta de trinta e um anos, exemplifica a import滱cia c cr癃ica de' compreender e aceitar a mudan蓷 no contexto dele um rellacionamento pessoal.
Ela me procurou queixancndo-se de起 uma leve ans駰dade, que atribu燰 dificuldade d de se ajustar a um recente div鏎cio.

- Achei qulue poder玦a ser uma boa id嶯a fazer algumas sess髊s sparra converrsar com algu廨h , explicou -, para me ajudar a de eixar o passado para tr嫳
e fazer a transi誽o de volta vida dJe solteiras. Para ser franca, isso me deixa um

pouco nervossa...
Pedi-lhe qque descrcevesse as circunst滱cias do div鏎cio.
- Acho qcue teria de? descrevlo como um div鏎cio amig嫛el. N緌 hcc酌ve gramdes brigas, nem nada semelhante. Meu ex-maricdo e eu termos bons empregos. de
modo que n緌 tivemos problemas com a quest緌 financeira. Temos um

m7
A ARTE DA FELICIDADIE

filho, mas ele parece ter se ajustado bem Lao div鏎cio; e meu ex-marido e eu firmamos um acordo paria cust鏚ia conjunta que estfuncionando bem...
- O que eu queria era saber o que :levou ao div鏎cio.
- Bem... acho que simplesmente perdemos a paix緌 suspirou ela. - Parecia que aos poucos o romantismo foi desaparecendo; simplesmente n緌 t璯hamos mais a
mesma intimidade de quando nos casamos. N鏀 dois est嫛amos ocupados com nossos empregos e nosso filho, e sparec燰mos estar nos afastando. Experimentamos algumas
sess髊s de aconselhamento conjugal, mas elas de nada adiantaram. Ainda nos d嫛amos bem, mas era como se f盭semos irm緌s. N緌 parecia amor; n緌 parecia um casamento
de verdade. De qualquer modo, chegamos conclus緌 de que seria melhor partir para o div鏎cio.. Simplesmente estava faltando alguma coisa.
Depois de passar duas sess髊s delineando o problema, decidimos por uma psicoterapia breve, voltada especificamente para ajudla a reduzir a ansiedade e
a ajustar-se 跴 recentes mudan蓷s na sua vida. No todo, ela era uma pessoa inteligente e equilibrada em termos emocionais. Reagiu muito bem a uma terapia breve e
fez uma transi誽o tranqla de volta vida de solteira.
Apesar de um evidente carinho muo, estava claro que Margaret e o marido interpretaram a mudan蓷 no grau da paix緌 como um sinal de que o casamento deveria
terminar. Infelizmente, com extrema freqncia que entendemos uma diminui誽o da paix緌 como um sinal da exist瘽cia de um problema fatal no relacionamento. E, na
maior parte das vezes, o primeiro ind獳io de mudan蓷 no nosso

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

relacionamento pode gerar uma sensa誽o cie p滱ico, uma impress緌 de que algo deu terrivelmente errado. Talvez n緌 tenhamos escolhido o parceiro certo, no final das
contas. Nosso companheiro simplesmente n緌 parece ser a pessoa pela qual nos apaixonamos. Surgem desaven蓷s - podemos estar a fim de sexo, e nosso parceiro estar
cansado; podemos querer ver um filme especial, rnas ele n緌 se interessa pelo filme ou estsempre ocupado. Por isso, conclu璥os que tudo estacabado. Afinal, n緌
hcomo ignorar o fato de estarmos nos afastando. As coisas simplesmente n緌 s緌 mais as mesmas. Talvez dev瘰semos nos divorciar.
E o que fazemos ent緌? Especialistas em relacionamentos produzem livros em massa, com receitas cue nos dizem exatamente o que fazer quando a paix緌 e a chama
do romantismo come蓷m a fraquejar. Eles oferecem uma enorme variedade de sugest髊s destinadas a ajudar a reaquecer o romance - refa蓷 sua programa誽o de modo que
dprioridade ao tempo para atividades rom滱ticas, planeje escapadas de fim de semana ou jantares rom滱ticos, elogie seu parceiro, aprenda a ter uma conversa significativa.
龍 vezes, isso ajuda. 龍 vezes, n緌.
No entanto, antes de declarar o relacionamento morto, uma das coisas mais ben嶨icas que podemos fazer quando nos damos conta de uma mudan蓷 simplesmente
tirar uma dist滱cia, avaliar a situa誽o e nos armar com o maior conhecimento poss癉el sobre os padr髊s normais de mudan蓷 em relacionamentos.
Com o desenrolar da nossa vida, passamos da tenra inf滱cia para a inf滱cia, a maturidade e a velhice. Aceitamos

189
A ARTE LBA FELICL DADE

essas mudan蓷s no desenv-olvimento individual como uma progress緌 natural. Um rel acionamento, entretanto, tamb幦 um sistema vivo din嫫aiico, composto de dois
organismos que interagem nur~11 ambier--- te. E, na qualidade d= sistema vivo, igualmente natural e correto que o relacionamento passe per est墔io S. Em qualquer
relacionamento hdiferentes dinens瀹s de intimid.:ade -f疄ica, emocional e intelectual. O contato corporal, o compartilhar de emc踣es, de pensamentos, e a troca
de 獮嶯as s緌 todas formas leg癃imas de liga誽o com fqtaeles que amamos. norm~jl que o equil燢rio tenha um rhovimento c獳lico: 跴 vezes a intimidade f疄ica diminui
mas a intimidade emocional pode aumentar; em outras ocasi髊s n緌 temos vontade de trocar palavras mas sde receber um abra蔞. Se tivermos nossas antenas voltadas
para essa quest緌, podemos nos alegrar com o desabrochar da paix緌 num relacionamento;

mas, se ela arrefecer, em vez de sentir preocupa誽o ou raiva, podemos nos abrir para novas formas de intimidade que podem ser igualmente satisfat鏎ias - ou talvez
mais. Podemos apreciar nosso c獼juge Como companheiro, ter um amor mais est嫛el, um la蔞 mais profundo.
Em seu livro, Intimate Behavior, Desmond Morris descreve as mudan蓷s normais que ocorrem na necessidade de intimidade de am ser huizlano. Ele sugere que
cada um de n鏀 passa repetidamente por tr瘰 est墔ios: do "me abrace", do "me solte' e do "me deixe em paz". o ciclo torna.se aparente pela primeira ver no in獳io
da vida, quando a crian蓷 passa da fase do "abra蔞", caracter疄tica da tenra inf滱cia, para a fase da "independ瘽cia", quando a crian蓷 come蓷 a explorar o mundo,
a engatinhar, caminhar e all-

A T-ftAMSFOKMAШO DO SOFRIMENTO

ran蓷r algurrt:~4 independ瘽cia e autonomia com rela誽o m綣. Isso faz parte do desenvolvimento e crescimento normal. Essas fascs~ no entanto, n緌 seguem sempre
na mesma dire誽o. I~-~n v嫫ias etapas, a crian蓷 pode sentir alguma ansiedade quando o sentimento de separa誽o se torna forte demais, e nesses casos ela volta para
a m綣 em busca de carinho e aconchego. Na adolesc瘽cia, a "rejei誽o" passa a ser a fase predominante medida que a crian蓷 luta para formar uma 闍lentidade individual.
Embora possa ser dif獳il ou dolore)~a para os pais, a maioria dos especialistas reconhece e5~a fase como normal e necess嫫ia na transi誽o da inf漷xGia para a maturidade.
Mesmo dentro dessa fase, ainda lxuma mistura das outras. Enquanto em casa o adolescente estgritando "Me deixa em paz!" para os pais, suas necessidades do "abra蔞
apertado" podem estar sendo satisfeitas por uma forte identifica誽o com o grupo.
Tamb幦i nos relacionamentos de adultos, ocorre o mesmo fluxo. Os n癉eis de intimidade variam, com per甐dos de maior intimidade se alternando com per甐dos
de maior afastalrriento. Isso tamb幦 faz parte do ciclo normal de crescimento e desenvolvimento. Para atingir nosso pleno potencial) como seres humanos, precisamos
ser capazes de contrabalan蓷r nossas necessidades de uni緌 e intimidade comi eer甐dos em que precisamos nos voltar para dentro, comi orna sensa誽o de autonomia,
para crescer e evoluir como indiv獮uos.
medida que cheguemos a entender isso, n緌 mais reagiremos c'逅 horror ou p滱ico quando nos dermos conta de que estannOs "nos afastando" do nosso parceiro,
da mesma forma que n緌 entrar燰mos em p滱ico enquanto esti-

19
A 'TRAI`SFOZMAC鬃 DO SOFRIMENTO
A ARTE DA FELICIDADE
Talvez o> casamento de Margaret pudesse ter sido sal
,,,,,,-,do a marse afastar da costa. claro qufe vo pela aceitta誽o da mudan蓷 natural no relacionamento
v廥semos oL 壾5'tanciamento emocional crescente pode inl= e pela cria誽io de um novo relacionamento com base ern
跴 vezes ur~1' problemas num relacionamento (uma raiva r
rios ~ ~, por exemplo), e atpodem ocorrer fatores que m緌 fossem a paix緌 e o romance.
dicar s廨ios por廨l, a hist鏎ia n緌 termina aqui. Dois
primida eri'y 5 _ desses casos, medidas tais como a terapia anos depois da minha tima sess緌 com Margaret, deparei
rompinient ~ liciu癃o eis. Por幦, o ponto principal a ter e~m
com ela por ,acaso nurn shopping (a situa誽o de deparar com
podem ser e um distanciamento crescente n緌 signifiFa um ex-paciente num contexto social invariavelmente faz
u
mente 4 ~,y~ente uma hecatombe. Ele tamb幦 pode fazer com que eu,, como a maioria dos terapeutas, me sinta urn
aiItomatiG W ciclo que volta a redefinir o relacionamento
are de t ~. que pode resgatar ou atmesmo superaf a pouco cono:rangido).
p a
de outra far ue existia no passado. - Como tem passado? - perguntei.

ea
intimidad o o ato de aceita誽o, de reconhecimento de que - N緌 poderia estar melhor! - exclamou ela. - No m瘰

t
portada e uma parte natural das nossas intera虢5es passado, meu ex-maro e eu voltamos a nos casar.
a muda nutras, pode desempenhar um papel importante - Verdade?

com os 5 relacionamentos. Podemos descobrir que na- - Verdade, e estindo 跴 mil maravilhas. claro que
o que podemos estar nos senlin- n鏀 continuLmos a nos ver por causa da cust鏚ia conjunta.

nos nos ato momento em q p Seja como for, no in獳io foi dif獳il mas depois do div鏎cio,

quele e~ ecepcionados, como se algo tivesse tr ~ de algum modo a press緌 sumiu. N鏀 n緌 t璯hamos mais
do mais ofiarnento, que pode ocorrer uma p atos
do rela1~i Esses per甐dos de transi誽o podem ser por expectativas. E descobrimos que no fundo gostamos um
o. do outro e rios amamos. As coisas ainda n緌 s緌 iguais ao
forma虢'eti.i que o verdadeiro amor come蓷 a amadurecer
cruciais Nosso relacionamento pode n綼 are carnmais ba誽 do
que eram quando nos casamos pela primeira vez, mas isso
gi florir- o intensa, na vis緌 do outro como da parece n緌 ater import滱cia. Estamos realmente felizes, jun-

na paia ou na sensa誽o de que estamos em fus緌逅
tos. A impress緌 que tudo estcerto.

a orem, agora estamos num< Po Em compensa誽o, p

o outro' que podemos realmente come蓷r a conhecer o si誽o e a per o outro como ele um indiv獮uo isoado,

outro efeitos e fraquezas talvez, mas um ser humano c逅o
d uando chegamos a esse 1迸to
com lesmas. somente q n鏀 onde os assumir um compromisso aut瘽tico, um=逅-

que pisso com o crescimento de outro ser humano - um

proa' 5, erdadeiro amor.
le ato e

p
A 'TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

Cap癃ulo ZO

A MUDANォ DE PERSPECTIVA

Uma vez um disc甑ulo de um fil鏀ofo grego recebeu ordens do seu Mestre para durante tr瘰 anos dar dinheiro a todos os que o insultassem. Quando esse per甐do
de prova誽o terminou, o Mestre lhe disse, "Agora vocpode ir a Atenas para aprender a Sabedoria." Quando o disc甑ulo estava entrando em Atenas, encontrou um certo
s墎io que ficava sentado junto ao port緌 insultando todos os que iam e vinham. Ele tamb幦 insultou o disc甑ulo, que deu uma boa risada. "Por que vocri quando eu
o insulto?'perguntou o s墎io. "Porque durante tr瘰 anos eu paguei por isso, e agora vocme deu a mesma coisa por nada", respondeu :) disc甑ulo. "Entre na cidade",
disse o s墎io. "Ela toda sua..."

0s Padres do Deserto do s嶰ulo IV, um grupo de exc瘽tricos que se retirou para os desertos em torno de Scete para uma vida de sacrif獳io e ora誽o, ensinavarn essa
hist鏎ia para ilustrar o valor do sofrimento e das agruras. Entretanto, n緌 haviam sido apenas as agruras que abriram ao disc甑ulo a "cidade da sabedoria". O fator
primordial que lhe permitiu lidar com tanta efic塶ia com uma situa誽o dif獳il foi sua capacidade de mudar de perspectiva, de encarar a situa誽o a partir de um outro
滱gulo.

194

A capadidade de mudar de perspectiva pode ser um dos instrumentos mais poderosos e eficazes de que dispomos para nos ajudar a resolver os problemas di嫫ios
da vida. O Dalai-Lama explicou.
- A capacidade de encarar os acontecimentos a partir de pontos doe vista diferentes pode ser muito il. Assim, com essa pr嫢ica, podemos usar certas experi瘽cias,
certas trag嶮ias, para desenvolver uma tranqlidade na mente. preciso entender que todos os fen獽enos, todos os acontecimentos, apresentam aspectos diferentes.
Tudo tem uma natureza relativa. Por exemplo, no meu pr鏕rio caso, eu perdi meu pa疄. Dessa perspectiva, trata-se de uma trag嶮ia, e hfatos ainda piores. Hmuita
destrui誽o ocorrendo no nosso pa疄. Isso muito negativo. Por幦, se eu encarar o mesmo acontecimento de outro 滱gulo, percebo que, na qualidade de refugiado, tenho
outro enfoque. Como sou refugiado, n緌 hnenhuma necessidade de formalidades, cerim獼ia, protocolo. Se tudo estivesse normal, se as coisas estivessem nos eixos,
em grande parte das ocasi髊s, n鏀 apenas representamos, fingimos. Mas, quando estamos passando por situa踥es desesperadas, n緌 htempo para fingir. Portanto, a
partir desse 滱gulo, essa tr墔ica experi瘽cia me foi muito il. Al幦 disso, ser refugiado cria um monte de novas oportunidades para eu me encontrar com muita gente.
Pessoas de diferentes tradi踥es religiosas, de diferentes posi踥es sociais, pessoas que eu poderia n緌 ter conhecido se tivesse permanecido no meu pa疄. Por isso,
nesse sentido, essa experi瘽cia foi muito, muito valiosa.
"Parece que muitas vezes, quando surgem problemas, nosso enfoque se estreita. Toda a nossa aten誽o pode estar

195
A ARTE DA FELICIDADE

concentrada na preocupa誽o com o problema, e n鏀 podemos ter a sensa誽o de que somos os icos a passar por tais dificuldades. Isso pode levar a um ensimesmamento
que pode fazer com que o problema pare蓷 mais s廨io. Quando isso acontece, creio que ver as coisas de uma perspectiva mais ampla pode decididamente ajudar... se
nos dermos conta, por exemplo, de que existem muitas outras pessoas que passaram por experi瘽cias semelhantes e atmesmo piores. Essa pr嫢ica de mudan蓷 de perspectiva
pode atmesmo ajudar em certas doen蓷s ou quando sentimos dor. Na hora em que a dor surge, naturalmente costuma ser muito dif獳il, naquele exato momento, seguir
pr嫢icas formais de medita誽o para acalmar a mente. No entanto, se fizermos compara踥es, se encararmos nossa situa誽o a partir de uma perspectiva diferente, de algum
modo alguma coisa acontece. Quando se olha apenas para aquele acontecimento isolado, ele parece ser cada vez maior. Se focalizarmos muito de perto, com muita intensidade,
quando ocorre um problema, ele parece incontrol嫛el. Por幦, se compararmos aquele acontecimento com algum outro acontecimento de import滱cia, se avaliarmos o mesmo
problema com algum distanciamento, ele irnos parecer menor e menos avassalador."

Pouco antes de uma sess緌 com o Dalai-Lama, encontreime por acaso com um administrador de uma institui誽o na qual eu costumara trabalhar. Durante meu per甐do de
trabalho na sua institui誽o, tivemos uma s廨ie de confrontos porque eu acreditava que ele estava comprometendo o aten-

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

dimento aos pacientes ao privilegiar considera踥es financeiras. Havia algum tempo que eu n緌 o via; mas, assim que percebi sua presen蓷, todas as nossas discuss髊s
voltaram em enxurrada, e eu pude sentir a raiva e o 鏚io se acumulando no meu 璯timo. Quando fui encaminhado su癃e do Dalai-Lama para nossa sess緌 mais tarde naquele
mesmo dia, eu jestava consideravelmente mais calmo, mas ainda me sentia um pouco perturbado.
- Digamos que algu幦 nos deixe com raiva - comecei. - Nossa rea誽o natural a sermos feridos, nossa rea誽o imediata, sentir raiva. Mas em muitos casos,
n緌 se trata apenas de sentir raiva na hora em que somos feridos. Poder燰mos pensar no acontecimento mais tarde, atmesmo muito mais tarde, e cada vez que pens嫳semos
nele sentir燰mos toda aquela raiva novamente. Como o senhor sugeriria que lid嫳semos com esse tipo de situa誽o?
O Dalai-Lama assentiu, pensativo, e olhou para mim. Eu me perguntei se ele percebia que eu n緌 estava apresentando o t鏕ico por motivos exclusivamente acad瘱icos.
- Se vocencarar por um 滱gulo diferente, sem dida a pessoa que lhe despertou essa raiva teruma por誽o de aspectos positivos, de qualidades positivas.
Se olhar com cuidado, tamb幦 descobrirque o ato que o deixou com raiva tamb幦 lhe propiciou certas oportunidades, algo que, de outro modo, n緌 teria sido poss癉el,
mesmo do seu pr鏕rio ponto de vista. Portanto, com esfor蔞, vocconseguirver muitos 滱gulos diferentes num mesmo acontecimento. Isso o ajudar
- E se procurarmos os 滱gulos positivos numa pessoa ou num acontecimento e n緌 conseguirmos encontrar nenhum?

197
A ARTE DA FELICIDADE

- Nesse caso, creio que estar燰mos lidando com uma situa誽o na qual poderia ser necess嫫io fazer algum esfor蔞. Dedicar algum tempo a procurar com seriedade
por um 滱gulo diferente para encarar a situa誽o. N緌 apenas de forma superficial. Mas de modo agu蓷do e direto. Precisamos recorrer a todo o nosso poder de racioc璯io
e examinar a situa誽o com a maior objetividade poss癉el. Por exemplo, poder燰mos refletir sobre o fato de que quando estamos realmente irados com algu幦 temos a
tend瘽cia a perceber essa pessoa como algu幦 com 100% de qualidades negativas. Exatamente da mesma forma que, quando somos atra獮os por algu幦, nos inclinamos a
considerar que essa pessoa tem 100% de qualidades positivas. No entanto, essa percep誽o n緌 corresponde realidade. Se nosso amigo, que consideramos t緌 maravilhoso,
nos fizesse um mal intencional de algum modo, de repente n鏀 perceber燰mos com nitidez que ele n緌 era de fato composto exclusivamente por qualidades positivas.
Da mesma forma, se nosso inimigo, aquele que odiamos, vier a nos implorar o perd緌 com sinceridade e continuar a nos demonstrar benevol瘽cia, improv嫛el que continuemos
a encar嫮o como totalmente mau. Portanto, mesmo quando estamos com raiva de algu幦 que imaginamos n緌 ter absolutamente nenhuma qualidade positiva, a realidade
que ningu幦 inteiramente mau. Se procurarmos com bastante afinco, descobriremos que essa pessoa deve ter algumas boas qualidades. Logo, a tend瘽cia a considerar
que algu幦 totalmente negativo tem origem na nossa pr鏕ria percep誽o, baseada na nossa pr鏕ria proje誽o mental, em vez de derivar da verdadeira natureza do indiv獮uo.

A TRANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

"Da mesma forma, uma situa誽o que de in獳io pare蓷 ser 100% negativa pode ter alguns aspectos positivos. Vias para mim, mesmo que tenhamos descoberto um
滱gulo positivo para uma situa誽o nociva, sisso n緌 costuma ser suficiente. Ainda preciso fortalecer essa id嶯a. Talvez precisemos nos recordar desse 滱gulo
positivo muitas vezes, atque aos poucos nossa impress緌 mude. Em geral, uma vez que jnos encontremos numa situa誽o dif獳il, n嫪 poss癉el mudar nossa atitude
com a mera ado誽o de um pensamento espec璗ico uma vez ou duas. Trata-se, sirr,, de um processo de aprendizado de novos pontos de vista, de treinamento e familiariza誽o
com eles, que nos permiie lidar com a dificuldade."
O Dalai-Lama refletiu por um momen:o e, fiel sua habitual postura pragm嫢ica, acrescentou.
- Se, entretanto, apesar dos nossos esfor蔞s, n緌 descobrimos nenhum 滱gulo ou perspectiva positiva para o ato de uma pessoa, nesse caso, pelo menos por
um tempo, a melhor atitude a tomar pode ser a de simplesm迸te tentar esquecer a situa誽o.

Inspirado pelas palavras do Dalai-Lama, mais tarde naquela noite procurei descobrir alguns "滱gulos positivos" no administrador, enfoques de acordo com os quais
ele n緌 fosse " 100% mau". N緌 foi dif獳il. Eu sabia que ele era um pai amoroso, por exemplo, que procurava criar os filhos da melhor maneira poss癉el. E tive de
admitir que meus confrontos com ele em tima an嫮ise me beneficiaram - sua contribui誽o havia sido fundamental para minha decis緌

199
A ARTE DA FELICIDADE

de abandonar o trabalho naquela institui誽o, o que acabou me levando para um emprego mais satisfat鏎io. Embora essas reflex髊s n緌 produzissem em mim uma estima
imediata pelo homem, era inquestion嫛el que elas amenizaram meus sentimentos de 鏚io, com um esfor蔞 surpreendentemente pequeno. Em breve, o Dalai-Lama apresentaria
uma li誽o ainda mais profunda: como transformar completamente nossa atitude diante dos nossos inimigos e aprender a valorizlos.

UMA NOVA PERSPECTIVA DIANTE DO INIMIGO

O m彋odo b嫳ico usado pelo Dalai-Lama para transformar nossa atitude a respeito dos nossos inimigos envolve uma an嫮ise sistem嫢ica e racional da nossa rea誽o
costumeira 跲ueles que nos prejudicam. Ele explicou esse m彋odo.
- Vamos come蓷r examinando nossa atitude caracter疄tica diante dos nossos rivais. Em geral, claro que n緌 desejamos nada de bom para nossos inimigos. No
entanto, mesmo que por meio dos nossos atos tornemos nosso inimigo infeliz, em que isso deveria nos alegrar tanto? Se refletirmos com aten誽o, como pode haver algo
mais desgra蓷do do que essa atitude? Carregar por ao fardo de semelhantes sentimentos de hostilidade e mvontade. E serque realmente queremos ser t緌 mesquinhos?
"Se nos vingarmos dos nossos inimigos, isso gera um c甏culo vicioso. Se retaliarmos, a outra pessoa n緌 vai aceitar isso. Ela vai se desforrar de n鏀, n鏀
agiremos da mesma forma e assim por diante. E em especial, quando isso

A TRANSFORMAЫO D O SOFRIMI

acontece no n癉el das comunidaides, pode passar dfuma gera誽o para a outra. O resultado que ojs dois lad,s sofrem. Desse modo, todo o objetivo da viloa prejud=ado.
Pode-se ver isso nos campos dQ refugiadc3s onde s cultiva o 鏚io pelo outro grupo. Ruma atitude que se iistala desde a inf滱cia. muito triste. ]Por isso, a
raiva ou c鏚io como o anzol de um pescador. impo)rtant疄simc que nos certifiquemos de n緌 ser fisgados por esse anzc-
"Agora, algumas pessoas consideram que o 鏚' intenso bom para os interesses nacionais.
Para mim isso muito negativo. Demonstra falta de vis緌. Contra~r-se a esse modo de pensar a base do esp甏ita da n緌-vpl瘽cia e da compreens緌."

Tendo questionado nossa atitude caracter疄tica ciante do nosso inimigo, o Dalai-Lama passou proposta deuma forma alternativa de encarar o inimigo, uma
nova pers~ectiva que poderia ter um impacto reyolucion嫫i
o na nossa vida.
- No budismo, em geral, presta-se muita aten,o 跴
nossas atitudes diante dos nossos rivais ou . Isso
inimigos. porque o 鏚io pode ser o maior obst塶ulo ao desenNolvimento da compaix緌 e da felicidade. Se pudermos a? render a desenvolver a paci瘽cia e a toler滱cia
para comnossos inimigos, tudo o mais pasva a ser muito mais -塶il. Nossa compaix緌 por todos os outros sere:; come蓷 afluir naturalmente.
"Portanto, para quem pratica a espiritualidade, nossos inimigos desempenham um papel crucial. Ao meu ver, a compaix緌 a ess瘽cia da vida e3piritual. E,
Sara que tenhamos pleno sucesso na pr嫢ica d9 amor e d compaixJo~ indispens嫛el o exerc獳io da paci瘽cia e da toler滱cia. N緌

ENTO

201
A ARTE DA FELICIDADE

hfor蓷 moral que se compare paci瘽cia, exatamernte como n緌 hpior tormento do que o 鏚io. Logo, devemos envidar nossos melhores esfor蔞s para n緌 nutrir 鏚io
pelo inimigo; mas, sim, usar o confronto como uma oportunidade para aprimorar nossa pr嫢ica da paci瘽cia e da toler滱cia.
"Na realidade, o inimigo a condi誽o necess嫫ia para a pr嫢ica da paci瘽cia. Sem uma a誽o do inimigo, n緌 poss癉el o surgimento da paci瘽cia ou da toler滱cia.
Nossos amigos n緌 costumam nos testar de modo que forne蓷 a oportunidade para cultivar a paci瘽cia. Somente nossos inimigos agem desse modo. Logo, a partir dessa
perspectiva, podemos considerar nosso inimigo um grande mestre, e reverencilo por nos conceder essa preciosa oportunidade para o exerc獳io da paci瘽cia.
"Ora, hmuitas, muitas pessoas no mundo, mas s緌 relativamente poucas aquelas com quem interagimos; e ainda menor o nero daquelas que nos causam problemas.
Portanto, quando deparamos com uma ocasi緌 dessas para praticar a paci瘽cia e a toler滱cia, dever燰mos tratla com gratid緌. Ela rara. Exatamente como se tiv廥semos
encontrado inesperadamente um tesouro na nossa pr鏕ria casa, dever燰mos nos sentir felizes e gratos ao nosso inimigo por nos propiciar essa oportunidade preciosa.
Isso porque, se um dia chegarmos a ter sucesso na nossa pr嫢ica da paci瘽cia e da toler滱cia, que s緌 fatores essenciais para contrabalan蓷r as emo踥es negativas,
isso serdevido combina誽o dos nossos pr鏕rios esfor蔞s com a oportunidade fornecida pelo inimigo.
"Naturalmente, ainda podemos ter nossas didas. `Por que eu deveria venerar meu inimigo, ou admitir sua con-

202

A T'RANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

tribui誽o, se o) inimigo n緌 tinha nenhuma inten誽o de me proporcionar 'essa preciosa oportunidade para a pr嫢ica da

paci瘽cia, se gele n緌 tinha nenhuma inten誽o de me ajudar? E n緌 se trata apenas de eles n緌 terem nenhum de-

sejo ou inten誽o de me ajudar, mas de nutrirem, sim, uma inten誽o deliberada e maliciosa de me prejudicar! Logo, o correto odilos. Decididamente, eles n緌 s緌
dignos de respeito.' Corra efeito, no fundo a presen蓷 no inimigo

desse estado mental voltado para o 鏚io, dessa inten誽o de ferir, que torna a a誽o do inimigo singular. Se n緌 fosse assim, caso se tratasse apenas do ato real de
nos ferir, n鏀

odiar燰mos os m嶮icos e os considerar燰mos inimigos porque 跴 vezes eles adotam m彋odos que podem ser doloro-

sos, como por exemplo a cirurgia. Mesmo assim, n緌 consideramos esses atos prejudiciais ou t甑icos de um inimi-

go, porque a inten誽o por parte do m嶮ico era a de nos ajudar. Logo, exatamente essa inten誽o deliberada de nos ferir o que torna o inimigo inigual嫛el e nos concede
essa preciosa oportunidade de praticar a paci瘽cia."

i~ sugest緌 do Dalai-Lama de que veneremos nossos inimigos pelas opounidades de crescimento que eles nos proporcionam poderia a princ甑io ser um pouco dif獳il de

engolir. No entanto, a situa誽o an嫮oga de uma pessoa que procura tonificar e fortalecer o corpo atrav廥 do treinamento com pesos. Naturalmente, a atividade
de levantar

pesos desconfort嫛el no in獳io - eles s緌 pesados. A pessoa se esfor蓷, _ranspira, luta. Por幦, o pr鏕rio ato de lutar contra a resist瘽cia que acaba resultando
na nossa for-

203
A ARTE DA FELICIDADE

蓷. Apreciamos os bons equipamentos de peso, n緌 por nenhum prazer imediato que nos forne蓷m, mas pelo benef獳io final que obtemos.
Talvez atmesmo as alega踥es do Dalai-Lama a respeito da "raridade" e "alto valor" do Inimigo sejam mais do que meras racionaliza踥es fantasiosas. Quando
escuto meus pacientes descreverem suas dificuldades com outros, isso fica totalmente claro: no fundo, a maioria das pessoas n緌 tem legi髊s de inimigos e antagonistas
com os quais esteja em luta, pelo menos n緌 num n癉el pessoal. Geralmente o conflito apenas se restringe a algumas pessoas. Um chefe, talvez, um colega de trabalho,
um ex-c獼juge ou um irm緌. A partir desse ponto de vista, O Inimigo realmente "raro" - o quinh緌 que nos cabe limitado. E a luta, o processo de resolver conflitos
com O Inimigo atrav廥 do aprendizado, do estudo, da descoberta de modos alternativos de lidar com ele - que acaba resultando em verdadeiro crescimento, em profundidade
de percep誽o e em 瞡ito em termos psicoter嫚icos.
Imaginem como seria se pass嫳semos pela vida sem nunca encontrar um inimigo ou qualquer outro obst塶ulo, por sinal. Se desde o ber蔞 ato tulo, todos
nos paparicassem, nos abra蓷ssem, nos dessem comida na boca (alimentos macios e suaves, de f塶il digest緌), se nos divertissem com caretas engra蓷das e com o eventual
barulhinho de "gu-gu". Se desde a tenra inf滱cia f盭semos carregados para le para cnuma cesta (mais tarde, talvez, numa liteira), jamais enfrentando nenhum desafio,
nenhum teste em suma, se todos continuassem a nos tratar como um beb Isso poderia parecer bom a princ甑io. Mas, se persistisse, somente poderia resultar em nos
tornarmos uma es-

?04

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

p嶰ie de massa gelatinosa, uma monstruosidade, mesmo com o desenvolvimento mental e emocional de uma vitela. a pr鏕ria batalha da vida que faz de n鏀 quem n鏀
somos. E s緌 nossos inimigos que nos testam, que nos fornecem a resist瘽cia necess嫫ia para o crescimento.

SERQUE ESSA ATITUDE PR糞ICA?

O m彋odo de abordar nossos problemas racionalmente e de aprender a visualizar nossos problemas ou nossos inimigos de perspectivas alternativas sem dida
parecia um objetivo interessante, mas eu me perguntava atque ponto isso poderia realmente produzir uma transforma誽o fundamental da atitude. Lembrei-me de ter
lido numa entrevista que uma das pr嫢icas espirituais di嫫ias do DalaiLama consistia em recitar uma ora誽o, "The Eight Verses on the Training of the Mind" [Oito
versos sobre o treinamento da mente], composta no s嶰ulo XI pelo santo tibetano Langri Thangpa. Em parte, diz ela:

Sempre que me relacionar com algu幦, que eu me considere a criatura mais 璯fima de todas e que encare o outro como supremo do fundo do meu cora誽o!...

Quando eu vir seres de natureza perversa, oprimidos por tormentos e pecados violentos, que eu considere de alto valor essas criaturas raras como se tivesse
encontrado um precioso tesouro!...
Quando os outros, por inveja, me tratarem mal com im-
preca踥es, calias e atitudes semelhantes. que eu sofra a der
rota e ofere蓷 a vit鏎ia aos outros ....

z05
A ARTE DA FELICIDADE

Quando aquele, a quem beneficiei com grande esperan蓷, me ferirprofundamente, que eu possa encarlo como meu supremo Guru!
Em suma, que eu possa, direta ou indiretamente, ofe-
recer benef獳ios e felicidade a todos os seres; que eu em se
gredo possa assumir nos meus ombros a dor e o sofrimento
de todos os seres ....

- Sei que o senhor refletiu muito sobre essa ora誽o perguntei ao Dalai-Lama depois de ler a respeito - mas o senhor realmente acha que ela seja aplic嫛el
nestes nossos tempos? Quer dizer, ela foi composta por um monge que vivia num mosteiro, um ambiente em que a pior coisa que poderia acontecer seria algu幦 fazer
intrigas a nosso respeito, contar mentiras sobre n鏀 ou talvez um eventual soco ou tapa. Nesse caso, poderia ser f塶il "oferecer a vit鏎ia" a essas pessoas; mas
na sociedade de hoje, o "mal" ou o mau tratamento que recebemos dos outros poderia incluir o estupro, a tortura, o assassinato e assim por diante. A partir desse
ponto de vista, a atitude recomendada na ora誽o realmente n緌 parece vi嫛el. - Eu me sentia um pouquinho presun蔞so por ter feito uma observa誽o que me parecia bastante
h墎il, um verdadeiro achado.
O Dalai-Lama permaneceu em sil瘽cio alguns minutos, com o cenho enrugado, imerso em pensamento.
- Pode haver alguma verdade no que vocestdizendo - disse ele e passou a examinar circunst滱cias em que pode haver necessidade de alguma modifica誽o para
essa atitude, em que pode ser necess嫫io adotar medidas contra a agressividade dos outros a fim de impedir que eles firam a n鏀 mesmos ou a terceiros.

2oG

A TRANSFORNIAШO DO SOFRIMENTO

Mais tarde naquela noite, refleti sobre nossa conversa. Dois pontos sobressa甏am nitidamente. Primeiro, fiquei impressionado com sua extraordin嫫ia facilidade
para reexaminar suas pr鏕rias cren蓷s e pr嫢icas. Nesse caso, ele demonstrava disposi誽o para reavaliar uma ora誽o amada que sem dida se havia fundido com seu
pr鏕rio ser atrav廥 de anos de repeti誽o. O segundo ponto era menos inspirador. Fiquei arrasado com a percep誽o da minha pr鏕ria arrog滱cia. Ocorreu-me que eu lhe
havia sugerido que a ora誽o poderia n緌 ser adequada por n緌 condizer com as duras realidades do mundo moderno. Foi smais tarde, por幦, que pensei bem sobre a
pessoa com quem estivera falando: um homem que havia perdido um pa疄 inteiro em conseqncia de uma das invas髊s mais brutais da hist鏎ia. Um homem que vivia no
ex璱io havia quase quatro d嶰adas enquanto toda uma na誽o colocava nele suas esperan蓷s e sonhos de liberdade. Um homem com uma profunda no誽o de responsabilidade
pessoal, que ouve com compaix緌 um desfile cont璯uo de refugiados que v瘱 desabafar suas hist鏎ias do assassinato, estupro, tortura e degrada誽o do povo tibetano
por parte dos chineses. Mais de uma vez contemplei a express緌 de preocupa誽o e tristeza infinita no seu rosto enquanto escuta esses relatos, com freqncia transmitidos
por pessoas que atravessaram o Himalaia a p(uma viagem de dois anos) spara vlo de relance.
E essas hist鏎ias n緌 se limitam viol瘽cia f疄ica. Muitas vezes elas envolvem a tentativa de destruir o esp甏ito do povo tibetano. Um refugiado tibetano
uma vez me falou sobre a `escola" chinesa que foi obrigado a freqntar quan-

,o-,
A ARTE DA FELICIDADE

do jovem, ainda em crescimento, no Tibete. As manh綼 eram dedicadas doutrina誽o e ao estudo do "pequeno livro vermelho" do Presidente Mao. As tardes eram voltadas
para a apresenta誽o de v嫫ios trabalhos de casa. Os "trabalhos de casa" eram geralmente projetados de modo a erradicar do povo tibetano o esp甏ito do budismo neles
profundamente entranhado. Por exemplo, tendo conhecimento da proibi誽o budista de matar e da cren蓷 de que todas as criaturas vivas s緌 igualmente "seres sencientes",
um professor deu aos seus alunos a tarefa de matar alguma coisa e trazla para a escola no dia seguinte. Os alunos recebiam notas. Cada animal morto recebia uma
quantidade de pontos - uma mosca valia um ponto; uma minhoca, dois; um camundongo, cinco; um gato, dez; e assim por diante. (Recentemente, quando relatei essa hist鏎ia
a um amigo, ele abanou a cabe蓷 com uma express緌 de nojo e comentou: "Eu me pergunto quantos pontos o aluno ganharia por matar esse professor infame.")
Atrav廥 de pr嫢icas espirituais, como a recita誽o de "The Eight Verses on the Training of the Mind", o Dalai-Lama conseguiu aceitar a realidade dessa situa誽o
e ainda assim continuar sua campanha ativa pela liberdade e pelos direitos humanos no Tibete por quarenta anos. Ao mesmo tempo, ele manteve uma atitude de humildade
e compaix緌 para com os chineses, que inspirou milh髊s de pessoas no mundo inteiro. E aqui estava eu, sugerindo que sua ora誽o talvez n緌 fosse aplic嫛el 跴 "realidades"
do mundo moderno. Ainda enrubes蔞 de vergonha sempre que me lembro daquela conversa.

A TRANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

A DESCOBERTA DE NOVAS PERSPECTIVAS

Ao tentar aplicar o m彋odo do Dalai-Lama de mudair a perspectiva ao encarar "o inimigo", eu por acaso depairei com outra t嶰nica numa tarde. Durante o processo
de elabora誽o deste livro, assisti a algumas palestras dadas prelo Dalai-Lama na Costa Leste. Para voltar para casa, peguei um v璺 sem escalas atPhoenix. Como
de costume, eu havia reservado uma poltrona de corredor. Apesar de ater acabado de ouvir ensinamentos espirituais, eu estava bastante irritadi蔞 quando embarquei
no avi緌 lotado. Descobri ent緌 que por engano me haviam destinado uma poltrona de centro - sanduichado entre um homem de prropor踥es avantajadas que tinha o h墎ito
irritante de deixar cair o bra蔞 grosso do meu lado do descanso de bra蔞 e uma mulher de meia-idade com quem antipatizei de irrnediato jque, segundo minha conclus緌,
ela havia usurpado minha poltrona de corredor. Havia algo nessa mulher que realmente me incomodava - sua voz um pouco aguda demais, seu jeito ligeiramente autorit嫫io,
n緌 sei bem o qu Logo depois da decolagem, ela come蔞u a conversar o tempo todo com o homem que estava sentado diretamente sua frente. Revelou-se que o homem
era seu marido, e eu "gentilmente" me ofereci para trocar de lugar com ele. Mas eles n緌 aceitaram. Os dois queriam poltronas de corredor. Fiquei ainda mais contrariado.
A perspectiva de passar cinco horas inteiras sentado ao lado dessa mulher parecia insuport嫛el.
Consciente de que eu estava tendo uma rea誽o muito forte a uma mulher que nem conhecia, decidi que deve~

zo1)
A ARTE DA FELICIDADE

ria ser "transfer瘽cia" - ela devia me lembrar de modo inconsciente algu幦 da minha inf滱cia - os velhos sentimentos n緌 resolvidos de 鏚io-pela-m綣 ou algo semelhante.
Esforcei-me ao m嫞imo mas n緌 consegui encontrar uma candidata plaus癉el. Ela simplesmente n緌 me lembrava ningu幦 do meu passado.
Ocorreu-me ent緌 que essa era a perfeita oportunidade para praticar o desenvolvimento da paci瘽cia. Por isso, comecei pela t嶰nica de visualizar meu inimigo
na minha poltrona de corredor como uma querida benfeitora, posta ao meu lado para me ensinar paci瘽cia e toler滱cia. Pensei que fosse ser moleza. Afinal de contas,
no que diz respeito a inimigos, seria imposs癉el ter um mais ameno - eu acabava de conhecer essa mulher e ela na realidade n緌 fizera nada para me prejudicar. Depois
de uns vinte minutos, desisti. Ela ainda me perturbava! Resignei-me a continuar irrit嫛el pelo resto do v璺. Emburrado, lancei um olhar ferino para uma das suas
m緌s que furtivamente come蓷va a invadir meu descanso de bra蔞. Eu odiava tudo nessa mulher. Estava olhando distra獮o para a unha do seu polegar quando me ocorreu
uma pergunta. Eu odiava aquela unha? No fundo, n緌. Era apenas uma unha normal. Sem nada de extraordin嫫io. Em seguida, olhei de relance para seu olho e me perguntei
se realmente odiava aquele olho. Odiava, sim. (Claro que sem nenhum motivo razo嫛el - que a forma mais pura do 鏚io). Aproximei mais meu foco. Eu odeio aquela
pupila? N緌. Odeio aquela c鏎nea, aquela 甏is ou aquela escler鏒ica? N緌. Ent緌, eu realmente odeio aquele olho? Tive de admitir que n緌 odiava. Senti que estava
avan蓷ndo. Passei para uma articula誽o dos dedos,

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

urp dedo, um maxilar, um cotovelo. Com certa surpresa, descobri que havia partes dessa mulher que eu n緌 detestava. A concentra誽o do foco em detalhes, em itens
espec璗icos, em vez da generaliza誽o excessiva, permitiu uma suta mudan蓷 interna, um abrandamento. Essa mudan蓷 dperspectiva rasgou uma brecha no meu preconceito,
de lafgura suficiente para que eu visse essa mulher simplesmente como outro ser humano. Quando estava com esse sentimento, ela de repente se voltou para mim e entabulou
uma conversa. N緌 me lembro do que falamos - em sua maior parte papo sem import滱cia -, mas antes do final d0 v璺 minha raiva e irrita誽o estavam dissipadas. Admito
qye ela n緌 passou a ser minha Nova Grande Amiga, mas tamb幦 n緌 era mais A Perversa Usurpadora da Minha Poltr<~)na de Corredor - era sum ser humano, como eu,
que estava passando pela vida da melhor forma poss癉el.

UMA MENTE FLEX炑EL

A capacidade de mudar de perspectiva, de encarar n(~Issos problemas "a partir de 滱gulos diferentes", propiciada por uma flexibilidade da mente. A maior
vantagem de uma mente flex癉el consiste em que ela nos permite abra蓷r toda a vida - a plenitude de sermos vivos e humanOs. Em seguida a um longo dia de palestras
ao plico em Tocson, uma tarde o Dalai-Lama voltava a psua su癃e no hotel. Enquanto caminhava lentamente para seus aposentos, uma fileira de nuvens viol塶eas
cobriu o c徼, absorvendo a luz do final da tarde e conferindo forte relevo 跴
A AIRTE DA FELICIDADE

montanhas Catalina. 'ioda a paisagem era uma enorme paleta em matizes de ioxo. O efeito era espetacular. O ar quente, carregado cote a fragr滱cia de plantas do deserto,
de s嫮via, uma umidacle, uma brisa inquieta, trazendo a promessa de uma tempestade desenfreada caracter疄tica da regi緌 de Sonora. O J)alai-Lama parou. Por alguns
instantes, contemplou calado o horizonte, impregnando-se do panorama, e finalmente fez algum coment嫫io sobre a beleza do local. Seguiu adiante, mas ap鏀 alguns
passos parou de novo, abaixando-se para examinar um minculo bot緌 lil嫳 numa pequena planta. Tocou-o de leve, observando sua forma delicada, e se perguntou em
voz alta qual seria o nome da planta. Fiquei impressionado com a facilidade com que sua mente funcionava. Sua consci瘽cia parecia passar com extrema facilidade da
percep誽o da paisagem total pare o enfoque concentrado num ico bot緌, uma aprecia誽e simult滱ea da totalidade do ambiente e do detalhe mais 璯fimo. Uma capacidade
de abarcar todas as facetas e a variedade da vida em sua plenitude.
Cada um de n鏀 pode desenvolver essa mesma flexibilidade mental. Pelo menos em parte, ela decorre diretamente dos nossos esfor蔞s para ampliar nossa perspectiva
e deliberadamente experimentar novos pontos de vista. O resultado final urna consci瘽cia simult滱ea tanto do quadro maior quanto das nossas circunst滱cias individuais.
Essa perspectiva dual, uma vis緌 concomitante do "Grande Universo" e do nosso pr鏕rio "Pequeno Mundo" pode atuar como uma esp嶰e de triagem, ajudando-nos a separar
o que importante n~ vida daquilo que n緌

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

No meu pr鏕rio caso, foi preciso que eu fosse um pouco

instigado pelo Dalai-Lama, durante nossas conversas, para que pudesse come蓷r a me livrar da minha pr鏕ria perspectiva limitada. Por 璯dole e forma誽o, sempre tive
a tend瘽cia a tratar dos problemas a partir do ponto de vista da din滵ica individual - de processos psicol鏬icos que ocorriam meramente dentro dos limites da mente.
Perspectivas

sociol鏬icas ou pol癃icas nunca me foram de grande interesse. Numa conversa com o Dalai-Lama, comecei a questionlo sobre a import滱cia de conseguir uma perspectiva
mais ampla. Como tinha tomado algumas x獳aras de caf
antes, minha conversa tornou-se bastante animada, e comecei a falar da capacidade de mudan蓷 de perspectiva como um processo interno, um objetivo solit嫫io, baseado
exclusivamente na decis緌 consciente de um indiv獮uo de adotar um ponto de vista diferente.

No meio da minha fala entusiasmada, o Dalai-Lama finalmente me interrompeu para me relembrar um ponto.
- Quando falamos de adotar uma perspectiva mais ampla, isso inclui o trabalho de coopera誽o com outras pessoas. Quando temos crises que s緌 de natureza global,

por exemplo, como a do ambiente ou de problemas da estrutura econ獽ica moderna, isso exige um esfor蔞 coordenado e orquestrado entre muitas pessoas, com um sentido
de responsabilidade e de compromisso. Isso mais abrangente do que uma quest緌 pessoal ou individual.

Fiquei irritado por ele estar for蓷ndo o tema do mundo enquanto eu estava tentando me concentrar no indiv獮uo (e essa minha atitude, sinto-me constrangido
por admi-
A ARTE DA FELICIDADE

tir, exatamente quando trat嫛amos do t鏕ico da amplia誽o dos nossos pontos de vista!).
- Esta semana, no entanto - insisti -, nas suas conversas e palestras ao plico, o senhor falou muito na import滱cia de realizar a mudan蓷 pessoal a partir
de dentro, atrav廥 da transforma誽o interior. Por exemplo, o senhor falou na import滱cia de desenvolver a compaix緌, um cora誽o sens癉el, de superar a raiva e o
鏚io, de cultivar a paci瘽cia e a toler滱cia...
- verdade. Naturalmente, a mudan蓷 precisa vir do interior do indiv獮uo. No entanto, quando buscamos solu踥es para problemas globais, precisamos ser capazes
de abordar esses problemas a partir do ponto de vista tanto do indiv獮uo quanto da sociedade como um todo. Logo, quando falamos sobre ser flex癉el, sobre ter uma
perspectiva mais ampla, entre outras coisas, isso exige a capacidade de lidar com problemas em diversos n癉eis: no individual, no da comunidade e no global.
"Ora, por exemplo, na palestra na universidade no outro dia, falei sobre a necessidade de reduzir a raiva e o 鏚io por meio do cultivo da paci瘽cia e da
toler滱cia. Minimizar o 鏚io semelhante a um desarmamento interno. Por幦, como tamb幦 mencionei naquela palestra, esse desarmamento interno precisa ser acompanhado
de um desarmamento externo. Isso para mim muito, muito importante. Felizmente, depois da queda do imp廨io sovi彋ico, pelo menos por enquanto, n緌 hmais uma amea蓷
de um holocausto nuclear. Por isso, creio ser esta uma 廧oca excelente, um 鏒imo in獳io... N緌 dever燰mos perder essa oportunidade! Agora acho que devemos refor蓷r
a aut瘽-

A TKANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

tica energia da paz. A verdadeira paz... n緌 a mera aus瘽cia da viol瘽cia ou aus瘽cia de guerras. A simples inexist瘽cia de guerras pode resultar de armas, como
a dissuas緌 nuclear. No entanto, a mera aus瘽cia de guerras n緌 equivale a uma paz mundial duradoura e genu璯a. A paz deve brotar de uma confian蓷 mua. E, como
as armas s緌 o maior obst塶ulo ao desenvolvimento da confian蓷 mua, creio que chegada a hora de calcular um meio para nos livrarmos dessas armas. Isso important疄simo.
claro que n緌 podemos realizar isso da noite para o dia. Creio que o modo realista seguir passo a passo. Mas, seja como for, creio que devemos deixar muito claro
nosso objetivo final: o mundo inteiro deveria ser desmilitarizado. Portanto, por um lado dever燰mos estar trabalhando no sentido de desenvolver a paz interior, mas
ao mesmo tempo muito importante que nos esforcemos pelo desarmamento e pela paz exterior tamb幦, fazendo uma pequena contribui誽o da forma que nos for poss癉el.
Essa nossa responsabilidade."

A IMPORT齋CIA DO PENSAMENTO FLEX炑EL

Existe um relacionamento rec甑roco entre uma mente flex癉el e a capacidade de mudar de perspectiva. Uma mente 墔il, flex癉el, nos ajuda a lidar com nossos
problemas a partir de uma variedade de perspectivas e, no sentido inverso, o esfor蔞 deliberado de examinar nossos problemas com objetividade a partir de uma variedade
de perspectivas pode ser visto como um tipo de treinamento de
A ARTE DA FELICIDADE

z16

A TRANSFORIMAШO DO SOFRIMENTO

flexibilidade para a mente. No mundo de hoje, a tentativa de desenvolver um modo flex癉el de pensar n緌 simplesmente um exerc獳io complacente para intelectuais
ociosos. Pode ser uma quest緌 de sobreviv瘽cia. Mesmo numa escala evolutiva, as esp嶰ies que foram mais flex癉eis, mais adapt嫛eis a rnudan蓷s ambientais, sobreviveram
e prosperaram. A vida atualmente caracterizada por mudan蓷s sitas, inesperadas e 跴 vezes violentas. Uma mente flex癉el pode nos ajudar a harmonizar as mudan蓷s
externas que est緌 ocorrendo ao nosso redor. Ela tamb幦 pode nos ajudar a unificar todos os nossos conflitos, incoer瘽cias e arhbival瘽cias interiores. Sem o cultivo
de uma mente male嫛el nosso enfoque torna-se fr墔il, e nosso relacionamento com o mundo passa a ser caracterizado pelo medo. No entanto, ao adotar uma abordagem
flex癉el e male嫛el diante da vida, podemos manter nossa serenidade mesmo nas condi踥es mais inquietas e turbulentas. atrav廥 dos nossos esfor蔞s por alcan蓷r
uma mente flex癉el que podemos propiciar a capacidade de recupera誽o do esp甏ito humano.

A medida que fui conhecendo melhor o Dalai-Lama, eu ficava at獼ito com a extens緌 da sua flexibilidade, da sua capacidade de adotar uma variedade de pontos de vista.
Seria de se esperar que seu papel singular como o budista talvez mais reconhecido do mundo o pusesse na posi誽o de uma esp嶰ie de Defensor da F
- O senhor alguma vez se descobriu com excesso de rigidez no seu ponto de vista, com o pensamento por demais estreito? - perguntei-lhe, com aquela id嶯a
em mente.

- Hum... - ele ponderou por um instante antes de responder em tom decidido. - N緌, acho que n緌. Na realidade, exatamente o (contr嫫io. 龍 vezes sou t緌
flex癉el que sou acusado de n嫪 ter coer瘽cia pol癃ica. - Ele deu uma forte risada. - Algu幦 pode vir a mim e apresentar uma certa id嶯a. E eu vejo a raz緌 para
aquilo que a pessoa diz e concordo com ela, comentando que 鏒imo... Mas ent緌 aparece outra pessoa com o ponto de vista contr嫫io, eu tamb幦 vejo a raz緌 para
o que estdizendo e concordo tamb幦 com ela. 龍 vezes sou criticado por isso e preciso que me relerrlbrem que estamos comprometidos com tal e tal conduta e que
por enquanto devemos nos ater a esse lado.
A partir dessa declara誽o isolada seria poss癉el ter a impress緌 de que o Dalai-Lama indeciso, que n緌 possui princ甑ios norteadores. Na realidade, nada
poderia estar mais afastado da verdade. O Dalai-Lama possui nitidamente um conjunto de cren蓷s b嫳icas que atuam como um substrato para todos os seus atos: uma cren蓷
na bondade latente de todos os seres humanos. Uma cren蓷 no valor da compaix緌. Uma pol癃ica de benevol瘽cia. Uma no誽o da sua semelhan蓷 com todas as criaturas
vivas.
Ao falar da import滱cia de ser flex癉el, male嫛el e adapt嫛el, n緌 pretendo sugerir que nos tornemos camale髊s - mergulhando em qualquer novo sistema de
cren蓷s do qual por acaso estejamos pr闛imos na ocasi緌, mudando nossa identidade, absorvendo passivamente cada id嶯a qual sejamos expostos. Est墔ios superiores
do crescimento e do desenvolvimento dependem de um conjunto de valores fundamentais que possam nos nortear. Um
A ARTE DA FELICIDADE

n緌

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

sistema de valores que possa conferir continuidade e coer瘽cia 跴 nossas vidas, pelo qual possamos avaliar nossas experi瘽cias. Um sistema de valores que possa nos
ajudar a decidir quais objetivos s緌 realmente dignos dos nossos esfor蔞s e quais s緌 desprovidos de significado.
A quest緌 descobrir como podemos manter com coer瘽cia e firmeza esse conjunto de valores latentes e ainda assim permanecer flex癉eis. O Dalai-Lama parece
ter conseguido esse feito, come蓷ndo por reduzir seu sistema de cren蓷s a alguns fatos fundamentais: 1) Sou um ser humano. 2) Quero ser feliz e n緌 quero sofrer.
3) Outros seres humanos, como eu, tamb幦 querem ser felizes e n緌 querem sofrer. Real蓷r o terreno comum que ele compartilha com os outros, em vez das diferen蓷s,
resulta numa sensa誽o de liga誽o com todos os seres humanos e conduz sua cren蓷 b嫳ica no valor da compaix緌 e do altru疄mo. Usando a mesma abordagem, pode ser
tremendamente gratificante apenas dedicar algum tempo a refletir sobre nosso pr鏕rio sistema de valores e reduzi-lo a seus princ甑ios fundamentais. a capacidade
de reduzir nosso sistema de valores aos seus elementos mais essenciais, e viver de acordo com essa posi誽o privilegiada, que nos permite maior liberdade e flexibilidade
para lidar com a enorme sucess緌 de problemas que nos confrontam diariamente.

A PROCURA DO EQUIL沴RIO

Desenvolver uma abordagem flex癉el diante da vida scontribui para nos ajudar a lidar com problemas do

dia-a-dia - tamb幦 passa a ser uma pedra angular para ume elemento essencial de uma vida feliz: o equil燢rio.
Acomodando-se confortavelmente na sua poltrona u" dia de manh o Dalai-Lama explicou o valor de se levatt uma vida equilibrada.
- Uma abordagem h墎il e equilibrada diante da vida com o cuidado de evitar exageros, torna-se um fator important疄simo na condu誽o da nossa exist瘽cia di嫫ia.
F
importante em todos os aspectos da vida. Por exemplo, ac~, plantar uma muda de uma planta ou de uma 嫫vore, n<~, seu primeir疄simo est墔io, preciso ser muito h墎il
e delicado. Um excesso de umidade a destruir o excesso dt, sol a destruir A falta deles tamb幦 a destr鏙. Logo, o que necess嫫io um ambiente muito equilibrado
no qual a muda possa apresentar um crescimento saud嫛el. Ou aindg quando se trata da sae de uma pessoa, um excesso ou falta de qualquer coisa pode ter efeitos
nocivos. Por exerr~_ plo, creio que o excesso de prote璯a prejudicial, e a falta tamb幦.
"Essa abordagem h墎il e delicada, com cuidados pala evitar extremos, aplica-se tamb幦 ao crescimento saud:~vel mental e emocional. Por exemplo, se nos flagramos
sendo arrogantes, envaidecidos, com base nas nossas qu塺 lidades ou realiza踥es supostas ou verdadeiras, o ant獮~)to consiste em pensar mais sobre nossos pr鏕rios
probl,_ mas e sofrimento, numa contempla誽o dos aspectos insatisfat鏎ios da exist瘽cia. Isso irnos ajudar a baixar o n癉el do nosso estado mental exaltado, trazendo-nos
mais para o ch緌. J pelo contr嫫io, se descobrirmos que refletir sobre a natureza decepcionante da exist瘽cia, sobre o sofri-
A TRANSIFORMAЫO DO SOFFFRIMENTO)

A ARTE DA FELICIDn.~

mento, a dor e temas semelhantes, faz com que nos sinta-
"Em outras palavras" disse ele, ap鏞鏀 um instante de re
atamb幦 ho flex緌 "a pr嫢ica dia Dharmo, a verdaqadeira pr嫢ica espir

mos totalmente arrasados com tudo isso, .I
caso, poder燰mos tual, em certo sentido semelhante a ~ um estabilizador dle

de chegar ao outro extremo. Nesse > p
perigo ddeprimidos, pen- voltagem. A fun誽io do estabilizador c consiste cem impedir
ficar totalmente desanimados, indefesos e ue n緌 servimos oscila踥es de enetrgia e, em vez disso, fornecer uma fonte
sando que n緌 conseguimos fazer nada, q
importante a capacidade de energia est嫛ell e constante."
da. Nessas circunst滱cias, para na
- O senhor salienta a import滱ci-,ia de evitar os extre-

de elevar nossa mente refletindo sobre nossas realiza踥es, momento e sobre mos - atalhei - ruas serque chegar
cque chegar
~r a extremos n緌 o

sobre o progresso que fizemos ato
a odor melhorar a que proporciona a emo誽o e o entusi
'siasmo na vida? Se ewi-

outras qualidades positivas de modo p
desanima- tarmos todos os extremos na vida, s sempre escolhendo o

disposi誽o e escapar daquele estado de esp甏ito do ou desmoralizado. Portanto, o que
necess嫫io aqui "caminho do meio", isso n緌 levariaia apenas a uma exis-

uilibrado e h墎il. t瘽cia ins甑ida e sem gra蓷?
uni um tipo de enfoque muito equilibrado
bordagem ser valiosa - creio que vocprecisa compr~reender a origem opa a

"N緌 se trata apenas de essa a
se aplica tamb幦 base dos extremos de comportameento - respondeu ele,

ara nossa sae f疄ica e emocional; ela p
. Ora, por exemplo, a negando com uni movimento de caabe蓷. - Tomemos por

nosso desenvolvimento espiritual ao no
diferen- exemplo a busca de bens materiais:: moradia, mob璱ia, wes
tradi誽o budista inclui muitas t嶰nicas e pr嫢icas tes. por幦, important疄simo ser muito h墎il na aplica誽o tu嫫io e assim por diante. Por um lado,
pode-se ver a ~po
ue damos 跴 v嫫ias t嶰nicas e procurar n緌 chegar a ex- breza como uni tipo de extremo, ee temos todo direito de
q
de uma abor- lutar para superla e para garantitlr nosso conforto f疄ico.
tremos. Tamb幦 sob esse aspecto precisamos dagem h墎il e equilibrada. Quando nos dedicamos pi Por outro lado, o excesso de luxo. a busca exagerada
da
enfoque coordenado, que riqueza outro extremo. Nosso objetivo final, ao procurar
tina budista,
essencial ter um enfoq associe o estudo e o aprendizado 跴 pr嫢icas da contem- maior prosperidade, uma sensa誽o de satisfa誽o, de feli-

i
to relevante para que cidade. No entanto, a pr鏕ria fundiamenta誽o da busca por

fia誽o e da medita誽o. Esse um ponto
o aprendizado finte- mais uma impress緌 de n緌 ter
r o suficiente, um sentip
n緌 haja nenhum desequil燢rio entre 緌 r嫢ica. Em caso mento de insatisfa誽o. Esse sentimento de insatisfa誽o, de

central ou acad瘱ico e a i.mplementap
contr嫫io, ho perigo de que um excesso de intelectuali- querer sempre mais e mais, n緌 deriva da atra誽o ineren
mpcativas. Por outro te que os objetos que buscamos exerceriam sobre nosso
zadoo sufoque as pr嫢icas mais contelado, um excesso de 瘽fase na implementa誽o pr嫢ica sem desejo; mas deriva, sim, do nosscp estado mental.
o estudo acaba sufocando o entendimento. Por isso, pie- "por isso que acredito que nossa tend瘽cia a chegar
a extremos muitas vezes nutriciso que haja um equil燢rio
2?I
220
A ARTE DA FELICIDADE

tente de insatisfa誽o. E, naturalmente, pode haver outros fatores que levem a extremos. Mas eu considero importante reconhecer que, embora chegar a extremos possa
parecer atraente ou 'empolgante' em termos superficiais, essa atitude pode de fato ser prejudicial. Hmuitos exemplos dos perigos de chegar a extremos, do comportamento
desenfreado. Creio que, com a an嫮ise dessas situa踥es, conseguiremos ver que a conseqncia das atitudes extremas que n鏀 mesmos acabamos sofrendo. Por exemplo,
numa escala planet嫫ia, se nos dedicarmos pesca excessiva, sem uma considera誽o adequada pelas conseqncias a longo prazo, sem uma no誽o de responsabilidade,
o resultado sero esgotamento da popula誽o de peixes... Ou o comportamento sexual. claro que existe o impulso sexual biol鏬ico pela reprodu誽o e tudo o mais,
bem como a satisfa誽o que se obt幦 com a atjvidade sexual. No entanto, se o comportamento sexual for levado a extremos, sem a responsabilidade adequada, ele leva
a muitos problemas, abusos... como a viol瘽cia sexual e o incesto."
- O senhor mencionou que, al幦 de uma sensa誽o de insatisfa誽o, pode haver outros fatores que levem a extremos...
- sem dida - disse ele, assentindo com a cabe蓷.
- Pode dar um exemplo?
- Creio que a mentalidade estreita poderia ser mais um fator que leva a extremos.
- A mentalidade estreita em que sentido...?
- A pesca excessiva que leva ao esgotamento da popula誽o de peixes seria um exemplo de mentalidade estreita, no sentido de que a pessoa estolhando exclusiva-

222

A TRANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

mente para o curto prazo, e ignorando a realidade maior. Nesse caso, poder燰mos usar a instru誽o e o conhecimento para ampliar nossa perspectiva e tornar nossos
pontos de vista menos estreitos.

O Dalai-Lama apanhou suas contas de ora誽o de uma
mesa lateral, esfregando-as entre as m緌s enquanto ruminava em sil瘽cio sobre a quest緌. Olhando de relance para elas, de repente continuou.
- Creio que sob muitos aspectos as atitudes tacanhas levam ao pensamento radical. E isso gera problemas. Por exemplo, o Tibete foi uma na誽o budista durante
muitos s嶰ulos. Naturalmente, disso resultou que os tibetanos consideravam ser o budismo a melhor religi緌, al幦 de ter surgido a tend瘽cia a acreditar que seria
positivo se toda a humanidade passasse a ser budista. A id嶯a de que todo o mundo deveria ser budista totalmente radical. E esse tipo de pensamento extremo somente
causa problemas. Mas agora que deixamos o Tibete, tivemos a oportunidade de entrarem contato com outras tradi踥es religiosas e de aprender sobre elas. Isso possibilitou
que nos aproxim嫳semos mais da realidade: com a percep誽o de que na humanidade existem muitas disposi踥es mentais diferentes. Mesmo que tent嫳semos tornar o mundo
inteiro budista, isso n緌 seria vi嫛el. Por meio de um contato mais pr闛imo com outras tradi踥es, percebemos os aspectos positivos delas. Agora, quando deparamos
com outra religi緌, de in獳io surge uma sensa誽o positiva, agrad嫛el. Se aquela pessoa considera uma tradi誽o diferente mais adequada, mais eficaz, acreditamos que
isso seja bom! Passa a ser como ir a um restaurante. Todos podemos nos sentar mesma mesa e pe-

223
A AF,TE DA FELICIDADE

dir pratos diferentes cle acordo com nosso paladar. Podemos comer pratos diferentes, senl nenhuma discuss緌 a respeito disso!
"Por isso creio qae, ao ampliar deliberadamente nossas perspectivas, podemos muitas vezes superar o tipo de pensamento radical qlie leva a conseqncias
t緌 negativas."
Com esse pensamento, o

1 11

Cap癃ulo 11

1)alal-Lama deixou que as contas se enrolassem no pulse, afagou minha m緌 num gesto am嫛el e se levantou para encerrar a conversa.

224

A DESCOBERTA DO SIGNIFICADO
NA DOR E NO SOFRIMENTO

~ Tictor Fra.nkl, um psiquiatra judeu preso pelos nazistas V na Segunda Guerra Mundial, disse uma vez: "O homem estpronto para suportar qualquer sofrimento e disposto
a isso, desde que e enquanto consiga ver no sofrimento um significado." Frankl usou sua viv瘽cia brutal e desumana nos campos de concentra誽o para obter uma compreens緌
mais profunda de como as pessoas sobrevi-
viam 跴 atrocidades. Com uma observa誽o minuciosa de quem sobrevivia e quem morria, ele estabeleceu que a sobreviv瘽cia n緌 se baseava na juventude ou na for蓷 f疄ica,
mas, sim, na, for蓷 derivada de um objetivo e da descoberta de significado na vida e na experi瘽cia da pessoa.
A IXRTE DA FELICIDADE

Encontrar significado no sofrimento um m彋odo poderoso para nos ajudar a enfrentar situa踥es mesmo nos momentos mais 嫫duos da nossa vida. No entanto,
descobrir significado no nosso sofrimento n緌 uma tarefa simples. O sofrimento com freqncia parece ocorrer aleatoriamente, sem sentido e de modo indiscriminado,
sem absolutamente nenhum tipo de significado, muito menos um significado posit瀚o ou provido de objetivo. E enquanto estamos no meio da nossa dor e sofrimento, toda
a nossa energia fica voltada para tentar escapar da situa誽o. Durante per甐dos de trag嶮ia e de crise aguda, parece imposs癉el refletir sobre clualquer significado
poss癉el que esteja por tr嫳 do nosso sofrimento. Nessas ocasi髊s, pouco o que se pode fazer al幦 de resistir. E natural considerar nosso sofrimento absurdo
e injusto, enquanto nos perguntamos: "Por que eu?" Felizmente, por幦, durante per甐dos de relativo conforto, per甐dos anteriores ou posteriores a viv瘽cias dram嫢icas
de sofrimento, podemos refletir sobre ele, procurando desenvolver uma compreens緌 do seu significado. E o tempo e esfor蔞 que dedicarmos busca de significado no
sofrimento ser緌 largamente recompensados quando golpes nocivos come蓷rem a nos atingir. No entanto, a fim de usufruir dessas vantagens, precisamos come蓷r nossa
busca pelo significado quando tudo estcorrendo bem. Uma 嫫vore com ra瞵es fortes pode resistir mais violenta das tempestades, mas a 嫫vore n緌 tem como lan蓷r
ra瞵es no exato instante em que a tempestade surgir no horizonte.
Portanto, onde come蓷mos nossa procura pelo significado no sofrimento? Para muitas pessoas, a procura come-

226

A rRANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

蓷 com sua tradi誽o religiosa. Embora religi髊s diferentes possam ter modos diferentes de entender o significado e o objetivo do sofrimento humano, todas as religi髊s
no mundo oferecem estrat嶲ias para reagir ao sofrimento com base em suas cren蓷s fundamentais. Nos modelos budista e hindu疄ta, dor exemplo, o sofrimento resulta
dos nossos pr鏕rios atos negativos no passado e visto como um catalisador para a busca da libera誽o espiritual.
Na tradi誽o judaico-crist o universo foi criado por um Deus justo e bom; e, muito embora Seus des璲nios possam ser 跴 vezes misteriosos e indecifr嫛eis,
nossa fe confian蓷 nos Seus des璲nios possibilitam que toleremos nosso sofriirento com maior facilidade, confiantes, como diz o Talmude, em que "Tudo o que Deus
faz bem feito". A vida pode ainda ser dolorosa; mas, como a dor pela qual a m綣 passa ao dar luz, temos confian蓷 de que ela sercompensada pelo bem maior que
dela resultar. O desafio inerente a essas tradi踥es estno fato de, ao contr嫫io do que acontece no parto, o bem maior muitas vezes n緌 nos ser revelado Mesmo assim,
aqueles que t瘱 uma grande fem Deus s緌 amparados por uma cren蓷 no prop鏀ito maior de Deus para o nosso sofrimento, como aconselha um s墎io hass獮ico: "Quando
um homem sofre, ele n緌 deveria dizer `Isso p廥simo! Isso p廥simo!' Nada que Deus imp髊 ao homem mau. Mas aceit嫛el dizer `amargo! amargo!' Pois entre
os medicamentos existem alguns que s緌 feitos com ervas amargas." Logo, a partir da perspectiva judaico-crist o sofrimento pode servir a muitos objetivos. Ele
pode testar e potencialmente fortalecer nossa f pode nos aproximar de Deus de um modo muito

227
A ARTE DA FELICIDADE

1 li:

fundamental e 璯timo; ou pode soltar nossos v璯culos com o mundo material e fazer com que nos a,garremos ;a Deus como nosso refio.
Embora a tradi誽o religiosa da pessoa possa oferecer uma assist瘽cia valiosa para a descoberta do significado, mesmo aqueles que n緌 aceitam uma vis緌 de
mundo religiosa podem, ap鏀 cuidadosa reflex緌, encontrar significado e valor por tr嫳 do seu sofrimento. Apesar da total sensa誽o de desagrado, resta pouca dida
de que nosso sofrimento pode testar, fortalecer e aprofundar a experi瘽cia da vida. Disse uma vez o dr. Martin Luther King, Jr.: "O que n緌 me destr鏙 me torna mais
forte." E, embora seja natural evitar o sofrimento, ele tamb幦 pode nos desafiar e 跴 vezes atfazer surgir o que hde melhor em n鏀. Em O terceiro homem, o autor
Graham Greene observa: "Na It嫮ia, ao longo de trinta anos, sob o dom璯io dos B鏎gia, houve guerras, terror, assassinato e sangue derramado, mas eles produziram
Michelangelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento. Na Su耬a, eles t瘱 um amor fraternal, quinhentos anos de democracia e paz. E o que produziram? O rel鏬io cuco."
Embora 跴 vezes o sofrimento possa servir para nos fortalecer, para nos tornar fortes, em outras ocasi髊s seu valor pode estar no funcionamento oposto -
no sentido de nos abrandar, de nos tornar mais sens癉eis e ben憝olos. A vulnerabilidade que experimentamos no meio do nosso sofrimento pode nos abrir al幦 de aprofundar
nosso v璯culo com os outros. O poeta William Wordsworth afirmou uma vez: "Uma profunda afli誽o humanizou minha alma." Para ilustrar esse efeito humanizador do sofrimento,
ocor-

A TRAIVSFORMAШO DO SOFRIM;NTO

re-me o que aconteceu com Robert um conhecido. Robert era o principal executivo de uma empresa de muito sucesso. Halguns anos, ele sofreu um s廨io r-v廥 fifianeeiro
que detonou uma grave depress緌 de propor趛es paralisantes. N鏀 nos encontramos um dia, quando ele estava nas profundezas da depress緌. Eu sempre havia Conhecido
Robert como um modelo de seguran蓷 e entusiasmo; e fiquei alarmado ao vlo t緌 desanimada

- Nunca me senti t緌 mal em toda a minha xida - relatou Robert, com muita angtia na voz. - Simplesmente n緌 consigo me livrar disso. Eu n緌 sabia que era poss癉el algu幦 se sentir t緌 arrasado, desamparado e descontrolado. - Depois de conversar urr pouco sobre suas dificuldades, eu o encaminhei a um colega
para tratamento da depress緌.

Algumas semanas depois, encontrei-me Sor acaso com a mulher de Robert, Karen, e lhe perguntei cor
no estava o marido.
- Estmuito melhor, obrigada. O psiqu~.atra qlie vocrecomendou receitou um antidepressivo que estAjudando muito. claro que ainda vai levar um tempo
at:n鏀 resolvermos todos os problemas com a empresa, r-nas ele estse sentindo muito melhor agora, e tudo vai dgr certo para n鏀...
- Fico feliz de ouvir isso.
Karen hesitou por um instante antes de me fazer uma confid瘽cia.
- Sabe, detestei vlo passar por aquela depress箊. Mas, de certo modo, acho que foi uma b瘽誽o. Uma noite, durante uma crise depressiva, ele come蔞u a chorar
d,1 escon-
A ARTE DA FELICIDADE

troladamente. N緌 conseguia parar. Acabei abra蓷ndo-o durante horas enquanto ele chorava, atele finalmente adormecer. Em vinte e tr瘰 anos de casamento, essa foi
a primeira vez que aconteceu algo semelhante... e para ser franca nunca me senti t緌 unida a ele na minha vida. E, apesar de a depress緌 estar melhor agora, de algum
modo as coisas est緌 diferentes. Parece que alguma coisa simplesmente se abriu... e aquela sensa誽o de uni緌 persiste. O fato de que ele compartilhou seu problema
e de que atravessamos tudo juntos de algum modo mudou nosso relacionamento, nos deixou muito mais unidos.
Em busca de m彋odos para fazer com que nosso sofrimento pessoal possa adquirir significado, n鏀 nos voltamos mais uma vez para o Dalai-Lama, que ilustrou
como o sofrimento pode ser aproveitado no contexto do caminho budista.
- Na pr嫢ica budista, podemos utilizar nosso sofrimento pessoal de modo formal para aprimorar nossa compaix緌, usando-o como uma oportunidade para a pr嫢ica
de Tong-Len. Trata-se de uma t嶰nica de visualiza誽o maaiana na qual visualizamos mentalmente que estamos assumindo a dor e o sofrimento do outro; e em troca lhe
damos todos os nossos recursos, sae, fortuna e assim por diante. Mais tarde, darei instru踥es sobre essa pr嫢ica em detalhes. Portanto, ao seguir essa pr嫢ica,
quando sofremos doen蓷s, dor ou sofrimento, podemos usar isso como uma oportunidade para o seguinte pensamento: "Que meu sofrimento seja um substituto para o sofrimento
de todos os seres sencientes. Ao passar por isso, que eu possa poupar todos os outros seres sencientes que possam ter de suportar

A TRANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

um sofrimento semelhante." Usamos, assim, nosso sol-i~ mento como oportunidade para a pr嫢ica de assumir pxa n鏀 mesmos o sofrimento dos outros.
"Aqui, eu salientaria um ponto. Se, por exemplo, adoecemos e praticamos essa t嶰nica dizendo: `Que mima doen蓷 sirva como um substituto para outros que estejam
sofrendo de doen蓷s semelhantes'; se visualizarmos qae estamos assumindo sua doen蓷 e seu sofrimento e lhes transmitindo nossa sae, n緌 estou sugerindo com i,-,o
que devamos ignorar nossa pr鏕ria sae. Quando liamos com enfermidades, em primeiro lugar, importaste adotar medidas preventivas para que n緌 sejamos atingidos
por elas, todas as medidas de precau誽o, como lor exemplo seguir a dieta adequada ou seja lo que for. Assim, quando adoecemos, importante n緌 ignorar a necessidade
de tomar os medicamentos corretos e seguir todos os outros procedimentos convencionais.
"No entanto, uma vez que estejamos de fato enfermes, pr嫢icas tais como Tong-Len podem fazer uma diferen蓷 significativa em como reagimos situa誽o da doen蓷
~m termos da nossa atitude mental. Em vez de nos queixarmos da nossa situa誽o, sentindo pena de n鏀 mesmo e sendo dominados pela ansiedade e pela preocupa誽o, Iodemos
com efeito nos poupar esse sofrimento e dor mental a mais atrav廥 da ado誽o da atitude acertada. A prtica da medita誽o Tong-Len ou de `dar e receber' pode C緌 ter
sucesso necessariamente no al癉io da dor f疄ica real:3u em conduzir a uma cura em termos f疄icos, mas o que ela pode fazer nos proteger da angtia, do sofrimento
eda dor psicol鏬ica desnecess嫫ia que se somam ao aspe-to

231
A ARTE DA FELICIDADE

f疄ico. Podemos pensar: `Ao passar por essa dor e sofrimento, que eu possa ajudar outras pessoas e poupar outros que possam ter de passar pela mesma experi瘽cia.'
Dessa forma, nosso sofrimento adquire um novo significado jque usado como base para uma pr嫢ica religiosa ou espiritual. E ainda, no caso de alguns indiv獮uos
que praticam essa t嶰nica, tamb幦 poss癉el que, em vez de se sentirem melanc鏊icos e entristecidos pela experi瘽cia, a pessoa possa encarla como um privil嶲io.
Ela pode perceber a situa誽o como uma esp嶰ie de oportunidade e, no fundo, sentir alegria, jque essa experi瘽cia espec璗ica a tornou mais rica."
- O senhor menciona que o sofrimento pode ser usado na pr嫢ica de Tong-Len. E anteriormente o senhor analisou o fato de que a contempla誽o intencional e
antecipada da nossa natureza sofredora pode ser il para nos impedir de ser arrasados quando surgirem situa踥es dif獳eis... no sentido de desenvolver uma maior
aceita誽o do sofrimento como uma parte natural da vida...
- bem verdade... - concordou o Dalai-Lama.
- Existem outros meios pelos quais nosso sofrimento possa ser visto como algo com algum sentido? Ou a contempla誽o do nosso sofrimento possa pelo menos demonstrar
ter algum valor pr嫢ico?
- Existem, sem dida - respondeu ele. - Creio ter mencionado anteriormente que, dentro da estrutura do caminho budista, a reflex緌 sobre o sofrimento tem
enorme import滱cia porque, quando nos conscientizamos da natureza do sofrimento, desenvolvemos uma determina誽o maior de dar um fim 跴 causas do sofrimento e aos
atos

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

pouco salutares que levam a ele. E isso aumenta nosso entusiasmo pelo envolvimento nos atos e feitos salutares que conduzem felicidade e alegria.
- E para os n緌-budistas o senhor valgum benef獳io na reflex緌 sobre o sofrimento?
- Vejo. Acho que ela pode ter algum valor pr嫢ico em algumas situa踥es. Por exemplo, a reflex緌 sobre o sofrimento pode reduzir a arrog滱cia, o sentimento
da presun誽o. claro - ele deu uma forte risada - que isso pode n緌 parecer um benef獳io pr嫢ico ou um motivo convincente para algu幦 que n緌 considere a arrog滱cia
ou o orgulho um defeito.
"Seja como for", acrescentou, jem tom mais s廨io, "para mim hum aspecto da nossa viv瘽cia do sofrimento que de import滱cia vital. Quando se tem consci瘽cia
da dor e do sofrimento, isso nos ajuda a desenvolver a capacidade para a empada, a capacidade que permite que nos relacionemos com os sentimentos e o sofrimento
das outras pessoas. Isso promove nossa capacidade para a compreens緌 diante dos outros. Ent緌, como uma t嶰nica para nos auxiliar a criar la蔞s com os outros, pode-se
considerar que ela tenha valor.
"Portanto", concluiu o Dalai-Lama, "se encaramos o sofrimento dessas formas, nossa atitude pode come蓷r a mudar; nosso sofrimento pode n緌 ser t緌 imprest嫛el
e negativo quanto pensamos."
A ARTE DA FELICIDADE

COMO LIDAR COM A DOR F炓ICA

Por meio da reflex緌 sobre o sofrimento durante os momentos mais tranqlos da nossa vida, quando tudo estrelativamente est嫛el e indo bem, podemos muitas
vezes descobrir um valor e significado mais profundo no nosso sofrimento. 龍 vezes, por幦, podemos enfrentar tipos de sofrimento que parecem n緌 ter nenhuma finalidade,
totalmente desprovidos de qualidades redentoras. O sofrimento e a dor f疄ica muitas vezes parecem pertencer a essa categoria. Existe, entretanto, uma diferen蓷 entre
a dor f疄ica, que um processo fisiol鏬ico, e o sofrimento, que nossa resposta mental e emocional dor. Levanta-se, portanto, a quest緌: serque a descoberta
de um significado e um prop鏀ito subjacente nossa dor pode modificar nossa atitude diante dela? E serque uma mudan蓷 de atitude pode reduzir a intensidade do
nosso sofrimento quando sofremos les髊s f疄icas?
Em seu livro, Pain: The Gift Nobody Wants [A dor: o presente que ningu幦 quer], o dr. Paul Brand analisa o objetivo e o valor da dor f疄ica. O dr. Brand,
especialista em hansen燰se e cirurgi緌 de m緌, de renome mundial, passou seus primeiros anos de vida na 璯dia, onde, como filho de mission嫫ios, estava cercado de
pessoas que viviam em condi踥es de extrema dificuldade e sofrimento. Ao perceber que a dor f疄ica parecia ser prevista e tolerada muito mais do que no Ocidente,
o dr. Brand passou a se interessar pelo funcionamento da dor no corpo humano. Ele acabou trabalhando com hansenianos na 璯dia e fez uma descoberta extraordin嫫ia.
Descobriu que os estragos e as ter-

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

r癉eis mutila踥es n緌 se deviam atua誽o direta do organismo causador da doen蓷 que provocaria o apodrecimento dos tecidos; mas que tudo se devia ao fato de a doen蓷
causar a perda da sensa誽o de dor nas extremidades. Sem a prote誽o da dor, os hansenianos careciam de um sistema que os avisasse de danos aos tecidos. Desse modo,
o dr. Brand observava pacientes que andavam ou atcorriam com membros com a pele ferida ou atmesmo com ossos expostos. Isso produzia uma deteriora誽o cont璯ua.
Sem a dor, eles 跴 vezes enfiavam a m緌 no fogo para tirar dali algum objeto. Ele percebeu nos pacientes um total descaso diante da autodestrui誽o. No seu livro,
o dr. Brand relatou hist鏎ias e mais hist鏎ias dos efeitos devastadores da vida sem a sensa誽o de dor - dos ferimentos repetidos, de casos de ratos roendo dedos
das m緌s e dos p廥 enquanto o paciente dormia tranqlamente.
Depois de uma vida inteira de trabalho com pacientes que sentiam dor e com aqueles que sofriam da aus瘽cia da dor, o dr. Brand aos poucos veio a encarar
a dor n緌 como o inimigo universal que ela considerada no Ocidente, mas como um sistema biol鏬ico not嫛el, preciso e sofisticado que nos davisos sobre danos
ao nosso corpo e assim nos protege. No entanto, por que a experi瘽cia da dor precisa ser t緌 desagrad嫛el? Ele concluiu que o pr鏕rio inc獽odo da dor, a parte que
detestamos, o que a torna t緌 eficaz para nos proteger e nos avisar do perigo e de les髊s. A qualidade desagrad嫛el da dor for蓷 o organismo humano inteiro a dar
aten誽o ao problema. Embora o corpo tenha movimentos de reflexo autom嫢ico que formam uma camada de prote誽o exterior e que nos afastam

235
A ARTE DA FELICIDADE

rapidamente da dor, a sensa誽o desagrad嫛el tue desperta o corpo inteiro e o obriga a prestar aten誽o e agir. Ela tamb幦 grava a experi瘽cia na mem鏎ia e sc--ve
para nos proteger no futuro.
Da mesma forma que descobrir significado ro nosso sofrimento pode nos ajudar a lidar com os probhmas da vida, o dr. Brand da opini緌 de que uma comlreens緌
do objetivo da dor f疄ica pode reduzir nosso sorimento quando a dor se manifesta. Tendo em vista essa teria, ele prop髊 o conceito do "seguro para a dor". Para el_
podemos nos preparar para a dor antecipadamente, enquanto estamos saud嫛eis, por meio da conscientiza誽o cbs motivos pelos quais n鏀 a sentimos e da dedica誽o d.
tempo para refletir sobre como seria a vida sem a dor. No entanto como a dor aguda pode arrasar com a objetividade, devemos refletir sobre esses assuntos antes que
ela nos atinja. Se conseguirmos come蓷r a pensar na dor como unia "mensagem que nosso corpo nos esttransmitindo sobre um tema que de vital import滱cia para n鏀,
da fora mais eficaz para atrair nossa aten誽o", nossa atitude a respeito da dor come蓷ra mudar. E medida que nossatitude a respeito da dor mude, nosso sofrimento
dimimlir Como afirma o dr. Brand, "estou convencido de que ~ atitude que cultivamos antecipadamente pode muito bem determinar como o sofrimento nos afetarquando
de fato nos atingir". Ele acredita que podemos atmesmo desenvolver gratid緌 diante da dor. Podemos n緌 ser gratos pila experi瘽cia da dor, mas podemos ser gratos
pelo sistema de percep誽o da dor.
N緌 hdidas de que nossa atitude e disposi誽o mental podem exercer forte influ瘽cia sobre o grau ato qual

A TRANSFORMAШO DO SOFRIMENTO

sofremos quando estamos expostos dor f疄ica. Digamos, por exemplo, que dois indiv獮uos, um oper嫫io da constru誽o civil e um pianista cl嫳sico, sofram a mesma
les緌 a um dedo. Embora a intensidade da dor f疄ica possa ser a mesma para os dois indiv獮uos, o oper嫫io poderia sofrer muito pouco e no fundo se alegrar se o ferimento
resultasse num m瘰 de f廨ias remuneradas das quais ele estava mesmo precisando, ao passo que a mesma les緌 poderia provocar grande sofrimento ao pianista, que considerava
sua atividade a fonte primordial de alegria na vida.
A id嶯a de que nossa atitude mental influencia nossa capacidade de perceber e suportar a dor n緌 estlimitada a situa踥es hipot彋icas, como essa. Ela foi
demonstrada por muitos estudos e experimentos cient璗icos. Pesquisadores que investigaram essa quest緌 come蓷ram por detectar os modos pelos quais a dor percebida
e vivenciada. A dor come蓷 com um sinal sensorial - um alarme que dispara quando terminais nervosos s緌 estimulados por algo que produz a sensa誽o de perigo. Milh髊s
de sinais s緌 transmitidos pela medula espinhal ata base do c廨ebro. Esses sinais s緌 classificados, e uma mensagem de dor segue para 嫫eas superiores do c廨ebro.
O c廨ebro ent緌 examina as mensagens previamente filtradas e decide qual rea誽o tomar. nesse est墔io que a mente pode atribuir valor e significado dor, e intensificar
ou modificar nossa percep誽o dela. N鏀 convertemos a dor em sofrimento na mente. Para reduzir o sofrimento da dor, precisamos tra蓷r uma distin誽o crucial entre
a dor da dor e a dor que criamos atrav廥 dos nossos pensamentos sobre a dor. O medo, a raiva, a culpa, a solid緌 e o desamparo s緌 todos eles rea-
A ARTE DA FELICIDADE

趛es emocionais que podem intensificar a dor. Portanto, ao desenvolver uma abordagem para lidar com a dor, podemos naturalmente trabalhar nos n癉eis inferiores da
percep誽o da dor, recorrendo a ferramentas da medicina moderna, tais como medicamentos e outros procedimentos, mas podemos tamb幦 trabalhar nos n癉eis superiores,
modificando nossa atitude e nossa perspectiva.
Muitos pesquisadores estudaram o papel da mente na percep誽o da dor. Pavlov chegou a treinar c綣s para superar o instinto da dor, por meio da associa誽o
de um choque el彋rico a um pr瘱io em alimento. O pesquisador Ronald Melzak levou um passo adiante os experimentos de Pavlov. Ele criou filhotes de terrier escoc瘰
num ambiente acolchoado no qual eles n緌 enfrentariam as colis髊s e arranh髊s normais no crescimento. Esses c綣s n緌 aprenderam rea踥es b嫳icas dor. Eles n緌 reagiam,
por exemplo, quando suas patas eram espetadas com um alfinete, ao contr嫫io dos irm緌s da mesma ninhada que ganiam de dor quando espetados. Com base em experi瘽cias
como essas, Melzak concluiu que grande parte daquilo que chamamos de dor, ainclu獮a a desagrad嫛el rea誽o emocional, era aprendida em vez de ser instintiva. Outras
experi瘽cias com seres humanos, que envolveram a hipnose e o uso de placebos, tamb幦 demonstraram que, em muitos casos, as fun踥es superiores do c廨ebro podem suplantar
os sinais emitidos pelos est墔ios inferiores no trajeto da dor. Isso demonstra como a mente pode muitas vezes determinar de que modo percebemos a dor; e ajuda a
explicar as interessantes conclus髊s de pesquisadores como os drs. Richard Sternback e Bernard Tursky, da Harvard

238

A TRANSFORMAЫO DO SOFRIMENTO

Medicai School (mais tarde ratificadas num estudo da dra. Maryann Bates et al.), que observaram a exist瘽cia de diferen蓷s significativas entre grupos 彋nicos diferentes
quanto sua capacidade de perceber e suportar a dor.
Fica aparente, portanto, que a afirma誽o de que nossa atitude a respeito da dor pode influenciar a intensidade d o nosso sofrimento n緌 estbaseada simplesmente
em especula踣es filos鏹icas, mas corroborada por comprova誽o cient璗ica. E se nosso estudo do significado e valor da dor resultar numa mudan蓷 de atitude com rela誽o
a ela, nd'o teremos desperdi蓷do nossos esfor蔞s. Ao procurar Je-S~cobrir um prop鏀ito subjacente nossa dor, o dr. Biari11l tece mais uma observa誽o fascinante
e de import滱cia cr癃ica. Ele cita muitos relatos de pacientes de hansen燰se qu'e alegavam, "claro que eu vejo minhas m緌s e meus g廥, mas de algum modo eles n緌
parecem fazer parte de ni~ como se fossem apenas ferramentas." Portanto, a do'r n緌 snos avisa e nos protege; ela tamb幦 nos uni,,顊臇iSem a sensa誽o da dor
nas nossas m緌s ou p廥, essas ortes parecem n緌 mais pertencer ao nosso corpo.
Da mesma forma que a dor f疄ica unifica nossa se15a
誽o de ter um corpo, podemos imaginar que a experi甋Cia do sofrimento em geral atue como uma for蓷 unificacora que nos liga aos outros. Talvez esse seja o significado
m瞶imo por tr嫳 do nosso sofrimento. nosso sofrimento I2W o elemento mais fundamental que compartilhamos (olrl os outros, o fator que caos une a todos os seres
vivos.

Conclu璥os nosso exame do sofrimento humano con ~ `' instru踥es do Dalai-Lama sobre a pr嫢ica de TozzgLezt, aias
isso antes, e tudo muito

A ARTE DA FELICIDADE

fez refer瘽cia em nossa conversa anterior. Como ele irexplicar, o objetivo dessa medita誽o de visualiza誽o o de fortalecer nossa compaix緌. No entanto, ela tamb幦 pode ser vista como uma poderosa ferramenta para ajudar a transmutar nosso pr鏕rio sofrimento pessoal. Quando submetidos a qualquer forma de sofrimento ou agrura, podemos recorrer a essa pr嫢ica para promover nossa compaix緌 visualizando o al癉io a outros que estejam passando por sofrimento semelhante, atrav廥 da absor誽o e dissolu誽o do seu sofrimento no nosso pr鏕rio - uma esp嶰ie de sofrimento por tabela.
O Dalai-Lama apresentou as seguintes instru踥es diante de uma numerosa plat嶯a numa tarde de setembro particularmente quente, em Tucson. Os aparelhos de ar-condicionado do audit鏎io, em luta com as temperaturas do deserto lfora, cada vez mais altas, acabaram derrotados pelo calor adicional gerado por mil e seiscentos corpos. A temperatura no recinto come蔞u a subir, criando um n癉el geral de desconforto que era especialmente apropriado para a pr嫢ica de uma medita誽o sobre o sofrimento.

A pr嫢ica de Tong-Len

- Nesta tarde, vamos meditar sobre a pr嫢ica de TongLen, "Dar e Receber". Essa pr嫢ica destina-se a ajudar a treinar a mente, a fortalecer o poder natural e a for蓷 da compaix緌. Alcan蓷-se esse resultado porque a medita誽o Tong-Len ajuda a combater nosso ego疄mo. Ela aumenta o poder e a for蓷 da mente, ao promover nossa coragem para nos abrirmos para o sofrimento dos outros.

240

A TRANSFORMAォO DO SOFRIMENTO

"Para iniciar o exerc獳io, primeiro visualizemos de um lado um grupo de pessoas que esteja em desesperada necessidade de ajuda, os que est緌 num lament嫛el estado de sofrimento, os que vivem em condi踥es de mis廨ia, dificuldade e dor. Visualizemos mentalmente esse grupo de pessoas de um lado de n鏀. Ent緌, no outro lado, visualizemos a n鏀 mesmos como a encarna誽o de uma pessoa egoc瘽trica, com uma atitude habitual de ego疄mo, indiferente ao bem-estar e 跴 necessidades dos outros. Em seguida, entre esse grupo de sofredores e essa representa誽o ego疄ta de n鏀 mesmos, visualizemos a cada um de n鏀 no centro, como um observador neutro.
"Em seguida, observemos para que lado nos inclinamos naturalmente. Temos mais tend瘽cia para o lado do indiv獮uo sozinho, a encarna誽o do ego疄mo? Ou nossos sentimentos naturais de empatia v緌 mais para o grupo de pessoas mais fracas que passam necessidade? Se olharmos com objetividade, podemos ver que o bem-estar de um grupo ou de um grande nero de indiv獮uos mais importante do que o de um ico indiv獮uo.
"Depois disso, concentremos nossa aten誽o nas pessoas carentes e desesperadas. Voltemos nossa energia positiva para elas. Vamos em pensamento dar-lhes nossos sucessos, nossos recursos, nossa cole誽o de virtudes. E depois de fazer isso, visualizemos que estamos aceitando sobre nossos ombros seu sofrimento, seus problemas e todos os seus aspectos negativos.
"Por exemplo, podemos visualizar uma crian蓷 inocente e faminta da Som嫮ia e sentir qual seria nossa rea誽o natural diante dessa vis緌. Nesse exemplo, quando viven-

2
A ARTE DA FELICIDADE

ciamos um profundo sentimento de empatia pelo sofrimento daquele indiv獮uo, ele n緌 se baseia em considera踥es tais como o parentesco ou a amizade. Nem conhecemos aquela pessoa. No entanto o fato de que a outra pessoa um ser humano e de que n鏀 mesmos somos seres humanos propicia o despertar da nossa capacidade natural para a empatia e permite que estendamos a m緌. Assim, podemos visualizar algo dessa natureza e pensar que aquela crian蓷 n緌 tem nenhuma condi誽o pr鏕ria que lhe possibilite livrar-se do seu estado atual de dificuldade ou tormento. Ent緌, em pensamento, assumamos todo o sofrimento da pobreza, da inani誽o e do sentimento de priva誽o; e, em pensamento, passemos nossos recursos, nosso dinheiro e sucesso a essa crian蓷. Assim, atrav廥 da pr嫢ica dessa visualiza誽o do 'dar e receber', podemos treinar nossa mente.

"Quando nos envolvemos nessa pr嫢ica, 跴 vezes il come蓷r imaginando nosso pr鏕rio sofrimento futuro e, com uma atitude de compaix緌, assumir nosso pr鏕rio sofrimento futuro sobre nossos ombros neste exato momento, com o sincero desejo de nos livrarmos de todo sofrimento futuro. Depois de ganhar alguma pr嫢ica na gera誽o de um estado mental cheio de compaix緌 voltado para n鏀 mesmos, podemos ent緌 ampliar o processo de modo a incluir a aceita誽o da carga de sofrimento dos outros.

"Quando fazemos a Visualiza誽o de `assumir nos nossos ombros', il visualizar esses sofrimentos, problemas e dificuldades na forma de subst滱cias venenosas, de armas perigosas ou de animais apavorantes: tudo cuja mera vis緌 normalmente nos fa蓷 estremecer. Visualizemos, portanto,

A TRANSFORMXЫO DO SOFRIMENTO

o sofrimento com essas brmas e depois absorvamos ess's
formas diretamente no rosso cora誽o.
"O objetivo de visualizar essas formas negativas e ~s-
sustadoras sendo dissolsidas e incorporadas ao nosso cY ra誽o consiste em destr as costumeiras atitudes ego疄t~ que ali residem. Por幦, para aqueles indiv獮uos que pcs' sam ter problemas coma auto-imagem, com o 鏚io a si mesmo, com a raiva de mesmo ou com um baixo amor' pr鏕rio, importante qxe cada um julgue por si mesnV se essa pr嫢ica em partic.rlar adequada ou n緌. Pode ser que n緌 seja.
"Essa pr嫢ica de Torg-Len pode tornar-se muito poc-e-
rosa se combinarmos o'dar e receber' com a respira虢-C ou seja, se imaginarmos o `receber' quando inspirarmos e o `dar' quando expirarm~,)s. Quando realizamos essa visLu:'-
liza誽o de modo eficaz, Aa provoca um certo desconforte Essa uma indica誽o de que ela estatingindo seu alVO: a atitude egoc瘽trica que geralmente temos. Agora, vamos meditar."

Na conclus緌 das suas instru踥es sobre Tong-Len, o L:)a-
lai-Lama transmitiu uma id嶯a importante. Nenhum exeitrc cio em particular agradarou seradequado a todos. Na
nossa viagem espiritual, importante que cada um de rV5s
decida se uma pr嫢ica espec璗ica nos apropriada. Por ~e
zes,uma pr嫢ica n緌 no; agradarde in獳io; e, atque ela
possa surtir efeito, n鏀 precisamos entendla melhor. 1 Es
se sem dida foi meu ciso quando segui as instru踥es ~ do
Dalai-Lama sobre Tonglen naquela tarde. Descobri q(lue

243
A ARTE DA FELICIDADE

eu tinha alguma dificuldade com essa medita誽o - uma certa sensa誽o de resist瘽cia - muito embora eu n緌 conseguisse identificla com exatid緌 naquele momento. Mais tarde naquela noite, por幦, refleti sobre as instru踥es do Dalai-Lama e percebi que meu sentimento de resist瘽cia surgiu desde o in獳io das instru踥es, no ponto em que ele concluiu que o grupo de indiv獮uos era mais importante do que o indiv獮uo sozinho. Era um conceito que eu tinha ouvido antes, ou seja, o axioma de Vulcano proposto pelo sr. Spock em jornada nas estrelas: As necessidades de muitos superam em import滱cia as necessidades de um individuo. Havia, entretanto, uma dificuldade com esse argumento. Antes de levantar a quest緌 com o Dalai-Lama, talvez por n緌 querer dar a impress緌 de sestar "querendo levar vantagem", sondei um amigo que estudava o budismo havia muito tempo.
- Um ponto me incomoda - disse eu. - Afirmar que as necessidades de um grande grupo de pessoas superam em import滱cia aquelas de apenas um indiv獮uo faz sentido em teoria, mas no dia-a-dia n緌 interagimos com as pessoas en masse. Interagimos com uma pessoa de cada vez, com uma s廨ie de indiv獮uos. Ora, nesse n癉el de intera誽o pessoal, por que as necessidades daquele indiv獮uo deveriam suplantar as minhas? Tamb幦 sou um indiv獮uo ico... Somos iguais...
- Bem, isso verdade - disse meu amigo depois de pensar um instante. - Mas creio que, se vocconseguisse tentar considerar cada indiv獮uo como verdadeiramente igual a vocmesmo, n緌 mais importante, mas tamb幦 n緌 menos importante, creio que seria suficiente come蓷r da
Nunca mencionei essa quest緌 com o Dalai-Lama.

Quarta Parte

A SUPERAォO
DE OBSTACULOS
Cap癃ulo 12

A REALIZAЫO DE MUDANォS

O PROCESSO DA MUDANォ

-Examinamos a possibilidade de alcan蓷r a felicidade por meio do esfor蔞 para eliminar nossos comportamentos e estados mentais negativos. Em geral, qual seria sua abordagem para de fato realizar isso, superar os comportamentos negativos e fazer mudan蓷s positivas na nossa vida? - perguntei.
- O primeiro passo envolve o aprendizado -respondeu o Dalai-Lama -, a educa誽o. Creio ter mencionado anteriormente a import滱cia do aprendizado...
A ARTE DA FELICIDADE

- O senhor estse referindo a quando conversamos a respeito da import滱cia de aprender sobre como as emo踥es e comportamentos negativos s緌 prejudiciais nossa busca da felicidade, e como as emo踥es positivas s緌 ben嶨icas?
- Isso mesmo. Mas ao examinar uma abordagem para realizar mudan蓷s positivas dentro de n鏀 mesmos, o aprendizado apenas o primeiro passo. Houtros fatores tamb幦: a convic誽o, a determina誽o, a a誽o e o esfor蔞. Logo, o passo seguinte desenvolver a convic誽o. O aprendizado e a educa誽o s緌 importantes porque ajudam a pessoa a desenvolver a convic誽o da necessidade de mudar e ajudam a aumentar sua no誽o de compromisso. Essa convic誽o da necessidade de mudar por sua vez desenvolve a determina誽o. Em seguida, a pessoa transforma a determina誽o em a誽o: a forte determina誽o de mudar possibilita que a pessoa fa蓷 um esfor蔞 sistem嫢ico para implementar as mudan蓷s efetivas. Esse fator final de esfor蔞 de import滱cia cr癃ica.
"Desse modo, por exemplo, se estamos tentando parar de fumar, primeiro precisamos nos conscientizar de que o fumo prejudicial ao corpo. Precisamos de educa誽o. Creio, por exemplo, que a informa誽o e a educa誽o do plico a respeito dos efeitos nocivos do fumo modificaram o comportamento das pessoas. Creio que agora nos pa疄es do Ocidente muito menor o nero de pessoas que fumam do que num pa疄 comunista como a China, em virtude da disponibilidade de informa踥es. No entanto, esse aprendizado por si scostuma n緌 ser suficiente. preciso aumentar essa conscientiza誽o atque ela leve a uma

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

firme convic誽o quanto aos efeitos nocivos do fumo. Isso refor蓷 nossa determina誽o de mudar. Finalmente, preciso exercer o esfor蔞 de estabelecer novos padr髊s de comportamento. desse modo que a mudan蓷 e a transforma誽o interiores ocorrem em todas as coisas, n緌 importa o que estejamos tentando realizar.
"Ora, n緌 importa que comportamento estejamos tentando alterar, n緌 importa para que ato ou objetivo espec璗ico estejamos direcionando nossos esfor蔞s, precisamos come蓷r com o desenvolvimento de um forte desejo ou disposi誽o. Precisamos gerar grande entusiasmo. E aqui, uma no誽o de grave import滱cia um fator preponderante. Essa no誽o de seriedade um elemento poderoso para nos ajudar a superar problemas. Por exemplo, o conhecimento sobre os terr癉eis efeitos da AIDS produziu uma no誽o dessa natureza que p盭 um freio no comportamento sexual de muitas pessoas. Creio que, com freqncia, uma vez que estejam dispon癉eis as informa踥es adequadas, esse sentido de seriedade e compromisso surgir
"Portanto, essa no誽o de grave import滱cia pode ser um fator vital para a efetiva mudan蓷. Ela pode nos dar uma energia tremenda. Por exemplo, num movimento pol癃ico, se existe uma sensa誽o de desespero, pode surgir uma enorme no誽o de gravidade, t緌 intensa que as pessoas podem atse esquecer de que est緌 com fome, e pode n緌 haver nenhum cansa蔞 ou exaust緌 no esfor蔞 para alcan蓷rem seus objetivos.
"A import滱cia da no誽o de gravidade n緌 se aplica apenas supera誽o de problemas num n癉el pessoal, mas tamb幦 no n癉el comunit嫫io e global. Quando estive em

249
A ARTE DA FELICIDADE

St. Louis, por exemplo, conheci o governador. Leles pouco antes haviam tido fortes inunda踥es. O governador me disse que se preocupou, quando a inunda誽o ocorreu pela primeira vez, por acreditar que, tendo em vista a natureza individualista da sociedade, as pessoas n緌 fossem colaborar, que elas pudessem n緌 se dedicar 跲uele esfor蔞 orquestrado de coopera誽o. No entanto, quando a crise aconteceu, ele ficou pasmo com a rea誽o das pessoas. Elas foram t緌 solid嫫ias e t緌 dedicadas ao esfor蔞 conjunto para lidar com os problemas da inunda誽o que ele ficou muito impressionado. Portanto, a meu ver, isso demonstra que, a fim de alcan蓷r objetivos importantes, precisamos de uma avalia誽o da no誽o de gravidade, como nesse caso. A crise era t緌 s廨ia que as pessoas instintivamente uniram for蓷s para reagir a ela. Infelizmente", comentou ele, com tristeza, "n緌 costumamos ter essa no誽o da gravidade dos fatos."
Fiquei surpreso ao ouvi-lo falar na import滱cia da no誽o de prem瘽cia, tendo em vista o estere鏒ipo ocidental da atitude asi嫢ica de "deixar como estpara ver como fica", atitude decorrente da cren蓷 em muitas vidas. Se n緌 acontecer agora, sempre haveruma outra vez...
- Mas ent緌 a quest緌 saber como desenvolver esse forte sentido de entusiasmo para mudar ou a no誽o da gravidade no dia-a-dia. Existe alguma abordagem espec璗ica do budismo? - perguntei.
- Para um praticante do budismo, existem diversas t嶰nicas usadas para gerar entusiasmo - respondeu o DalaiLama. - A fim de criar uma no誽o de seguran蓷 e entusiasmo, encontramos no texto do Buda uma an嫮ise do pre-

z5o

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

cioso valor da exist瘽cia humana. Falamos sobre quanto potencial se encontra no nosso corpo, como ele pode ser significativo, os bons prop鏀itos para os quais ele pode ser usado, os benef獳ios e vantagens de ter uma forma humana, e assim por diante. E essas discuss髊s est緌 ali para instilar uma no誽o de confian蓷 e coragem, bem corno para induzir um sentido de compromisso a fim de que usemos nosso corpo humano de modo positivo.
"Depois, para gerar um sentido de grave import滱cia a fim de nos dedicarmos a pr嫢icas espirituais, relembramos o praticante da nossa imperman瘽cia, nossa morte. Quando falamos da imperman瘽cia nesse contexto, estamos falando em termos muito convencionais, n緌 acerca dos aspectos mais sutis do conceito de imperman瘽cia. Em outras palavras, somos relembrados de que um dia poderemos n緌 mais estar aqui. Esse tipo de entendimento. Essa conscientiza誽o da imperman瘽cia estimulada de modo a que, quando estiver associada nossa aprecia誽o do enorme potencial da nossa exist瘽cia humana, ela nos confira um sentido de urg瘽cia, de que devemos usar cada instante precioso."
- Essa contempla誽o da nossa imperman瘽cia e morte parece ser uma t嶰nica poderosa - observei - para ajudar a motivar a pessoa, para desenvolver um sentido de urg瘽cia com o objetivo de efetuar mudan蓷s positivas. Ela n緌 poderia ser usada como t嶰nica tamb幦 por n緌-budistas?
- Creio que se poderia tomar cuidado na aplica誽o das v嫫ias t嶰nicas a n緌-budistas - disse ele, pensativo. - Talvez essa se aplique mais a pr嫢icas budistas. Afinal, seria poss癉el usar a mesma contempla誽o com o objetivo exatamen-

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A ARTE DA FELICIDADE

te oposto - comentou, com uma risada - "Ah, ningu幦 garante que eu vestar vivo amanh Ent緌 tanto faz se eu me divertir a valer hoje!"
- O senhor tem alguma sugest緌 de como os n緌-budistas poderiam desenvolver esse sentido de urg瘽cia?
- Bem, como jsalientei, aque entram a informa誽o e a educa誽o. Por exemplo, antes de conhecer certos especialistas e estudiosos, eu n緌 tinha conhecimento da crise do meio ambiente. No entanto, depois que os conheci e que eles me explicaram os problemas que estamos enfrentando, fui inteirado da gravidade da situa誽o. Isso tamb幦 pode valer para outros problemas que enfrentamos.
- Mas 跴 vezes, mesmo dispondo das informa踥es, n鏀 ainda poder燰mos n緌 ter a energia necess嫫ia para mudar. Como podemos superar isso? - perguntei.
O Dalai-Lama parou para pensar, antes de responder.
- Creio que nesse caso pode haver categorias diferentes. Uma poderia derivar de alguns fatores biol鏬icos que podem estar contribuindo para a apatia ou falta de energia. Quando a causa da nossa apatia ou falta de energia se deve a fatores biol鏬icos, talvez seja preciso trabalhar no nosso estilo de vida. Se tentarmos dormir o suficiente, seguir uma dieta saud嫛el, evitar o 嫮cool e assim por diante, atitudes desse tipo ajudar緌 a manter nossa mente alerta. E, em alguns casos, podemos atmesmo recorrer a medicamentos ou outros tratamentos f疄icos se a causa tiver como origem uma enfermidade. Mas existe tamb幦 outro tipo de apatia ou pregui蓷, o tipo que deriva simplesmente de uma certa fraqueza da mente...
- a esse tipo que eu estava me referindo...

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

_ para superar esse tipo de apatia e gerar dedica誽o e entusiasmo com o objetivo de dominar estados mentais ou comportamentos negativos, mais uma vez eu creio que o m彋odo mais eficaz, e talvez a ica solu誽o, a constante
'scientiza誽o dos efeitos destrutivos do comportamen-
negativo. Pode ser preciso que nos lembremos repetidas
vezes desses efeitos destrutivos.
As palavras do Dalai-Lama pareciam verdadeiras; mas eu, na qualidade de psiquiatra, tinha uma percep誽o agu蓷da de como alguns modos de pensar e comportamentos negativos podem se tornar firmemente entrincheirados, de como para algumas pessoas era dif獳il mudar. Partindo do pressuposto de que havia complexos fatores psicodin滵icos em jogo, eu havia passado horas incont嫛eis a examinar e dissecar a resist瘽cia dos pacientes mudan蓷. Com esse problema em mente, perguntei-lhe.
- As pessoas costumam querer promover mudan蓷s positivas na vida, dedicar-se a comportamentos mais saud嫛eis e assim por diante. Mas 跴 vezes parece simplesmente que huma esp嶰ie de in廨cia ou resist瘽cia... Como 0 senhor explicaria por que isso ocorre?
- muito f塶il... - come蔞u ele a falar, com despreocupa誽o.
F磷IL?
- porque n鏀 simplesmente nos habituamos ou nos acostumamos a fazer as coisas de um certo modo. E ent緌 como se f盭semos mimados, fazendo saquilo que gostamos de fazer, que estamos acostumados a fazer.
- Mas como podemos superar isso?
- Usando o desenvolvimento de h墎itos em nosso be-

nef獳io. Atrav廥 da familiaridade constante, podemos deci-

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A ARTE DA FELICIDADE

didamente estabelecer novos modelos de comportamento.
Eis um exemplo. Em Dharamsala, eu geralmente acordo e come蔞 meu dia 跴 3h30, apesar de que aqui no Arizona eu esteja acordando 跴 4h30. Aqui tenho uma hora a mais para dormir - disse ele, com uma risada. - No in獳io, preciso um pouco de esfor蔞 para a pessoa se acostumar a isso, mas depois de alguns meses tudo passa a ser uma rotina fixa e n緌 preciso fazer nenhum esfor蔞 especial. Portanto, mesmo que f盭semos dormir tarde, poderia haver uma tend瘽cia a querer mais alguns minutos de sono, mas ainda acordamos 跴 3h30 sem ter de prestar uma aten誽o especial a isso. Podemos nos levantar e cumprir as pr嫢icas di嫫ias. Isso se deve for蓷 do h墎ito.
"Desse modo, atrav廥 do esfor蔞 constante, creio que podemos dominar qualquer forma de condicionamento negativo e promover mudan蓷s positivas na nossa vida. Mas ainda precisamos nos conscientizar de que a mudan蓷 genu璯a n緌 acontece do dia para a noite. Ora, por exemplo, no meu pr鏕rio caso, creio que, se eu comparar meu estado mental normal de hoje com o de vinte ou trinta anos atr嫳, a diferen蓷 grande. No entanto, cheguei a essa diferen蓷 passo a passo. Comecei a aprender o budismo por volta dos cinco ou seis anos de idade, mas naquela 廧oca eu n緌 sentia o menor interesse pelos ensinamentos budistas" (deu uma risada) "apesar de ser chamado de reencarna誽o suprema. Creio que foi squando estava com uns dezesseis anos que realmente comecei a sentir alguma seriedade com rela誽o ao budismo. E tentei come蓷r a pr嫢ica a s廨io. Ent緌, ao longo de muitos anos, comecei a desenvolver uma profunda estima pelos princ甑ios budistas;

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

e pr嫢icas que a princ甑io me pareciam extremamente imposs癉eis e quase antinaturais passaram a ser muito mais naturais e de f塶il intera誽o. Isso ocorreu em decorr瘽cia da familiariza誽o gradativa. Naturalmente, esse processo levou mais de quarenta anos.
"Portanto, veja s no fundo, o desenvolvimento mental demora. Se algu幦 disser que, depois de muitos anos de dificuldades, as coisas mudaram, posso levar isso a s廨io. Huma possibilidade maior de que as mudan蓷s sejam genu璯as e duradouras. Se algu幦 disser que, depois de um curto per甐do, digamos dois anos, houve uma grande transforma誽o, considero isso pouco realista."
Embora seja inquestion嫛el que a abordagem do DalaiLama mudan蓷 era razo嫛el, havia uma quest緌 que parecia precisar ser sanada.
- Bem, o senhor mencionou a necessidade de um alto n癉el de entusiasmo e determina誽o para transformar a mente, para realizar mudan蓷s positivas. Entretanto, ao mesmo tempo, reconhecemos que a mudan蓷 genu璯a ocorre devagar e pode demorar muito - observei. - Quando a mudan蓷 se processa com tanta lentid緌, f塶il que a pessoa perca o est璥ulo. O senhor nunca se sentiu desanimado pelo ritmo lento do progresso em rela誽o sua pr嫢ica espiritual ou se sentiu desencorajado em outras 嫫eas da sua vida?
- Sim, sem dida.
- E como o senhor lida com isso? - perguntei.
- No que diz respeito minha pr鏕ria pr嫢ica espiritual, se deparo com algum obst塶ulo ou problema, considero il tomar dist滱cia e adotar a perspectiva de longo prazo
A ARTE DA FELICIDADE

em vez da de curto prazo. Nesse sentido, na minha opini緌, refletir sobre um poema espec璗ico me dcoragem e ajuda a sustentar minha determina誽o.

Enquanto existir o espa蔞 Enquanto persistirem os seres sencientes Que eu tamb幦 viva Para dissiparas desgra蓷s do mundo.

"Por幦, no que diz respeito liberdade do Tibete, se eu recorrer a esse tipo de cren蓷, a esses versos, a estar preparado para esperar por eras a fio... `enquanto existir o espa蔞' e assim por diante, creio que estarei sendo tolo. Nesse caso, precisamos nos envolver de modo mais imediato ou ativo. claro que, nessa situa誽o, a luta pela liberdade, quando reflito sobre os quatorze ou quinze anos de esfor蔞s por negocia踥es sem nenhum resultado, quando penso nos quase quinze anos de fracasso, surge em mim uma certa impaci瘽cia e frustra誽o. Mas essa sensa誽o de frustra誽o n緌 me desanima ao ponto de perder a esperan蓷."
- Mas o que exatamente o impede de perder a esperan蓷? - perguntei, for蓷ndo um pouco mais a quest緌.

- Mesmo na situa誽o do Tibete, creio que encarar a situa誽o a partir de uma perspectiva mais ampla pode decididamente ser il. Por exemplo, se eu encarar a situa誽o dentro do Tibete a partir de uma perspectiva estreita, concentrando minha aten誽o exclusivamente naquilo, a situa誽o parece quase desesperadora. No entanto, se eu adotar uma perspectiva mais ampla, uma perspectiva mundial, verei

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A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

uma situa誽o internacional na qual sistemas comunistas e totalit嫫ios inteiros est緌 entrando em colapso, na qual atmesmo na China hum movimento democr嫢ico e o moral dos tibetanos continua alto. Por isso, n緌 desisto.

Levando-se em conta a vasta base e forma誽o do DalaiLama em filosofia e medita誽o budista, interessante que ele identifique o aprendizado e a educa誽o como o primeiro passo para realizar a transforma誽o interior, em vez de pr嫢icas espirituais mais transcendentais ou m疄ticas. Embora a educa誽o seja geralmente reconhecida por sua import滱cia para o aprendizado de novas t嶰nicas ou para garantir um bom emprego, seu papel como fator essencial para se alcan蓷r a felicidade costuma ser ignorado. Entretanto, estudos revelaram que mesmo a forma誽o meramente acad瘱ica estdiretamente associada a uma vida mais feliz. Numerosas pesquisas chegaram a resultados conclusivos de que n癉eis superiores de instru誽o apresentam uma correla誽o positiva com uma sae melhor e uma vida mais longa, al幦 de atmesmo protegerem o indiv獮uo da depress緌. Ao tentar identificar as raz髊s para esses efeitos ben嶨icos da educa誽o, cientistas argumentaram que indiv獮uos mais instru獮os t瘱 mais consci瘽cia dos fatores de risco sae, t瘱 mais condi踥es de implementar op踥es por estilos de vida mais saud嫛eis, t瘱 uma no誽o melhor de poder pessoal e amor-pr鱀rio, disp髊m de melhores t嶰nicas para solu誽o de problemas e de estrat嶲ias mais eficazes - todos esses, fatores que podem contribuir para uma vida mais saud嫛el e mais feliz. Portanto, se a mera

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A ARTE DA FELICIDADE

forma誽o acad瘱ica estassociada a uma vida mais feliz, o quanto n緌 sermais eficaz o tipo de aprendizado e educa誽o mencionado pelo Dalai-Lama - uma educa誽o que se concentra especificamente em entender e implementar todo o leque de fatores que levam a uma felicidade duradoura?
O passo seguinte no caminho do Dalai-Lama para a mudan蓷 envolve a gera誽o de "determina誽o e entusiasmo". Esse passo tamb幦 amplamente aceito pela ci瘽cia ocidental contempor滱ea como um importante fator para a realiza誽o dos objetivos do indiv獮uo. Num estudo, por exemplo, o psic鏊ogo da educa誽o Benjamin Bloom examinou as vidas de alguns dos cientistas, atletas e artistas mais completos dos Estados Unidos. Descobriu que a garra e a determina誽o, n緌 o extraordin嫫io talento natural, levaram ao sucesso nos seus campos espec璗icos. Como em qualquer outro setor, seria poss癉el supor que esse princ甑io se aplicaria igualmente arte de alcan蓷r a felicidade.
Cientistas do comportamento pesquisaram exaustivamente os mecanismos que fazem surgir, sustentam e direcionam nossas atividades, referindo-se a esse campo como o estudo da "motiva誽o humana". Psic鏊ogos identificaram tr瘰 tipos principais de motiva誽o. O primeiro tipo, a motiva誽o prim嫫ia, consiste naqueles impulsos baseados em necessidades biol鏬icas que precisam ser atendidas para que haja sobreviv瘽cia. Nele estaria inclu獮a, por exemplo, a necessidade de alimento, 墔ua e ar. Outra categoria de motiva誽o envolve a necessidade de est璥ulo e de informa誽o de um ser humano. Pesquisadores prop髊m a hip鏒ese de que essa seja uma necessidade inata, indispens嫛el

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

para o amadurecimento, o desenvolvimento e o funcionamento adequado do sistema nervoso. A tima categoria, chamada de motiva踥es secund嫫ias, composta das motiva踥es que t瘱 como base necessidades e impulsos adquiridos. Muitas motiva踥es secund嫫ias est緌 relacionadas a necessidades adquiridas de sucesso, poder, status ou realiza誽o pessoal. Nesse n癉el de motiva誽o, nosso comportamento e nossos impulsos podem ser influenciados por for蓷s sociais e moldados pelo aprendizado. nesse est墔io que as teorias da psicologia moderna se encontram com o conceito do Dalai-Lama de desenvolver "determina誽o e entusiasmo". No sistema do Dalai-Lama, entretanto, a garra e a determina誽o geradas n緌 s緌 usadas exclusivamente na busca do sucesso material mas v緌 se manifestando medida que o indiv獮uo adquire uma compreens緌 mais clara dos fatores que levam verdadeira felicidade e s緌 usados na busca da realiza誽o de metas superiores, como a benevol瘽cia, a compaix緌 e o aprimoramento espiritual.
O "esfor蔞" o fator final para a realiza誽o da mudan蓷. O Dalai-Lama identifica o esfor蔞 como um fator necess嫫io para o estabelecimento do novo condicionamento. A id嶯a de que podemos mudar nossos comportamentos e pensamentos negativos por meio de um novo condicionamento n緌 apenas comum entre psic鏊ogos ocidentais, mas de fato a pedra angular da teoria behaviorista contempor滱ea. Esse tipo de terapia tem como alicerce a teoria b嫳ica de que as pessoas em grande parte aprenderam a ser como s緌; e, ao propor estrat嶲ias para criar novos condicionamentos, a terapia behaviorista provou sua efic塶ia para uma ampla faixa de problemas.

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A ARTE DA FELICIDADE

Embora a ci瘽cia tenha recentemente revelado que a predisposi誽o gen彋ica de cada um desempenha um n癃ido papel n o modo caracter疄tico de um indiv獮uo reagir ao mundo, a maioria dos psic鯷ogos e cientistas sociais da opini緌 de que urna grande propor誽o do nosso modo de agir, pensar e sentir determinada pelo aprendizado e pelo condicionamento, que resulta da nossa cria誽o e das for蓷s culturais e sociais que nos cercam. E, como se reconhece clue os comportamentos s緌 em grande parte estabelecidos pelo condicionamento, e refor蓷dos e amplificados pelo "h墎ito", isso abre a possibilidade, como sustenta o Dalai- Lama, de extin誽o do condicionamento negativo ou nocivo para substitulo por um condicionamento ben嶨ico, que melhore a vida.
Fazer um esfor蔞 cont璯uo para mudar o comportamento exterior n緌 il somente para superar maus h墎itos, ma;s pode tamb幦 mudar nossas atitudes e sentimentos latentes. Experi瘽cias demonstraram que n緌 s緌 snossas atitudes e tra蔞s psicol鬐icos que determinam nosso comportamento, id嶯a de aceita誽o geral, mas que nosso compoirtamento tamb幦 pode mudar nossas atitudes. Pesquisadores conclu甏am que mesmo for蓷r artificialmente uma carranca ou um sorriso tende a induzir as emo踥es correspondentes de raiva ou felicidade. Isso sugere que a simples "simula誽o" e a repeti誽o de um comportamento positivo pode acabar produzindo uma verdadeira transforma誽o :interior. Isso poderia ter implica踥es importantes para a aborcJagem do Dalai-Lama da constru誽o de uma vida mais feliz. Se come蓷rmos com o simples ato de ajudar os outros com regularidade, por exemplo, mesmo que n緌

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

nos sintamos especialmente generosos ou interessados, podemos descobrir que uma transforma誽o interior estocorrendo, medida que muito aos poucos formos desenvolvendo aut瘽ticos sentimentos de compaix緌.

EXPECTATIVAS REALISTAS

Na realiza誽o de transforma踥es e mudan蓷s interiores genu璯as, o Dalai-Lama salienta a import滱cia de fazer um esfor蔞 cont璯uo. Trata-se de um processo gradual. Isso revela um forte contraste com a prolifera誽o de t嶰nicas e terapias de auto-ajuda "com solu踥es r嫚idas" que se tornaram t緌 populares na cultura ocidental nas timas d嶰adas - t嶰nicas que v緌 desde as "afirma踥es positivas" "descoberta da crian蓷 interior".
O enfoque do Dalai-Lama voltado para o lento desenvolvimento e matura誽o. Ele acredita no tremendo poder da mente, poder talvez ilimitado, mas de uma mente que tenha sido sistematicamente treinada, direcionada, concentrada, uma mente forjada por anos de experi瘽cia e de racioc璯io bem fundamentado. Levamos muito tempo para desenvolver o comportamento e os h墎itos mentais que contribuem para nossos problemas. Levaremos um tempo igualmente longo para estabelecer os novos h墎itos que trazem a felicidade. N緌 hcomo evitar esses ingredientes essenciais: determina誽o, esfor蔞 e tempo. Esses s緌 os verdadeiros segredos para alcan蓷r a felicidade.
Quando enveredamos pelo caminho da transforma誽o, importante ter expectativas razo嫛eis. Se nossas expec-

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tativas forem muito altas, estaremos nos predispondo para a decep誽o. Se forem muito baixas, isso extingue nossa disposi誽o a desafiar nossas limita踥es e realizar nosso verdadeiro potencial. Em continuidade nossa conversa sobre o processo da mudan蓷, o Dalai-Lama explicou.
- Nunca dever燰mos perder de vista a import滱cia de ter uma atitude realista, de ser muito sens癉eis e respeitosos diante da realidade concreta da nossa situa誽o medida que avan蓷mos no caminho em dire誽o ao nosso objetivo final. Reconhe蓷mos as dificuldades inerentes ao nosso caminho, bem como o fato de que podem ser necess嫫ios tempo e esfor蔞 cont璯uos. importante fazer uma n癃ida distin誽o na nossa mente entre nossos ideais e os par滵etros pelos quais avaliamos nosso progresso. Como budista, por exemplo, fixamos muito alto nossos ideais: a plena Ilumina誽o nossa expectativa m嫞ima. Considerar a plena Ilumina誽o nosso ideal de realiza誽o n緌 uma atitude extrema. Jesperar alcan諃-la rapidamente, aqui e agora, passa a ser. Usar a plena Ilumina誽o como um par滵etro em vez de como nosso ideal faz com que desanimemos e percamos totalmente a esperan蓷 quando n緌 a alcan蓷mos com rapidez. Por isso, precisamos de uma abordagem realista. Por outro lado, se dissermos que vamos nos concentrar sno aqui e no agora; que esse o enfoque pr嫢ico; e que n緌 nos importamos com o futuro ou com a realiza誽o m嫞ima de atingir a condi誽o do Buda, a mais uma vez, temos outra atitude extrema. Precisamos, portanto, descobrir uma abordagem que se situe em algum ponto intermedi嫫io. Precisamos encontrar um equil燢rio.

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

"Lidar com expectativas realmente uma quest緌 complexa. Se temos expectativas excessivas, sem uma base adequada, isso geralmente resulta em problemas. Por outro lado, sem expectativas e esperan蓷, sem aspira踥es, n緌 pode haver progresso. Alguma esperan蓷 essencial. Portanto, descobrir o perfeito equil燢rio n緌 f塶il. preciso avaliar cada situa誽o em si."

Eu ainda tinha didas que me atormentavam. Embora possamos sem dida modificar parte dos nossos comportamentos e atitudes negativas, desde que dediquemos tempo e esfor蔞 suficientes, atque ponto realmente poss癉el erradicar as emo踥es negativas? Dirigi-me ao Dalai-Lama.
- Jfalamos sobre o fato de que a felicidade m嫞ima depende de eliminarmos nossos comportamentos e estados mentais negativos, sentimentos como a raiva, o 鏚io, a gan滱cia, entre outros...
O Dalai-Lama assentiu.
- No entanto, emo踥es dessa natureza parecem fazer parte da nossa composi誽o psicol鏬ica natural. Todos os seres humanos parecem sentir essas emo踥es mais perversas com intensidade maior ou menor. E, se for esse o caso, serrazo嫛el odiar, negar e combater uma parte de n鏀 mesmos? Quer dizer, parece pouco pr嫢ico, e atmesmo antinatural, tentar erradicar completamente algo que uma parte integral da nossa constitui誽o natural.
- mesmo, algumas pessoas sugerem que a raiva, o 鏚io e outras emo踥es negativas s緌 uma parte natural da mente - respondeu o Dalai-Lama, abanando a cabe蓷. - Para
A ARTE DA FELICIDADE

essas pessoas, como essas emo踥es s緌 uma parte natural da nossa constitui誽o, n緌 hrealmente como mudar esses estados mentais. Mas essa vis緌 esterrada. Ora, por exemplo, todos n鏀 nascemos em estado de ignor滱cia. Nesse sentido, a ignor滱cia tamb幦 perfeitamente natural. Seja como for, quando pequenos, somos muito ignorantes. No entanto, medida que vamos crescendo, dia ap鏀 dia, por meio da educa誽o e do aprendizado, podemos adquirir conhecimentos e dissipar a ignor滱cia. Por幦, se nos deixarmos ficar num estado de ignor滱cia, sem desenvolver conscientemente nosso aprendizado, n緌 conseguiremos dissipla. Logo, se nos deixarmos ficar num "estado natural" sem fazer um esfor蔞 para acabar com a ignor滱cia, n緌 brotar緌 espontaneamente as for蓷s ou fatores da educa誽o e do aprendizado, que se op髊m a ela. Do mesmo modo, atrav廥 do treinamento adequado, podemos aos poucos reduzir nossas emo踥es negativas e aumentar estados mentais positivos tais como o amor, a compaix緌 e o perd緌.
- Mas, se essas emo踥es fazem parte da nossa psique, como poderemos sair vitoriosos na luta contra algo que inerente a n鏀 mesmos?
- Ao refletir sobre como combater as emo踥es negativas, ajuda saber como funciona a mente humana - respondeu o Dalai-Lama. - Ora, claro que a mente humana muito complexa. Mas tamb幦 muito habilidosa. Ela consegue descobrir meios pelos quais pode lidar com uma variedade de situa踥es e condi踥es. Para come蓷r, a mente tem a capacidade de adotar perspectivas diferentes atrav廥 das quais pode tratar de v嫫ios problemas.

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

"Dentro da pr嫢ica budista, essa capacidade de adotar perspectivas diferentes utilizada numa s廨ie de medita踥es nas quais o indiv獮uo isola mentalmente diferentes aspectos de si mesmo e ent緌 inicia uma conversa entre eles. Existe, por exemplo, uma pr嫢ica de medita誽o destinada a promover o altru疄mo, segundo a qual entabulamos um di嫮ogo entre nossa pr鏕ria `atitude egoc瘽trica', um eu que a encarna誽o do egocentrismo, e n鏀 mesmos como praticantes da espiritualidade. uma esp嶰ie de relacionamento de di嫮ogo. Da mesma forma, nesse caso, embora tra蔞s negativos tais como o 鏚io e a raiva fa蓷m parte da nossa mente, podemos nos dedicar a uma iniciativa na qual tomamos nossa raiva e 鏚io como objeto e o combatemos.
"Al幦 disso, na nossa pr鏕ria experi瘽cia di嫫ia, muitas vezes nos descobrimos em situa踥es nas quais nos culpamos ou nos criticamos. Costumamos dizer: `Ai, em tal dia assim assim, eu me decepcionei comigo mesmo'. E ent緌 nos criticamos. Ou podemos nos culpar por fazer algo errado ou por n緌 fazer alguma coisa, e sentimos raiva de n鏀 mesmos. Nesse caso, tamb幦, entabulamos uma esp嶰ie de di嫮ogo com n鏀 mesmos. Na realidade, n緌 existem duas identidades distintas; trata-se apenas de uma continuidade no mesmo indiv獮uo. Mesmo assim, faz sentido que nos critiquemos, que sintamos raiva de n鏀 mesmos. Isso algo que todos n鏀 conhecemos por experi瘽cia pr鏕ria.
`Portanto, apesar de na realidade shaver uma ica individualidade cont璯ua, n鏀 podemos adotar duas perspectivas diferentes. O que acontece quando estamos nos cri-
A ARTE DA FELICIDADE

ticando? O `eu' que estcriticando parte de uma perspectiva da pessoa como totalidade, do ser inteiro; e o `eu' que estsendo criticado um eu da perspectiva de uma experi瘽cia particular ou de um acontecimento espec璗ico. E assim podemos ver a possibilidade da exist瘽cia de um `relacionamento do eu com o eu'.
"Para desenvolver esse ponto, pode ser bastante il refletir sobre os diversos aspectos da nossa pr鏕ria identidade pessoal. Tomemos o exemplo de um monge budista tibetano. Esse indiv獮uo pode ter uma no誽o de identidade personalizada a partir da perspectiva de ser um monge, `meu eu enquanto monge'. Al幦 disso, ele tamb幦 pode ter um n癉el de identidade pessoal que n緌 muito baseado no seu aspecto mon嫳tico mas, sim, na sua origem 彋nica, de tibetano. Com isso, ele pode dizer, `eu enquanto tibetano'. E ent緌, em outro n癉el, essa pessoa pode ter outra identidade na qual o fato de ser monge e a origem 彋nica podem n緌 desempenhar um papel importante. Ele pode pensar, `eu enquanto ser humano'. Podemos ver, portanto, perspectivas diferentes dentro da identidade individual de cada pessoa.
"O que isso indica que, quando nos relacionamos conceitualmente com algo, somos capazes de encarar um fen獽eno de muitos 滱gulos diferentes. E a capacidade para ver as coisas de 滱gulos diferentes totalmente seletiva. Podemos nos concentrar num 滱gulo espec璗ico, num aspecto especial daquele fen獽eno, e adotar uma perspectiva particular. Essa capacidade torna-se muito importante quando procuramos identificar e eliminar certos aspectos negativos de n鏀 mesmos, ou ressaltar tra蔞s posi-

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

ovos. Gra蓷s a essa capacidade de adotar uma perspectiva diferente, podemos isolarpartes de n鏀 mesmos queprocuramos eliminar e podemos enfrentlas.
"Ora, ao examinar melhor esse tema, surge uma quest緌 muito importante. Embora possamos entrar em combate com a raiva, o 鏚io e os outros estados mentais negativos, que garantia ou certeza n鏀 temos de que poss癉el a vit鏎ia contra eles?
"Quando falamos desses estados mentais negativos, eu deveria ressaltar que estou me referindo 跲uilo que em tibetano se- chama de Nyon Mong, ou em s滱scrito de Klesha. Esse termo significa literalmente `aquilo que aflige de dentro'. Essa uma express緌 muito longa. Por isso costuma ser traduzida por `ilus髊s'. A pr鏕ria etimologia da palavra tibetana Nyon Mong nos duma sensa誽o de que se trata de um acontecimento emocional e cognitivo que aflige nossa mente de modo espont滱eo, destr鏙 nossa paz mental ou provoca uma perturba誽o na nossa psique quando se manifesta. Se prestarmos aten誽o suficiente, f塶il reconhecer a natureza aflitiva dessas `ilus髊s' simplesmente porque elas apresentam essa tend瘽cia de destruir nossa serenidade e presen蓷 de esp甏ito. por幦, muito mais dif獳il descobrir se podemos superlas. Essa uma dida que estdiretamente associada a toda a id嶯a de ser poss癉el atingir a plena realiza誽o do nosso potencial espiritual. E uma quest緌 muito s廨ia e dif獳il.
"Portanto, de que fundamentos dispomos para aceitar que essas emo踥es aflitivas e acontecimentos cognitivos, ou `ilus髊s', podem acabar sendo arrancadas e eliminadas da nossa mente? No pensamento budista, temos tr瘰 pre-

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missas ou fundamentos principais, segundo os quais acreditamos que isso possa acontecer.
"A primeira premissa que todos os estados mentais `ilus鏎ios', todas as emo踥es e pensamentos aflitivos, s緌 essencialmente deturpados, jque se enra瞵am numa percep誽o equivocada da verdadeira realidade da situa誽o. Por mais poderosas que sejam, no fundo essas emo踥es negativas n緌 possuem nenhum fundamento v嫮ido. S緌 baseadas na ignor滱cia. Por outro lado, todas as emo踥es ou estados mentais positivos, como por exemplo o amor, a compaix緌 e o insight, entre outros, t瘱 uma base s鏊ida. Quando a mente estvivenciando esses estados positivos, n緌 existe deturpa誽o. Al幦 disso, esses fatores positivos est緌 ancorados na realidade. Podem ser verificados por nossa pr鏕ria experi瘽cia. Existe uma esp嶰ie de solidez e enraizamento na raz緌 e na compreens緌. Esse n緌 o caso com as emo踥es aflitivas, como a raiva e o 鏚io. E ainda por cima, todos esses estados mentais positivos t瘱 a qualidade de permitir que aumentemos sua capacidade e ampliemos seu potencial de modo ilimitado, se os praticarmos com regularidade atrav廥 do treinamento e da constante familiaridade..."
- O senhor pode explicar um pouco mais - disse eu, interrompendo-o. - O que realmente quer dizer com a afirmativa de que os estados mentais positivos t瘱 uma "base v嫮ida", ao passo que os estados mentais negativos n緌 t瘱 "nenhuma base v嫮ida"?
- Bem, por exemplo - esclareceu o Dalai-Lama -, a compaix緌 considerada uma emo誽o positiva. Ao gerar compaix緌, come蓷mos por admitir que n緌 queremos

268

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

o sofrimento e que temos o direito felicidade. Isso pode ser verificado e legitimado pela nossa pr鏕ria experi瘽cia. Reconhecemos ent緌 que outras pessoas, exatamente como n鏀, tamb幦 n緌 querem sofrer e tamb幦 t瘱 o direito felicidade. Essa passa a ser a base para come蓷rmos a gerar compaix緌.
"Essencialmente, hduas categorias de emo踥es ou estados mentais: a positiva e a negativa. Um modo de classificar essas emo踥es em termos do entendimento de que as emo踥es positivas s緌 aquelas que podem ser justificadas enquanto as negativas s緌 as que n緌 podem ser justificadas. Por exemplo, examinamos anteriormente o t鏕ico do desejo, como hdesejos positivos e desejos negativos. O desejo para que sejam atendidas nossas necessidades b嫳icas positivo. justific嫛el. Baseia-se no fato de que todos n鏀 existimos e temos o direito de sobreviver. E, para que possamos sobreviver, hcertas coisas que s緌 imprescind癉eis, certas necessidades que t瘱 de ser satisfeitas. Logo, esse tipo de desejo tem um fundamento v嫮ido. E, como jvimos, houtros tipos de desejo que s緌 negativos, como o desejo em excesso e a gan滱cia. Esses tipos de desejo n緌 s緌 baseados em motivos v嫮idos e costumam sgerar problemas e complicar nossa vida. S緌 desejos que se baseiam simplesmente num sentimento de insatisfa誽o, de querer mais, muito embora as coisas que queremos nGo sejam realmente necess嫫ias. Desejos dessa natureza n緌 disp髊m de motivos v嫮idos a amparlos. Portanto, desse modo podemos dizer que as emo踥es positivas t瘱 um fundamento firme e v嫮ido, enquanto falta 跴 emo踥es negativas essa base leg癃ima."
A SUPERAォO DE OBS'T'磷ULOS
A ARTE DA FELICIDADE
senso entre todas as tradi踥es budistas de que, a fim de
0 Dalai-Lama continuou seu exame da mente humana, superar plenamente todas essas tend瘽cias negativas, pre
)namento da mente com a mesma ateu- ciso aplicar o ant獮oto contra a ignor滱cia - o `fator Sa
dissecando o fuqcic bedoria'. Este indispens嫛el. O `fator Sabedoria' envolve
誽o minuciosa que um bot滱ico poderia usar ao classifi
car esp嶰ies de flores raras. a produ誽o de insight que penetre na verdadeira nature
za traz de volta segunda premissa na za da realidade.
-Ora, isso n es de q "Portanto, dentro da tradi誽o budista, n鏀 dispomos n緌
que nossas emo踥es nnegati- baseamos a alega誽o sde ant獮otos para estados mentais espec璗icos - a paci瘽
vas podem ser arrancadas e eliminadas. Essa premissa tem
como sustenta誽o
o fato de que nossos estados mentais Po- cia e a toler滱cia atuam como ant獮otos espec璗icos para
jr como ant獮otos contra nossas tend瘽- a raiva e o 鏚io - mas tamb幦 temos um ant獮oto geral -
sitivos podem atueo insight que penetra na natureza essencial da realidade e cias negativas e estados mentais ilus鏎ios. A segunda pre-
edida que aumentarmos a capacidade atua contra todos os estados mentais negativos. seme
missa que, n~ lhante a modos de acabar com uma planta venenosa: po-

desses ant獮otos, Cuanto maior for sua for蓷, tanto mais ca-
>s de reduzir a intensidade das afli踥es demos eliminar os efeitos perniciosos cortando ramos e
pazes n鏀 serem folhas espec璗icos ou podemos eliminar a planta inteira, indo
mentais e emocicnais; e tanto mais poderemos neutralizar suas influ瘽cias -' efeitos. ata raiz para erradicla."

"Quando falimos em eliminar estados mentais negativos, hum ponto que devemos ter em mente. Dentro da pr嫢ica budista,
) cultivo de certas qualidades mentais po- Para concluir sua an嫮ise da possibilidade de eliminar nos
sitivas espec璗ic~s~ como a paci瘽cia, a toler滱cia, a bene- sos estados mentais negativos, o Dalai-Lama explicou.
vol瘽cia, entre outras, pode atuar como um ant獮oto espe-
c璗ico para estacos mentais negativos como a raiva, o 鏚io mente pura. Ela tem como base a cren蓷 de que a cons
e o apego. A aflica誽o de ant獮otos tais como o amor e a ci瘽cia sutil b嫳ica n緌 conspurcada por emo踥es nega
compaix緌 Sua natureza pura, um estado ao qual nos referi-

compaix緌 poce reduzir significativamente o grau ou inmos como "a mente da Luz L璥pida". Essa natureza essen-
flu瘽cia das afi踥es mentais e emocionais; mas, aflitivas cial da mente tamb幦 chamada de Natureza do Buda.
procuram eliminar apenas determinadas emo em certo sentido podem ser vis- Logo, como as emo踥es negativas n緌 fazem parte intr璯
espec璗icas ou ndividuais, seca dessa Natureza do Buda, existe uma possibilidade de

tos apenas corxo medidas parciais. Essas emo踥es aflitivas,
tais como o algo e o 鏚io, est緌 em tima an嫮ise enrai- eliminlas e purificar a mente.
equivocada da verdadei- "Portanto, a partir dessas tr瘰 premissas que o budis
zadas na ignorAcia - na percep誽o eq mo aceita que as afli踥es mentais e emocionais podem ser
ra natureza d-, realidade. Portanto, parece haver um con-
A ARTE DA FELICIDADE

eliminadas por meio do cultivo deliberado de for蓷s contr嫫ias como o amor, a compaix緌, a toler滱cia e o perd緌, bem como atrav廥 de v嫫ias pr嫢icas, tais como a medita誽o."

A id嶯a de que a natureza oculta da mente pura e de
que n鏀 temos a capacidade para eliminar completamente nossos modelos negativos de pensamento era um t鏕ico sobre o qual eu tinha ouvido o Dalai-Lama falar antes. Ele havia comparado a mente a um copo de 墔ua lamacenta. Os estados mentais aflitivos eram como as "impurezas" ou a lama, que poderiam ser removidas de modo a revelar a natureza "pura" da 墔ua. Isso parecia um pouco abstrato; e, passando para interesses mais pr嫢icos, eu o interrompi.
- Digamos que a pessoa aceite a possibilidade de eliminar suas emo踥es negativas e atmesmo comece a dar passos nessa dire誽o. A partir das nossas conversas, no entanto, eu depreendo que seria necess嫫io um esfor蔞 tremendo para erradicar esse lado perverso: uma enorme dedica誽o ao estudo, contempla誽o, a constante aplica誽o de ant獮otos, a pr嫢ica intensiva de medita誽o e assim por diante. Isso poderia ser adequado para um monge ou para algu幦 que pudesse devotar muito tempo e aten誽o a essas pr嫢icas. Mas o que dizer de uma pessoa comum, com fam璱ia e tudo o mais, que talvez n緌 tenha o tempo ou a oportunidade de p皾 em pr嫢ica essas t嶰nicas intensivas? Para elas, n緌 seria mais adequado simplesmente tentar controlar as emo踥es que as afligem, aprender a viver com elas e administrlas de modo razo嫛el, em vez de tentar erradiclas completamente? como os pacientes com diabe-

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

tes. Eles podem n緌 ter meios para uma cura completa; mas se dedicarem aten誽o dieta, se fizerem uso da insulina e de outros recursos, eles podem controlar a doen蓷 e prevenir seus sintomas e seqlas negativas.
- essa a melhor forma! - respondeu ele, com entusiasmo. - Concordo com voc Quaisquer passos, por menores que sejam, que tomemos no sentido de reduzir a influ瘽cia das emo踥es negativas podem ser muito eis. Decididamente isso pode ajudar a pessoa a levar uma vida mais feliz e satisfat鏎ia. No entanto, tamb幦 poss癉el que um leigo alcance altos n癉eis de realiza誽o espiritual: algu幦 que tenha emprego, fam璱ia, um relacionamento sexual com seu c獼juge e assim por diante. E n緌 sisso, mas houve indiv獮uos que scome蓷ram a pr嫢ica a s廨io jtarde na vida, quando estavam com mais de quarenta, cinqnta ou atmesmo oitenta anos; e, mesmo assim, conseguiram tornar-se grandes mestres de alto n癉el.
- O senhor pessoalmente conheceu muitos indiv獮uos que na sua opini緌 possam ter atingido esses estados sublimes? - indaguei.
- Creio que isso muito, muito dif獳il de avaliar. Ao meu ver, os praticantes verdadeiros e sinceros nunca se vangloriam disso. - E deu uma risada.

Muitos no Ocidente voltam-se para as cren蓷s religiosas como fonte de felicidade, mas a abordagem do Dalai-Lama fundamentalmente diferente da de muitas religi髊s ocidentais por depender muito mais do racioc璯io e do treinamento da mente do que da f Sob certos aspectos, o enfo-
A ARTE DA FELICIDADE

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

que do Dalai-Lama semelhante a uma ci瘽cia da mente, um sistema que poder燰mos aplicar exatamente como as pessoas usam a psicoterapia. No entanto, o que o DalaiLama sugere vai mais al幦. Embora estejamos acostumados id嶯a de recorrer a t嶰nicas psicoter嫚icas como a terapia comportamental para atacar maus h墎itos espec璗icos - o fumo, a bebida, as explos髊s de raiva - n緌 estamos habituados a cultivar atributos positivos - o amor, a compaix緌, a paci瘽cia, a generosidade - como armas contra todas as emo踥es e estados mentais negativos. O m彋odo do Dalai-Lama para alcan蓷r a felicidade tem por base a id嶯a revolucion嫫ia de que os estados mentais negativos n緌 s緌 parte intr璯seca das nossas mentes; s緌 obst塶ulos transit鏎ios que impedem a express緌 do nosso estado latente de alegria e felicidade.
A maioria das escolas tradicionais da psicoterapia ocidental costuma concentrar o foco na adapta誽o neurose do paciente em vez de numa completa reformula誽o de todo o seu modo de encarar a vida. Elas examinam a hist鏎ia pessoal do indiv獮uo, seus relacionamentos, suas experi瘽cias di嫫ias (ainclu獮os sonhos e fantasias) e atmesmo o relacionamento com o terapeuta no esfor蔞 de resolver os conflitos interiores do paciente, as motiva踥es inconscientes e a din滵ica psicol鏬ica que pode estar contribuindo para seus problemas ou sua infelicidade. O objetivo consiste em obter estrat嶲ias mais saud嫛eis para encarar a vida, uma adapta誽o e melhora dos sintomas, em vez de treinar a mente de modo direto para ser feliz.
A caracter疄tica mais not嫛el do m彋odo de treinamento da mente do Dalai-Lama envolve a id嶯a de que os esta-

dos mentais positivos podem atuar como ant獮otos diretos para os estados mentais negativos. Quando se procuram abordagens an嫮ogas a essa na moderna ci瘽cia do comportamento, a terapia cognitiva talvez seja a que mais se aproxima. Essa forma de psicoterapia vem se tornando cada vez mais popular ao longo das timas d嶰adas e jcomprovou ser muito eficaz no tratamento de uma ampla variedade de problemas comuns, especialmente de transtornos do humor, como por exemplo a depress緌 e a ansiedade. A moderna terapia cognitiva, desenvolvida por psicoterapeutas tais como o dr. Albert Ellis e o dr. Aaron Beck, baseia-se na id嶯a de que as emo踥es que nos perturbam e nossos comportamentos desajustados s緌 causados por distor踥es no pensamento e por cren蓷s irracionais. A terapia concentra sua aten誽o em ajudar o paciente a sistematicamente identificar, examinar e corrigir essas distor踥es no pensamento. Os pensamentos corretivos, em certo sentido, passam a ser um ant獮oto contra os modelos deturpados de pensamento que s緌 a fonte do sofrimento do paciente.
Por exemplo, uma pessoa rejeitada por outra e reage com um sentimento excessivo de m墔oa. O terapeuta cognitivo primeiro ajuda a pessoa a identificar a cren蓷 irracional latente; por exemplo: "Eu preciso ser amado e aprovado por quase todas as pessoas significativas na minha vida em qualquer ocasi緌 ou, se n緌 for assim, tudo horr癉el, e eu n緌 presto para nada." O terapeuta ent緌 apresenta pessoa provas que questionam essa cren蓷 irrealista. Embora essa abordagem possa parecer superficial, muitos estudos demonstraram que a terapia cognitiva funciona.

275
A ARTE DA FELICIDADE

Na depress緌, por exemplo, os terapeutas cognitivos alegam que s緌 os pensamentos negativos e derrotistas que servem de alicerce para a depress緌. Praticamente da mesma forma que os budistas consideram deturpadas todas as emo踥es aflitivas, os terapeutas cognitivos encaram esses pensamentos negativos, geradores da depress緌, como "essencialmente desvirtuados". Na depress緌, o pensamento pode desvirtuar-se pelo h墎ito de considerar os acontecimentos em termos de oito-ou-oitenta; pelo excesso de generaliza誽o (ex.: se perdemos um emprego ou n緌 passamos de ano, automaticamente pensamos:

"sou um fracasso total!"); ou pela percep誽o seletiva de apenas certos acontecimentos (ex.: tr瘰 fatos positivos e dois negativos podem acontecer num dia, mas a pessoa deprimida ignora os fatos positivos e se concentra exclusivamente nos negativos). Portanto, no tratamento da depress緌, com a ajuda do terapeuta, o paciente encorajado a monitorar o surgimento autom嫢ico de pensamentos negativos (ex.: "Eu n緌 sirvo para nada") e a corrigir energicamente esses pensamentos distorcidos por meio da coleta de informa踥es e provas que os contradigam ou neguem (ex.: '-Dei duro para criar dois filhos", "Tenho talento para cantar", "Sempre fui um bom amigo", "Consegui manter um emprego dif獳il" e assim por diante). Pesquisadores comprovaram que ao substituir nossos modos deturpados de pensar por informa踥es precisas, poss癉el provocar uma mudan蓷 nos nossos sentimentos e melhorar nosso humor.
O pr鏕rio fato de que podemos mudar nossas emo踥es e combater pensamentos negativos com a aplicar緌 de modos de pensar alternativos corrobora a posi誽o do Dalai-

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

Lama de que podemos superar estados mentais negativos atrav廥 da aplicar緌 de "ant獮otos", ou seja, os estados mentais positivos correspondentes. E, quando esse fato associado a recentes provas cient璗icas de que podemos mudar a estrutura e o funcionamento do c廨ebro por meio do cultivo de novos pensamentos, a id嶯a de podermos alcan蓷r a felicidade atrav廥 do treinamento da mente parece uma possibilidade muito real.
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A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

Cap癃ulo 23

COMO LIDAR COM A RAIVA
E O 笈IO

Se deparamos com uma pessoa que levou uma flechada, n緌 perdemos tempo nos perguntando de onde a flecha pode ter vindo, a que casta pertencia o indiv獮uo que a atirou; analisando de que tipo de madeira a flecha era feita, ou de que modo foi talhada a ponta da flecha. Em vez disso, dever燰mos nos concentrar em arrancar a flecha imediatamente.

- Shakyamuni, o Buda

oltemo-nos agora para algumas dessas "flechas", os V estados mentais negativos que destroem nossa felicidade, e seus respectivos ant獮otos. Todos os estados mentais negativos atuam como obst塶ulos nossa felicidade, mas vamos come蓷r com a raiva, que parece ser um dos maiores empecilhos. Ela descrita pelo fil鏀ofo est鏙co S瘽eca como "a mais hedionda e fren彋ica de todas as emo踥es". Os efeitos destrutivos da raiva e do 鏚io foram bem documentados por recentes estudos cient璗icos. claro que n緌 precisamos de comprova誽o cient璗ica para perceber como essas emo踣es podem toldar nosso discernimento,

causar sensa踥es de extremo desconforto ou devasta誽o em nossos relacionamentos pessoais. Nossa pr鏕ria experi瘽cia pode nos dizer isso. No entanto, em anos recentes, foram realizados grandes avan蔞s na documenta誽o dos efeitos f疄icos nocivos da raiva e da hostilidade. Dezenas de estudos demonstraram que essas emo踥es s緌 uma causa importante de doen蓷s e de morte prematura. Pesquisadores como o dr. Redford Williams na Duke University e o dr. Robert Sapolsky na Stanford University conduziram pesquisas que demonstram que a raiva, a fia e a hostilidade s緌 especialmente prejudiciais ao sistema cardiovascular. Acumularam-se tantas provas dos efeitos danosos da hostilidade que ela agora de fato considerada um importante fator de risco de doen蓷s card燰cas, no m璯imo igual a fatores de risco tradicionais como o colesterol alto ou a press緌 alta, ou talvez maior do que eles.
E, uma vez que aceitemos a id嶯a dos efeitos nocivos da raiva e do 鏚io, a pr闛ima pergunta passa a ser como superlos.
No meu primeiro dia como consultor psiqui嫢rico numa institui誽o de tratamento, eu estava sendo encaminhado ao meu novo consult鏎io por uma integrante da equipe quando ouvi gritos aterradores que reverberavam pelo corredor...
- Estou com raiva...
- Mais alto!
- ESTOU COM RAIVA!
- MAIS ALTO! MOSTRE QUE EST EU QUERO VER!
- ESTOU COM RAIVA!! COM RAIVA!! QUE 笈IO!!! QUE
A ARTE DA FELICIDADE

Era realmente assustador. Comentei com a funcion嫫ia que parecia estar ocorrendo uma crise que exigia aten誽o urgente.
- N緌 se preocupe com isso - disse ela, rindo. - Est緌 sfazendo terapia de grupo no final do corredor... ajudando uma paciente a se conectar com sua raiva.
Mais tarde naquele dia, estive com a paciente em pessoa. Ela parecia exausta.
- Estou t緌 relaxada - disse ela. - Aquela sess緌 de terapia realmente funcionou. Estou com a sensa誽o de ter posto para fora toda a minha raiva.
Na nossa sess緌 seguinte, no entanto, a paciente relatou.
- Bem, acho que acabei n緌 pondo para fora toda a minha raiva. Logo depois de sair daqui ontem, quando eu estava saindo do estacionamento, um idiota quase me deu uma fechada... e eu fiquei furiosa! E n緌 parei de xinglo entre dentes atchegar em casa. Acho que ainda preciso de mais algumas dessas sess髊s de raiva para botar para fora

o resto.

Quando se prop髊 dominar a raiva e o 鏚io, o DalaiLama come蓷 investigando a natureza dessas emo踥es destrutivas.
- Em geral - explicou ele - hmuitas esp嶰ies diferentes de emo踥es negativas ou aflitivas, como a presun誽o, a arrog滱cia, o cie, o desejo, a luxia, a intoler滱cia e assim por diante. Mas de todas essas, o 鏚io e a raiva s緌 considerados os maiores males por serem os obst塶ulos de maior vulto ao desenvolvimento da compaix緌 e do al-

A SUPERAШO DE OBST磷ULOS

tru疄mo; e por destru甏em nossa virtude e nossa serenidade mental.
"Quando pensamos na raiva, pode haver dois tipos. Um pode ser positivo. Isso se deveria principalmente nossa motiva誽o. Pode haver alguma raiva que seja motivada pela compaix緌 ou por uma sensa誽o de responsabilidade. Nos casos em que a raiva motivada pela compaix緌, ela pode ser usada como um impulso ou um catalisador para um ato positivo. Nessas circunst滱cias, uma emo誽o humana como a raiva pode agir como uma for蓷 para provocar a a誽o urgente. Ela cria um tipo de energia que permite a um indiv獮uo agir com rapidez e decis緌. Pode ser um poderoso fator de motiva誽o. Logo, esse tipo de raiva pode 跴 vezes ser positivo. Infelizmente, por幦, muito embora esse tipo de raiva possa funcionar como um tipo de prote誽o e nos proporcionar alguma energia a mais, com freqncia essa energia tamb幦 cega, de modo que n緌 se sabe ao certo se ela acabarsendo construtiva ou destrutiva.
"Pois, apesar de em raras circunst滱cias alguns tipos de raiva poderem ser positivos, em geral, a raiva gera rancor e 鏚io. E, quanto ao 鏚io, ele nunca positivo. N緌 gera absolutamente nenhum benef獳io. sempre totalmente negativo.
"N緌 podemos superar a raiva e o 鏚io simplesmente suprimindo-os. Precisamos cultivar diligentemente os ant獮otos ao 鏚io: a paci瘽cia e a toler滱cia. Seguindo o modelo de que falamos antes, a fim de sermos capazes de cultivar com 瞡ito a paci瘽cia e a toler滱cia, precisamos gerar entusiasmo, um forte desejo de atingir o objetivo.
A ARTE DA FELICIDADE A SUPERAЫO DE 03ST磷ULOS

Quanto maior o entusiasmo, maior nossa capacidade para quele mesmo instante, ele nos d)mina totalmente e des
suportar as dificuldades que encontraremos durante o pro- tr鏙 nossa paz mental. ?Nossa pre,~n蓷 de esp甏ito desapa
cesso. Quando nos dedicamos pr嫢ica da paci瘽cia e da rece por completo. Quiando um ?dio ou raiva surge com
toler滱cia, na realidade, o que estacontecendo um en- tanta intensidade, ele ssufoca a m'lhor parte do nosso c volvimento num combate com o 鏚io e a raiva. Jque se rebro, que a capacidade de dislnguir o certo do errado
trata de uma situa誽o de combate, buscamos a vit鏎ia, mas assim como as conseq瘽cias a c_irto e a longo prazo dos
tamb幦 temos de estar preparados para a possibilidade nossos atos. Nosso podier de discernimento torna-se total
de perder a batalha. Portanto, enquanto estamos envolvidos mente inoperante, sem Fpoder mais funcionar. quase como
no combate, n緌 dever燰mos perder de vista o fato de que, se tiv廥semos enlouqueecido. Esse raiva e 鏚io costumam
nesse processo, enfrentaremos muitos problemas. Dever燰- nos lan蓷r num estado (de confuso, que sserve para tor
mos ter a capacidade de suportar essas agruras. Quem sai nar muito mais graves inossos problemas e dificuldades.
vitorioso contra o 鏚io e a raiva atrav廥 de um processo "Mesmo no n癉el f臇sico, o 鏂io produz uma transfor
t緌 嫫duo um verdadeiro her鏙. ma誽o f疄ica muito feias e desagrljd嫛el no indiv獮uo. No
"com isso em mente que geramos esse forte entu- mesmo instante em qu(e surgem os fortes sentimentos de
siasmo. O entusiasmo resulta da descoberta dos efeitos raiva ou 鏚io, por mais que a pes?oa tente simular ou ado
ben嶨icos da toler滱cia e da paci瘽cia bem como dos efei- tar uma postura digna, muito 鏏vio que o rosto da ges
tos destrutivos e negativos da raiva e do 鏚io, associada soa apresenta uma apair瘽cia contorcida e repulsiva. Sua
reflex緌 sobre eles. E esse pr鏕rio ato, essa conscientiza- express緌 muito desagrad嫛el, e da pessoa emana uma
誽o em si, criaruma afinidade com os sentimentos de to- vibra誽o muito hostil. (Os outros podem perceber isso. ler滱cia e paci瘽cia al幦 de fazer com que tenhamos mais quase como se sentissem a pres?ao saindo do corpo da
cautela e cuidado diante de pensamentos irados e cheios quela pessoa. Tanto assim que, Lao sos seres humanos
de 鏚io. Geralmente, n緌 nos incomodamos muito com a s緌 capazes de sentir isso, atmesmo bichos, animais de
raiva ou 鏚io, e o sentimento simplesmente aparece. No estima誽o, procuram eviitar a pessoa naquele instante. Al幦
entanto, uma vez que desenvolvamos uma atitude de cau- disso, quando uma pessoa nutre pensamentos rancorosos,
tela para com essas emo踥es, essa mesma atitude relutan- eles tendem a se acumiular dentr te pode agir como uma medida preventiva contra a raiva causar sintomas, tais cromo a perda de apetite, a ins獼ia,
ou 鏚io. que sem dida fazem com que a lpessoa se sinta mais tensa
"Os efeitos destrutivos do 鏚io s緌 muito vis癉eis, mui- e nervosa.
to 鏏vios e imediatos. Por exemplo, quando um pensamen- "Por motivos como esses, o ,鏚io comparado a um
to muito forte ou intenso de 鏚io brota dentro de n鏀, na- inimigo. Esse inimigo interno, esse, inimigo interior, n緌 tem
~ ARTE DA FELICIDADE

n誽o al幦 de nos fazer mal. Ele que inimigo, nosso maior inimigo. N緌 tem n誽o al幦 de simplesmente nos destruir, mediatos quanto a longo prazo.
diferente de um inimigo normal. Embora ai, uma pessoa que consideremos inimiedicar-se a atividades que nos s緌 prejumenos tem outras fun踥es. Essa pessoa sa pessoa precisa dormir. De modo que tras fun踥es e, assim, n緌 pode dedicar ,ras por dia da sua exist瘽cia a esse pro跫. Jo 鏚io n緌 tem nenhuma outra fun-o objetivo, que n緌 seja o de nos destruir. Iscientizarmos desse fato, dever燰mos tole nunca dar oportunidade para que esse surja dentro de n鏀."
respeito a lidar com a raiva, qual sua m彋odos da psicoterapia ocidental que ress緌 da nossa raiva?
~, creio ser preciso entender que pode ha~rentes - explicou o Dalai-Lama. - Em alssoas nutrem sentimentos de raiva e m墔oa go que foi feito a elas no passado, uma > semelhante, e esse sentimento abafado. ,緌 tibetana que diz que, se houver algubio, podemos eliminla com um forte palavras, se alguma coisa estiver obstruina soprar e o caminho estarlivre. Da mese caso, poss癉el imaginar uma situa誽o ide da repress緌 de certas emo踥es ou cer-

A SUYERAШO DE OBST磷ULOS

tas sentimentos de raiva, talvez seja melhor simplesmente abrir o cora誽o e expresslos.
"Por幦, creio que em geral a raiva e o 鏚io s緌 os tipos de emo誽o que, se deixados vontade ou sem controle, costumam se agravar e continuar a crescer. Se simplesmente nos acostumarmos cada vez mais a deixar que eles aconte蓷m e scontinuarmos a expresslos, isso normalmente resulta em seu crescimento, n緌 na sua redu誽o. Por isso, para mim, quanto mais adotarmos uma atitude cautelcsa e quanto mais procurarmos reduzir o n癉el da sua intensidade, melhor ser"
- Se o senhor da opini緌 de que expressar ou liberar nossa raiva n緌 resolve, ent緌 qual a solu誽o? - indaguei.
- Ora, ames de mais nada, sentimentos de raiva e 鏚io surgem de urda mente que estperturbada pela insatisfa誽o e descoWentamento. Portanto, podemos nos preparar com anteced幯cia, com o trabalho constante no sentido de gerar o coi'atentamento interior e cultivar a benevol瘽cia e a compai)o. Isso produz uma certa serenidade mental que pode ajudar a impedir que a raiva sequer se manifeste. E ent緌, q uando surgir de fato uma situa誽o que nos deixe com niwa, dever燰mos encarar de frente nossa raiva para analis嫮,---~. Dever燰mos pesquisar quais fatores deram origem 跲u4~a manifesta誽o espec璗ica de raiva ou 鏚io. Depois, devir燰mos analisla mais detidamente, procurando ver se fo tema rea誽o inadequada e, em especial, se foi construtiva ui destrutiva. E faremos um esfor蔞 para exercer uma cera - modera誽o e disciplina interior, combatendo-a energiumente por meio da aplica誽o de ant獮otos: contrabalamaimdo essas emo踥es negativas com pensamentos de paci幯ocia e toler滱cia.

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A ARTE DA FELICIDADE

O Dalai-Lama fez uma pausa e depois acrescentou, com seu habitual pragmatismo-
- claro que, no esfor蔞 por superar a raiva e o 鏚io, no est墔io inicial podemos ainda experimentar essas emo踥es negativas. Existem, por幦, n癉eis diferentes. Caso se trate de uma raiva de intensidade branda, naquele momento podemos tentar enfrentla diretamente e combatla. No entanto, caso se manifeste uma emo誽o negativa muito forte, naquele momento talvez seja dif獳il desafila ou enfrentla. Se for esse o caso, naquele instante talvez o melhor seja simplesmente tentar deixla de lado, pensar em alguma outra coisa. Uma vez que nossa mente se acalme um pouco, ent緌 poderemos analisar, poderemos raciocinar. - Em outras palavras, refleti, ele estava recomendando que "d廥semos um tempo". E prosseguiu: - No esfor蔞 para eliminar a raiva e o 鏚io, o cultivo deliberado da paci瘽cia e da toler滱cia indispens嫛el. Poder燰mos conceber o valor e a import滱cia da paci瘽cia e da toler滱cia nos seguintes termos: no que tange aos efeitos destrutivos dos pensamentos irados e cheios de 鏚io, n緌 podemos nos proteger deles atrav廥 da riqueza. Mesmo que sejamos milion嫫ios, ainda estamos sujeitos aos efeitos destrutivos da raiva e do 鏚io. Nem pode a educa誽o por si sdar uma garantia de que estaremos protegidos desses efeitos. De modo semelhante, a lei n緌 tem como nos fornecer essas garantias ou prote誽o. Nem mesmo as armas nucleares, por mais sofisticado que seja o sistema de defesa, podem nos oferecer prote誽o ou defesa contra esses efeitos...
O Dalai-Lama fez uma pausa para tomar f犨ego e concluiu em voz firme e clara.

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

- O ico fator que pode nos dar refio ou prote誽o com rela誽o aos efeitos destrutivos da raiva e do 鏚io nossa pr嫢ica da toler滱cia e da paci瘽cia.

Mais uma vez, a sabedoria tradicional do Dalai-Lama estem total harmonia com os dados cient璗icos. O dr. Dolf Zillmann, da University of Alabama, realizou experi瘽cias que demonstraram que pensamentos irados costumam gerar um estado de excita誽o fisiol鏬ica que nos deixa ainda mais propensos raiva. A raiva alimenta-se da raiva; e, medida que nosso estado de excita誽o aumenta, reagimos com maior facilidade a est璥ulos ambientais que provoquem a raiva.
Se lhe dermos corda, a raiva tem a tend瘽cia a aumentar. Ent緌, como devemos tratar de dissipar nossa raiva? Como sugere o Dalai-Lama, dar vaz緌 raiva e fia tem vantagens muito limitadas. A express緌 terap盦tica da raiva como meio de catarse parece ter tido origem nas teorias freudianas da emo誽o, cuja opera誽o ele considerava semelhante de um modelo hidr嫠lico: quando a press緌 aumenta, precisa ser liberada. A id嶯a de nos livrarmos da nossa raiva atrav廥 da sua express緌 tem algum apelo dram嫢ico e de certo modo poderia atparecer divertida, mas o problema que esse m彋odo simplesmente n緌 funciona. Muitos estudos ao longo das quatro timas d嶰adas revelaram consistentemente que a express緌 verbal e f疄ica da nossa raiva n緌 contribui em nada para dissipla e spiora a situa誽o. O dr. Aaron Siegman, psic鏊ogo e pesquisador da raiva na University of Maryland, acredita por exem-

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A ARTE DA FELICIDADE

plo que exatamente esse tipo de express緌 repetida da raiva e da fia que aciona os sistemas internos de alerta e as rea踥es bioqu璥icas que t瘱 maior probabilidade de causar dano 跴 nossas art廨ias.
Embora esteja claro que dar vaz緌 nossa raiva n緌 a solu誽o, tamb幦 n緌 resolve nada ignorar nossa raiva ou fingir que ela n緌 existe. Como examinamos na Terceira Parte, evitar nossos problemas n緌 faz com que eles desapare蓷m. Ent緌, qual a melhor atitude? interessante que pesquisadores contempor滱eos da raiva, como 0 dr. Zillmann e o dr. Williams, estejam em consenso quanto constata誽o de que m彋odos semelhantes ao do Dalai-Lama parecem ser os mais eficazes. Como o estresse em geral abaixa os limites daquilo que poderia detonar a raiva, o primeiro passo preventivo: cultivar um contentamento interior e um estado mental mais calmo, como recomenda o Dalai-Lama, pode decididamente ser il. E, quando a raiva de fato se manifesta, pesquisas demonstraram que um questionamento en廨gico, uma an嫮ise l鏬ica e uma reavalia誽o dos pensamentos que detonaram a raiva podem ajudar a dissipla. Htamb幦 comprova誽o experimental com a indica誽o de que as t嶰nicas que examinamos anteriormente, tais como a mudan蓷 de perspectiva ou a procura dos diferentes 滱gulos de uma situa誽o, tamb幦 podem ser muito eficazes. claro que tudo isso costuma ser mais f塶il diante de n癉eis mais baixos ou moderados de raiva. Portanto, praticar a interven誽o precoce, antes que os pensamentos de 鏚io e raiva aumentem cumulativamente, pode ser um fator importante.

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A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

Em virtude da sua enorme influ瘽cia na supera誽o da raiva e do 鏚io, o Dalai-Lama discorreu mais detidamente sobre o significado e o valor da paci瘽cia e da toler滱cia.
- Nas nossas experi瘽cias do dia-a-dia, a toler滱cia e a paci瘽cia t瘱 grandes vantagens. Por exemplo, desenvolvlas permitirque sustentemos e mantenhamos nossa presen蓷 de esp甏ito. Portanto, se um indiv獮uo possui essa capacidade de toler滱cia e paci瘽cia, mesmo que ele viva num ambiente muito tenso, o que provoca nervosismo e estresse, enquanto essa pessoa tiver toler滱cia e paci瘽cia, sua serenidade e paz de esp甏ito n緌 ser緌 perturbadas.
"Outra vantagem de reagir a situa踥es dif獳eis com paci瘽cia em vez de ceder raiva que nos protegemos de potenciais conseqncias indesej嫛eis que poderiam derivar da nossa rea誽o raivosa. Se reagimos a situa踥es com raiva ou 鏚io, n緌 sisso deixa de nos proteger do dano ou mal que jnos tenha sido feito - o dano ou mal jocorreu mesmo - mas, ainda por cima, n鏀 criamos uma causa a mais para nosso pr鏕rio sofrimento no futuro. No entanto, se reagimos a um mal com paci瘽cia e toler滱cia, muito embora possamos enfrentar m墔oa e constrangimento tempor嫫ios, ainda assim evitaremos as conseqncias potencialmente perigosas a longo prazo. Por meio do sacrif獳io de aspectos sem import滱cia, quando toleramos pequenas agruras ou problemas, n鏀 nos tornamos capazes de evitar experi瘽cias ou sofrimentos que poderiam ser muito mais s廨ios no futuro. Para dar um exemplo, se um prisioneiro condenado pudesse salvar a vida, sacrificando seu bra蔞 como puni誽o, serque essa pessoa n緌 se sentiria grata pela oportunidade? Ao suportar a dor e o sofrimento

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A ARTE DA FELICIDADE

de ter um bra蔞 decepado, a pessoa estaria se livrando da morte, um sofrimento maior."
- Para a mentalidade ocidental - observei - a paci瘽cia e a toler滱cia s緌 sem dida consideradas virtudes; mas, quando estamos sendo atormentados diretamente por outros, quando algu幦 estvoltado para nos prejudicar, reagir com "paci瘽cia e toler滱cia" parece ter um toque de fraqueza, de passividade.
O Dalai-Lama abanou a cabe蓷, discordando de mim.
- Como a paci瘽cia e a toler滱cia derivam de uma capacidade de permanecermos firmes e inabal嫛eis, sem sermos dominados pelas situa踥es ou condi踥es adversas que enfrentamos, n緌 dever燰mos considerar a toler滱cia ou a paci瘽cia sinais de fraqueza ou de que nos demos por vencidos; mas, sim, um sinal de for蓷, originado de uma profunda capacidade para manter a firmeza. Reagir a uma situa誽o penosa com paci瘽cia e toler滱cia em vez de reagir com raiva e 鏚io envolve uma modera誽o atuante, que prov幦 de uma mente forte, provida de autodisciplina.
"claro que, quando examinamos o conceito da paci瘽cia, como na maioria dos outros conceitos, pode haver tipos positivos e negativos de paci瘽cia. A impaci瘽cia nem sempre errada. Por exemplo, ela pode nos ajudar a tomar a iniciativa para realizar coisas. Mesmo nas tarefas di嫫ias, como na limpeza do nosso quarto, se tivermos paci瘽cia demais, poder燰mos avan蓷r muito devagar e conseguir fazer muito pouco. Ou ainda, a impaci瘽cia para alcan蓷r a paz mundial - essa sem dida pode ser positiva. Por幦, em situa踥es que s緌 dif獳eis e desafiadoras, a paci瘽cia ajuda a manter nossa for蓷 de vontade e pode nos amparar."

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A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

Animando-se cada vez mais medida que se aprofundasa na an嫮ise do significado da paci瘽cia, o Dalai-Lama acr酒centou.
- Creio haver uma liga誽o muito 璯tima entre a humildade e a paci瘽cia. A humildade envolve a capacidade de adotar uma postura mais beligerante, a capacidade de retali~r se quisermos e, no entanto, decidir deliberadamente n緌 agir dessa forma. isso o que eu chamaria de humildaje genu璯a. Creio que a verdadeira toler滱cia ou paci瘽cia tem um componente ou elemento de autodisciplina e modera誽o - a percep誽o de que poder燰mos ter agido de outro modo, de que poder燰mos ter assumido uma abordagem mais agressiva, mas resolvemos n緌 fazlo. Por outro lado, ser for蓷do a adotar uma certa atitude passiva em virtude de um sentimento de desamparo ou defici瘽cia, issc> eu n緌 chamaria de humildade genu璯a. Pode ser uma esp嶰ie de mansid緌, mas n緌 a verdadeira toler滱cia.
"Ora, quando falamos sobre como dever燰mos desenvolver a toler滱cia para com aqueles que nos prejudicam, n綷) dever燰mos considerar erroneamente que isso significa que dever燰mos simplesmente aceitar com docilidade tudo que seja feito contra n鏀." O Dalai-Lama fez uma pausa p depois riu. "Pelo contr嫫io, se necess嫫io, o melhor a faz,er, a decis緌 mais s墎ia talvez seja a de simplesmente fugir correndo, para muito longe!"
- Nem sempre conseguimos deixar de ser atingidos pof meio de uma fuga...
- verdade - respondeu ele. - 龍 vezes, podemos deparar com situa踥es que exigem fortes medidas defensivas. Cre'-'10, por幦, que podemos assumir uma posi誽o firme e
A ARTE DA FELICIDADE

atmesmo adotar fortes medidas defensivas a partir de um sentimento de compaix緌, ou de uma no誽o de interesse pelo outro, em vez de agir assim com base na raiva. Um dos motivos pelos quais existe a necessidade de adotar uma forte medida defensiva contra algu幦 que, se deixarmos a oportunidade passar - n緌 importa qual tenha sido o mal ou crime perpetrado contra n鏀 - daresulta o perigo de que essa pessoa se habitue a esses atos negativos, o que no fundo causarsua pr鏕ria desgra蓷 e muito destrutivo a longo prazo para a pr鏕ria pessoa. Portanto, uma forte medida defensiva necess嫫ia, mas com essa atitude mental podemos efetula por compaix緌 e interesse por aquele indiv獮uo. Por exemplo, no que diz respeito a nossos entendimentos com a China, mesmo que haja uma probabilidade de surgimento de algum sentimento de 鏚io, n鏀 deliberadamente nos controlamos e procuramos reduzi-lo. Fazemos um esfor蔞 consciente para desenvolver um sentimento de compaix緌 pelos chineses. E, na minha opini緌, medidas defensivas podem acabar tendo maior efic塶ia sem os sentimentos de raiva e 鏚io.
"Agora, jexaminamos m彋odos para desenvolver a paci瘽cia e a toler滱cia, bem como para afastar a raiva e o 鏚io, m彋odos tais como o uso do racioc璯io para analisar a situa誽o, a ado誽o de uma perspectiva mais ampla e o enfoque de outros 滱gulos de urna situa誽o. Um resultado final, ou um produto da paci瘽cia e da toler滱cia, o perd緌. Quando somos realmente pacientes e tolerantes, o perd緌 surge espontaneamente.
"Embora possamos ter passado por muitos acontecimentos negativos no passado, com o desenvolvimento da

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

paci瘽cia e da toler滱cia, poss癉el nos livrarmos das sensa踥es de raiva e ressentimento. Se analisarmos a situa誽o, perceberemos que o passado passado, de modo que de nada adianta continuar a sentir raiva e 鏚io, que n緌 mudam a situa誽o mas apenas causarn uma perturba誽o na nossa mente bem como a perpetua誽o da nossa infelicidade. Naturalmente, ainda podemos nos lembrar dos acontecimentos. Esquecer e perdoar s緌 dois atos diferentes. N緌 hnada de errado em simplesmente lembrar esses acontecimentos negativos. Quando se tem a mente perspicaz, sempre ocorrera lembran蓷." Ele riu. "Creio que o Buda se lembrava de tudo. Mas, com o desenvolvimento da paci瘽cia e da toler滱cia, poss癉el abandonar os sentimentos negativos associados aos acontecimentos."

MEDITAシES SOBRE A RAIVA

Em muitas dessas conversas, o m彋odo b嫳ico do Dalai-Lama para superar a raiva e o 鏚io envolvia o uso do racioc璯io e da an嫮ise para investigar as causas da raiva, para combater esses estados mentais nocivos atrav廥 do entendimento. Em certo sentido, pode-se considerar que essa abordagem usa a l鏬ica para neutralizar a raiva e o 鏚io, bem como para cultivar os ant獮otos da paci瘽cia e da toler滱cia. No entanto, essa n緌 era a ica t嶰nica. Em suas palestras ao plico, ele suplementou sua an嫮ise com a apresenta誽o de instru踥es sobre essas duas medita踥es simples por幦 eficazes para ajudar a superar a raiva.
A ARTE DA FELICIDADE

Medita誽o sobre a raiva: Exerc獳io 1

- Imaginemos uma situa誽o na qual algu幦 que conhecemos muito bem, algu幦 que nos seja 璯timo e querido, esteja em circunst滱cias nas quais ele tenha um acesso de raiva. Podemos imaginar essa ocorr瘽cia num relacionamento muito c嫠stico ou numa situa誽o em que esteja acontecendo algo que seja perturbador em termos pessoais. A pessoa estt緌 furiosa que perdeu toda a serenidade mental, estgerando vibra踥es muito negativas e atmesmo chegou ao ponto de se ferir ou de quebrar objetos.
"Vamos ent緌 refletir sobre os efeitos imediatos da raiva dessa pessoa. Veremos uma transforma誽o f疄ica em andamento. Essa pessoa de quem somos 璯timos, de quem gostamos, que no passado sent燰mos prazer sde ver, agora esttransformada nessa pessoa feia, atmesmo em termos f疄icos. O motivo pelo qual eu creio que dever燰mos visualizar isso acontecendo a uma outra pessoa reside no fato de ser mais f塶il ver os defeitos dos outros do que os nossos. Assim, por meio da imagina誽o, meditemos e fa蓷mos essa visualiza誽o por alguns minutos.
"Ao final da visualiza誽o, analisemos a situa誽o e associemos as circunst滱cias nossa pr鏕ria experi瘽cia. Vejamos que n鏀 mesmos estivemos nesse estado muitas vezes. Tomemos a seguinte resolu誽o: `Nunca me deixarei dominar por raiva e 鏚io t緌 intensos porque, se permitir isso, estarei nessa mesma situa誽o. Tamb幦 sofrerei todas as conseqncias, perderei minha paz de esp甏ito, minha serenidade, assumirei essa apar瘽cia f疄ica horr癉el' e assim

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

por diante. Portanto, uma vez que tenhamos tomado essa decis緌, durante os timos minutos da medita誽o, concentremos nossa mente nessa conclus緌, sem maiores an嫮ises, apenas permitindo que nossa mente se detenha na resolu誽o de n緌 se deixar influenciar pela raiva ou pelo 鏚io."

Medita誽o sobre a raiva: Exerc獳io 2

- Vamos fazer outra medita誽o com o recurso da visualiza誽o. Comecemos por visualizar algu幦 que n緌 nos agrade, algu幦 que nos irrite, que nos cause muitos problemas ou que nos dnos nervos. Imaginemos, ent緌, uma situa誽o na qual essa pessoa nos aborre蓷, ou fa蓷 alguma coisa que nos ofenda ou perturbe. E, em imagina誽o, quando visualizarmos essa parte, deixemos que nossa rea誽o natural se manifeste; que ela flua espontaneamente. Depois vejamos como nos sentimos, vejamos se isso provoca uma acelera誽o do ritmo dos nossos batimentos card燰cos, entre outras coisas. Analisemos se nos sentimos vontade ou constrangidos; vejamos se imediatamente retornamos serenidade ou se desenvolvemos algum desconforto mental. Julguemos por n鏀 mesmos; investiguemos. Portanto, durante alguns minutos, talvez tr瘰 ou quatro, vamos investigar e experimentar. E ent緌, ao fim da nossa investiga誽o, se descobrirmos que "Sim, de nada adianta permitir que a irrita誽o cres蓷. De imediato, eu perco minha paz de esp甏ito", vamos dizer a n鏀 mesmos "No futuro, n緌 agirei mais desse modo." Vamos desenvolver essa determina誽o. Finalmente, durante os timos minutos do exerci-
,ARTE DA FELICIDADE

cio, fixemos nossa mente com aten誽o concentrada nessa
Conclus緌 ou determina誽o. Essa a medita誽o.
O Talai-Lama parou por um instante e ent緌, olhan
do ao redor do sal緌 de estudantes sinceros que se pre
paravam para praticar essa medita誽o, riu e acrescentou. Cap癃ulo .Z4
- Creio que, se eu tivesse a faculdade cognitiva, a ca
pacidade ou a nitidez de Percep誽o para ler o pensamen
to dos outros, veria um maravilhoso espet塶ulo aqui!
COMO LIDAR COM A ANSIEDADE

Um burburinho de risos percorreu a plat嶯a e logo se E REFORォR O AM O R-P R P
RIO
extinguiu medica que os ouvintes iniciavam a medita誽o, come蓷ndo a tarefa de combater a raiva.

Estima~se que ao longo da vida pelo menos um em cada

quatro norte-americanos irsofrer de uma ansiedade ou preocupa誽o de intensidade debilitante, grave o suficiente para preencher os crit廨ios do diagn鏀tico m嶮ico de um transtorno da ansiedade. No entanto, mesmo aqueles

que nunca passaram por um estado de ansiedade patol鬐ica ou 璯capac癃ante, em uma ou outra ocasi緌 vivenciam n癉eis excessivos de preocupa誽o e ansiedade que n緌 ser-

vem a nenhum objetivo il e n緌 fazem nada a n緌 ser solapar a felicidade e interferir com a capacidade da pessoa de realizar suas metas.
A ARTE DA FELICIDADE

O c廨ebro humano equipado com um sistema sofisticado projetado para registrar as emo踥es do medo e da preocupa誽o. Esse sistema atende a uma fun誽o importante - ele nos mobiliza para reagir ao perigo pondo em andamento uma complexa seqncia de eventos bioqu璥icos e fisiol鏬icos. O lado adaptativo da preocupa誽o consiste em que ela nos permite prever o perigo e tomar medidas preventivas. Por isso, certos tipos de medo e um certo n癉el de preocupa誽o podem ser saud嫛eis. No entanto, sentimentos de medo e ansiedade podem persistir e atse agravar na aus瘽cia de uma amea蓷 aut瘽tica; e, quando essas emo踥es crescem al幦 de qualquer propor誽o com rela誽o a algum perigo real, elas se tornam sinais de madapta誽o. A ansiedade e a preocupa誽o excessivas podem, como a raiva e o 鏚io, ter efeitos devastadores na mente e no corpo, tornando-se a fonte de muito sofrimento emocional e atmesmo de enfermidades f疄icas.
Do ponto de vista mental, a ansiedade cr獼ica pode prejudicar o discernimento, aumentar a irritabilidade e bloquear nossa efic塶ia geral. Ela tamb幦 pode levar a problemas f疄icos, entre eles, inclu獮os a redu誽o da fun誽o imunol鏬ica, as doen蓷s card燰cas, os transtornos gastrintestinais, a fadiga, a tens緌 e a dor muscular. Jse demonstrou por exemplo que transtornos da ansiedade provocaram a inibi誽o do crescimento em meninas adolescentes.
Quando procuramos estrat嶲ias para lidar com a ansiedade, devemos primeiro reconhecer, como o Dalai-Lama salientar que pode haver muitos fatores que contribuam para a experi瘽cia da ansiedade. Em alguns casos, pode haver um forte componente biol鏬ico. Algumas pessoas pare-

A SUPERAШO DE OBST磷ULOS

cem ter uma certa vulnerabilidade neurol鏬ica viv瘽cia de estados de preocupa誽o e ansiedade. Cientistas descobriram recentemente um gene que estassociado propens緌 ansiedade e ao pensamento negativo. Entretanto, nem todos os casos de preocupa誽o t闛ica t瘱 origem gen彋ica, e hpoucas didas quanto ao fato de o aprendizado e o condicionamento desempenharem um papel importante na sua etiologia.
N緌 importa, por幦, se nossa ansiedade predominantemente f疄ica ou psicol鏬ica na sua origem, a boa not獳ia que halgo que podemos fazer a respeito dela. Nos casos mais graves de ansiedade, a medica誽o pode ser il como parte do tratamento. No entanto, a maioria daqueles de n鏀 que s緌 atormentados por ansiedade e preocupa踥es inc獽odas do dia-a-dia n緌 precisarde interven誽o farmacol鏬ica. Especialistas no campo do controle da ansiedade em geral s緌 da opini緌 de que o melhor uma abordagem multidimensional. Isso incluiria em primeiro lugar a elimina誽o da possibilidade de qualquer condi誽o m嶮ica subjacente ser a causa da nossa ansiedade. A dedica誽o ao aprimoramento da nossa sae f疄ica atrav廥 da dieta e exerc獳ios adequados tamb幦 pode ajudar. E, como salientou o Dalai-Lama, cultivar a compaix緌 e aprofundar nossa liga誽o com os outros pode promover a boa higiene mental e ajudar a combater estados ansiosos.
Na busca por estrat嶲ias pr嫢icas para superar a ansiedade, por幦, huma t嶰nica que sobressai por ser especialmente eficaz: a interven誽o cognitiva. Esse um dos principais m彋odos usados pelo Dalai-Lama para dominar a ansiedade e as preocupa踥es do dia-a-dia. Por aplicar o
A ARTE DA 1FELICIDADE

mesmo procedimento utilizado com a raiva e o 鏚io, essa t嶰nica envolve um en廨gicos questionamento dos pensamentos geradores de ansiedade, bem como sua substitui誽o por atitudes e pensamentos positivos bem ponderados.

Em decorr瘽cia da extrema difus緌 da ansiedade na nossa cultura, eu tinha muita vontade de levantar essa quest緌 com o Dalai-Lama e descobrir como ele lida com ela. Sua agenda estava especialmente cheia naquele dia, e eu pude sentir minha ansiedade subir momentos antes da nossa entrevista quando fui informado pelo seu secret嫫io de que ter燰mos de abreviar nossa conversa. Sentindo-me sem tempo suficiente e preocupado com a possibilidade de que ele n緌 pudesse tratar de todos os t鏕icos que eu queria examinar, sentei-me rapidamente e comecei a falar, regredindo minha tend瘽cia intermitente de tentar extrair dele respostas simplistas.
_ p senhor sabe que o wedo e a ansiedade podem ser um grande obst塶ulo realiza誽o das nossas metas, sejam elas exteriores, sejam de crescimento interior. Em psiquiatria, temos v嫫ios m彋odos para lidar com esses aspectos, mas estou curioso para saber seu ponto de vista. Qual o melhor m彋odo para superar o medo e a ansiedade?
Resistindo ao meu convite para simplificar demais a quest緌, o Dalai-Lama respondeu, com sua abordagem tipicamente meticulosa.
_ Ao lidar com o medo, creio que precisamos antes de mais nada reconhecer que existem muitos tipos diferentes de medo. Alguns s緌 muito genu璯os, t瘱 como base moti-

A SUPERAШO DE OBST磷ULO

vos leg癃imos, como por exemplo o medo ca viol瘽cia ou do derramamento de sangue. Vemos ciaram-'nte que esses atos s緌 muito nocivos. Existe tamb幦 o melo relacionado 跴 conseqncias negativas a longo prazo das nossos fitos negativos, o medo do sofrimento, medo d~s nossas e~,no_ 踥es negativas, como 0 鏚io. Creio que esses s緌 os ~e_ dos certos. Ter esse tipo de medo faz com que adotezhos o caminho correto, que cheguemos mais peru de nos tr~ns_ formarmos em pessoas sens癉eis. - Ele pagou para r虢fletir e depois conjecturou. - Embora em certo sentido esses sejam tipos de medo, creio que talvez poda haver alguma diferen蓷 entre o temor a essas circunstancias e a Aercep誽o pela mente da natureza destrutiva cessas circUns_ t滱cias...
Parou de falar por alguns momentos e parecia estar em profunda reflex緌, enquanto eu lan蓷va clhares furtivos na dire誽o do rel鏬io. Estava claro que ele n緌 se sentia t緌 pressionado pela falta de tempo quanto teu. Finalmente, continuou a falar, com tranqlidade.
- Por outro lado, alguns medos s緌 nos?a pr鏕ria ~ria誽o. Esses medos podem ser baseados principalmente em proje踥es mentais. - Deu uma risada. - Por e:cemPlo, hmedos muito infantis, como quando eu era crian蓷, Passava por algum lugar escuro, especialmente por alguns dos aposen_ tos escuros no Potala*, e sentia medo. Esse medo era basea-

' O Potala era o tradicional pal塶io de invernd dos Dalai-Lamas, e um s璥bolo do patrim獼io religioso e hist鏎ico do Tibete. Consttu獮o originalmente pelo rei tibetano Song-tsen Gampo no s嶰ulo VII, tle foi mais tarde destru獮o, voltando a ser reconstru獮o ape>A ARTE DA FELICIDADE

do inteiramente na lproje誽o mental. Ou, quando eu era pequeno, as pessoas cque varriam o ch緌 e as que cuidavam de mim sempre nlp avisavam que havia uma coruja que pegava 嫳 criancinhas e as devorava! - O Dalai-Lama riu ainda mais. - E eu realmente acreditava nelas!
"Houtros tipc>s de medo baseados na proje誽o mental", prosseguiu ele. "Por exemplo, se temos sentimentos negativos, em deec>rr瘽cia da nossa pr鏕ria situa誽o mental, podemos projefar nossos sentimentos na outra pessoa, que ent緌 nos apaiece como algu幦 negativo e hostil. Resultado, sentimos medo. Esse tipo de medo, creio eu, estrelacionado ao 鏚io e ocorre como uma esp嶰ie de cria誽o mental. Portanto, ao lidar com o medo, precisamos primeiro recorrer nossa faculdade do racioc璯io e procurar descobrir se existe ou n緌 um motivo leg癃imo para nosso medo."
- Bem, em ve, de um medo intenso ou de foco concentrado relativo a uma situa誽o ou a um indiv獮uo espec璗ico, muitos de rt鏀 s緌 atormentados por mais de uma preocupa誽o difusa e permanente acerca de uma variedade de problemas do dia-a-dia. O senhor tem alguma sugest緌 sobre corno lidar com isso?
- Uma das abcrdagens - respondeu ele, assentindo com a cabe蓷 - que eu pessoalmente considero eis para reduzir esse tipo de preocupa誽o consiste em cultivar o seguin-

pelo quinto Dalai-Laml. A estrutura atual atinge a altura majestosa de 132

metros a partir do togo da "Montanha Vermelha" em Lhasa. Tem mais de 400m de comprimento, treze andares e mais de mil aposentos, sal髊s de reuni緌, santu嫫ip~ e capelas.

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

te pensamento: Se a situa誽o ou problema for tal que possa ser resolvida, n緌 hnecessidade de preocupa誽o. Em outras palavras, se houver uma solu誽o ou uma sa獮a para essa dificuldade, n緌 precisarmos nos sentir dominados por ela. A atitude acertada consiste em procurar a solu誽o. mais sensato gastar a energia voltando a aten誽o para a solu誽o do que nos preocupando com o problema. Por outro lado, sen緌 houver sa獮a, nenhuma solu誽o, nenhuma possibilidade de equacionar o problema, tamb幦 n緌 farsentido nos preocuparmos jque n緌 poderemos fazer nada a respeito mesmo. Nesse caso, quanto mais r嫚ido aceitarmos esse fato, menos ele nos incomodar Naturalmente, essa f鏎mula implica que enfrentemos direto o problema. Se n緌 for assim, n緌 conseguiremos descobrir se existe ou n緌 uma solu誽o para ele.
- E se pensar nisso n緌 ajudar a aliviar nossa ansiedade?
- Bem, talvez precisemos refletir um pouco mais sobre esses pontos e refor蓷r essas id嶯as. Vamos nos relembrar repetidamente dessa atitude. Seja como for, creio que esse enfoque pode ajudar a reduzir a ansiedade e a preocupa誽o, mas isso n緌 significa que sempre vfuncionar. Se estivermos lidando com uma ansiedade permanente, creio ser necess嫫io examinar a situa誽o espec璗ica. Existem tipos diferentes de ansiedade e causas diferentes para ela. Por exemplo, alguns tipos de ansiedade ou nervosismo poderiam ter origens biol鏬icas: algumas pessoas t瘱 a tend瘽cia a suar nas palmas das m緌s, o que de acordo com o sistema m嶮ico tibetano poderia indicar um desequil燢rio de n癉eis de energia sutil. Alguns tipos de ansiedade, exatamente como alguns tipos de depress緌, podem ter origens

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RTE DA FELICIDADE

biol鏬icas, e para esses o tratamento m嶮ico pode ser il. Portanto, para que lidemos com a ansiedade com efic塶ia, precisamos identificar seu tipo e sua causa.
"Quer dizer que, de modo semelhante ao medo, pode haver diferentes tipos de ansiedade. Por exemplo, iam tipo, que imagino que possa ser comum, poderia envolver o medo de parecer tolo diante dos outros ou o meda de que os outro9 possam ter mopini緌 a nosso respeita..."
_ O ;senhor alguma vez sentiu esse tipo de arisiedade ou nervosismo? -perguntei, interrompendo-o.
O Dolai-Lama deu uma forte risada e respondeu sem hesitar.
- Clero que sim!
_ O senhor pode dar um exemplo?
Ele pensou por um momento antes de responder.
- Or;a, por exemplo, em 1954 na China, no primeiro dia de reunir緌 com o Presidente Mao Tstung, e tarrnb幦 em outra ocasi緌 em reuni緌 com Chou En-lai. Naquela 廧oca, eu n緌 estava perfeitamente familiarizado como protocolo correto e as conven踥es. O procedimento habitual para uma reuni緌 consistia em come蓷r com algum tipo de conversa informal e sent緌 passar para o exame da assunto em pauta. Naquela ocasi緌, por幦, eu estava t緌 nervoso que, no momento em que me sentei, mergulhei direto no assunto ern pauta! - O Dalai-Lama riu com essa lembran蓷. - Lembro-me de que depois meu int廨prete, um comunista tibetana que era de grande confian蓷 e muito meu amigo, olhou pira mim e come蔞u a rir, com provoca踥es por esse motivo.
"Creio que atmesmo hoje em dia, imediatannente antes do in獳io de uma palestra ou de ensinamentos ao pli-

A SLIPERAШO DE OBST磷ULOS

co, sempre sinto um pouco de ansiedade. Por isso, alguns dos meus auxiliares costumam me dizer: `Se era esse o caso, por que o senhor aceitou o convite para transmitir os ensinamentos para come蔞 de conversa?"' Ele riu novamente.
- E ent緌 como que o senhor lida com esse tipo de ansiedade? - perguntei.
- N緌 sei... - disse ele, baixinho, num tom queixoso e sem afeta誽o. Fez uma pausa, e ficamos sentados em sil瘽cio por muito tempo, enquanto ele mais uma vez parecia estar imerso em meticulosas considera踥es e reflex髊s. Afinal, prosseguiu: - Creio que ter a honestidade e a motiva誽o adequada o segredo para superar esses tipos de medo e ansiedade. Portanto, se estou ansioso antes de uma palestra, costumo me lembrar de que a raz緌 principal, o objetivo de proferir a confer瘽cia, o de pelo menos trazer algum benef獳io 跴 pessoas, n緌 o de exibir meu conhecimento. Portanto, aqueles pontos que conhe蔞 eu me disponho a explicar. Aqueles que n緌 entendo perfeitamente... n緌 fazem diferen蓷. Digo apenas que para mim aquilo dif獳il. N緌 hnenhum motivo para esconder nada, nem para fingir. Com esse ponto de vista, com essa motiva誽o, n緌 preciso me preocupar quanto a parecer bobo ou me incomodar com o que outros pensem de mim. Descobri, portanto, que u motiva誽o sincera atua como um ant獮oto para reduzir o medo e a ansiedade.
- Bem, 跴 vezes a ansiedade envolve mais do que a sensa誽o de parecer bobo diante dos outros. Ela mais como um medo do fracasso, uma sensa誽o de ser incompetente... - refleti por um instante, ponderando quanta informa誽o pessoal deveria revelar.

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A ARTE DA FELICIDADE

O Dalai-Lama escutava com aten誽o, assentindo em sil瘽cio enquanto eu falava. N緌 sei ao certo o que foi. Talvez tenha sido sua atitude de compreens緌 solid嫫ia; mas, antes que eu me desse conta, eu jtinha passado do exame de quest髊s gerais e amplas para pedir conselhos sobre como lidar com meus pr鏕rios medos e ansiedades.
- N緌 sei... 跴 vezes, com meus pacientes, por exemplo... alguns s緌 muito dif獳eis de tratar... casos em que n緌 se trata de fazer um diagn鏀tico preciso como o da depress緌 ou de alguma outra enfermidade que seja de cura f塶il. Halguns pacientes com graves transtornos da personalidade, por exemplo, que n緌 respondem medica誽o e que n緌 conseguem apresentar grande progresso na psicoterapia apesar dos meus melhores esfor蔞s. 龍 vezes, eu simplesmente n緌 sei o que fazer com essas pessoas, como ajudlas. Parece que n緌 consigo captar o que estacontecendo com elas. E isso faz com que eu me sinta imobilizado, como que impotente - queixei-me. - Faz com que eu me sinta incompetente, e isso gera de fato um certo tipo de medo, de ansiedade.
Ele escutou com ar solene e perguntou com uma voz ben憝ola.
- Vocdiria que consegue ajudar 70% dos seus pacientes?
- Pelo menos isso - respondi.
- Ent緌, creio que n緌 hnenhum problema nesse caso - disse ele, dando-me um tapinha de leve na m緌. - Se vocconseguisse ajudar apenas 30% dos seus pacientes, eu talvez sugerisse que vocpensasse em mudar de profiss緌. Mas creio que estse saindo bem. No meu caso, as

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A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

pessoas tamb幦 me procuram pedindo ajuda. Muitas est緌 procurando por milagres, curas milagrosas e assim por diante, e naturalmente n緌 posso ajudar todo o mundo. Mas creio que o principal a motiva誽o - ter uma sincera motiva誽o para ajudar. Ent緌, sdar o melhor de n鏀 e n緌 temos de nos preocupar com isso.
"No meu caso, htamb幦 naturalmente algumas situa踥es que s緌 tremendamente delicadas ou s廨ias e representam uma enorme responsabilidade. Creio que o pior quando as pessoas p髊m muita confian蓷 ou fem mim, em circunst滱cias nas quais algumas solu踥es est緌 fora do alcance da minha capacidade. Nesses casos, claro que 跴 vezes surge uma ansiedade. Aqui, mais uma vez, voltamos import滱cia da motiva誽o. Depois, eu procuro me lembrar de que, no que diz respeito minha motiva誽o, sou sincero e que me esforcei ao m嫞imo. Com uma motiva誽o sincera, uma motiva誽o de compaix緌, mesmo que eu cometa um erro ou fracasse, n緌 hmotivo para remorso. Da minha parte, fiz o que pude. Portanto, se fracassei, foi porque a situa誽o estava fora do alcance dos meus melhores esfor蔞s. Assim, a motivar緌 sincera elimina o medo e nos proporciona seguran蓷. Por outro lado, se nossa motiva誽o oculta for a de enganar algu幦, nesse caso se falharmos, realmente ficaremos nervosos. Por幦, se cultivarmos uma motiva誽o orientada pela compaix緌, caso fracassemos, n緌 havernenhum remorso.
"Portanto, ainda mais uma vez, creio que a motiva誽o correta pode ser uma esp嶰ie de prote誽o, que atua como um escudo contra esses sentimentos de medo e ansiedade. A motiva誽o important疄sima. Com efeito, todas as a踥es
A ARTE DA FELICIDAI錖

humanas podem ser encaradas em termos de movimento, e o agente por tr嫳 de todas as a踥es nossa motiva誽o. Se desenvolvermos uma motiva誽o pura e sincera, se formos motivados por um desejo de ajudar alicer蓷do na generosidade, na compaix緌 e no respeito, poderemos realizar qualquer tipo de trabalho em qualquer campo e funcionar com efic塶ia muito maior, com menos receio ou preocupa誽o, sem ter medo da opini緌 dos outros, sem temer se acabaremos tendo ou n緌 sucesso na realiza誽o do nosso objetivo. Mesmo que deixemos de alcan蓷r nosso objetivo, poderemos ter a boa sensa誽o de termos ttado. No entanto, com uma motiva誽o perversa, as pessoas podem nos elogiar, ou n鏀 podemos atingir nossos objetivos, mas ainda assim n緌 seremos felizes."

fio examinar os ant獮otos para a ansiedade, o Dalai-Lama oferece duas solu踥es, cada uma atuando num n癉el diferente. A primeira envolve um combate en廨gico preocupa誽o e rumina誽o cr獼ica, atrav廥 da aplica誽o de um pensamento neutralizador: relembrando-nes de que se o problema tiver uma solu誽o, n緌 hnecessidade de preocupa誽o. Se ele n緌 tiver solu誽o, tamb幦 n緌 faz sentido nos preocuparmos.
O segundo ant獮oto uma solu誽o de alcance mais amplo. Ele envolve a transforma誽o Ja nossa motiva誽o fundamental. Hum contraste interessante entre o enfoque do Dalai-Lama quanto motiva誽o humana e o da psicologia e da ci瘽cia ocidental. Como examnamos anteriormente, pesquisadores que estudaram a motiva誽o humana inves-

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A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

tigaram os motivos humanos normais, analisando tanto as necessidades e impulsos instintivos quanto os adquiridos. Nesse n癉el, o Dalai-Lama concentrou-se em desenvolver e usar impulsos adquiridos para melhorar nosso "entusiasmo e determina誽o". Sob alguns aspectos, isso semelhante opini緌 de muitos "especialistas em motiva誽o" do Ocidente, que tamb幦 procuram de modo convencional refor蓷r nosso entusiasmo e determina誽o no sentido de realizar objetivos. No entanto, a diferen蓷 que o DalaiLama procura forjar a determina誽o e o entusiasmo com 0 objetivo de que nos dediquemos a comportamentos mais salutares e eliminemos tra蔞s mentais negativos, em vez de dar 瘽fase ao 瞡ito em alcan蓷r o sucesso material, o dinheiro ou o poder. E talvez a diferen蓷 mais surpreendente seja a seguinte: ao passo que os "especialistas em motiva誽o" est緌 ocupados insuflando as chamas de motivos jexistentes para o sucesso material, e que os te鏎icos ocidentais dedicam sua aten誽o total a categorizar os padr髊s das motiva踥es humanas, o interesse primordial do DalaiLama pela motiva誽o humana reside em reformular e mudarnossa motiva誽o fundamental por uma motiva誽o voltada para a compaix緌 e a benevol瘽cia.
No sistema do Dalai-Lama para treinar a mente e alcan蓷r a felicidade, quanto mais nos aproximamos de ser motivados pelo altru疄mo, tanto mais destemidos nos tornamos, mesmo diante de circunst滱cias extremamente propensas a gerar ansiedade. Por幦, o mesmo princ甑io pode ser aplicado de modo menos importante, atquando nossa motiva誽o n緌 chega a ser totalmente altru疄ta. Tomar dist滱cia, simplesmente ter certeza de que n緌 pre-

309
A ARTE DA FELICIDADE

tendemos prejudicar ningu幦 e de que nossa motiva誽o sincera podem ajudar a reduzira ansiedade em situa踥es normais do dia-a-dia.
N緌 muito tempo depois dessa tima conversa com o Dal ai-Lama, almocei com um grupo de pessoas entre as quais se inclu燰 um rapaz que eu ainda n緌 conhecia, estudante de uma universidade local. Durante o almo蔞, algu幦 perguntou como estava indo minha s廨ie de conversas com o Dalai-Lama, e eu relatei a troca de id嶯as sobre a supera誽o da ansiedade. Depois de ouvir calado enquanto eu descrevia a id嶯a da "motiva誽o sincera como um ant獮oto para a ansiedade", o estudante me confiou que sempre havia sido terrivelmente t璥ido e muito ansioso em situa踥es sociais. Pensando em como poderia aplicar essa t嶰nica para superar sua pr鏕ria ansiedade, ele disse ameia voz.
- Bem, tudo isso bem interessante; mas acho que a parte mais dif獳il ter essa motiva誽o sublime voltada para a benevol瘽cia e para a compaix緌.
- Suponho que seja mesmo - tive de admitir.
A conversa em geral passou para outros assuntos, e n鏀 terminamos nosso almo蔞. Por acaso, deparei com o mesmo estudante universit嫫io na semana seguinte no mesmo restaurante.
-Estlembrado de termos falado da motiva誽o e da ansiedade no outro dia? - perguntou ele, abordando-me em tom animado. - Pois bem, eu experimentei, e realmente funciona! Foi com uma garota que trabalha numa loja de departamentos no shopping center, e que eu jvi muitas vezes. Sempre tive vontade de convidla para sair, mas eu

A ",LPERAШO DE OBST磷ULOS

n緌 a conhecia e sempre fui muito t璥ido e ansioso. Por isso, nunca lhe dirigi a palavra. Pois bem, no outro dia, fui lde novo, mas dessa vez comecei a pensar na minha motiva諘o para fazer o convite. claro que minha motiva誽o que eu gostaria de namorla. Mas por tr嫳 dessa aspira誽o o que existe simplesmente o desejo de poder encontrar algu幦 que eu ame e que me ame. Quando pensei nisso, percebi que nada havia de errado com esse desejo, que minha motiva誽o era sincera; que eu n緌 desejava nenhum mal nem a ela nem a mim, mas scoisas boas. O simples fato de manter essa id嶯a em mente e de me lembrar dela algumas vezes pareceu me ajudar de alguma forma: ele me deu coragem para iniciar uma conversa com ela. Meu cora誽o ainda estava batendo forte, mas maravilhoso eu pelo menos ter sido capaz de reunir for蓷s para falar com ela.
- Fico feliz de saber - disse eu. - O que aconteceu depois?
- Bem, acabei descobrindo que ela jtem um namorado firme. Fiquei um pouco decepcionado, mas tudo bem. Jfoi 鏒imo eu ter conseguido superar minha timidez. E isso fez com que eu me desse conta de que, se eu tiver certeza de que n緌 hnada de errado com minha motiva誽o e se n緌 me esquecer disso, a t嶰nica pode ajudar na pr闛ima vez em que eu estiver na mesma situa誽o.
.A ARTE DA FELICIDADE

A HONESTIDADE COMO ANT沝OTO PARA O BAIXO
AMOR-PR紞RIO OU PARA O EXCESSO
DE CONFIANォ EM SI MESMO

Uma no誽o salutar de confian蓷 um fator cr癃ico para atingirmos nossos objetivos. Isso vale tanto se nosso objetivo for obter um diploma universit嫫io, criar uma empresa de sucesso, ter um relacionamento satisfat鏎io ou treinar a mente para sermos mais felizes. Um baixo amor-pr鏕rio inibe nossos esfor蔞s para avan蓷r, para enfrentar desafios e atmesmo para assumir alguns riscos quando necess嫫io na busca da realiza誽o dos nossos objetivos. O excesso de confian蓷 em si mesmo pode ser igualmente nocivo. Aqueles que sofrem de uma no誽o exagerada das suas pr鏕rias capacidades e realiza踥es est緌 permanentemente sujeitos a frustra踥es, decep踥es e acessos de raiva quando a realidade se manifesta e o mundo n緌 corrobora a vis緌 idealizada que t瘱 de si mesmos. E eles est緌 sempre a um passo de afundar na depress緌 quando n緌 conseguem se posicionar altura da idealiza誽o da imagem que fazem de si mesmos. Al幦 disso, a superioridade desses indiv獮uos costuma resultar numa no誽o de arrogar-se direitos e numa esp嶰ie de altivez que os distancia dos outros e impede relacionamentos satisfat鏎ios em termos emocionais. Finalmente, superestimar sua capacidade pode levlos a assumir riscos perigosos. Como o inspetor Dirty Harry Callahan, numa disposi誽o filos鏹ica, nos diz no filme Magnum 44 (enquanto observa o vil緌 exageradamente confiante ir pelos ares): "Cada um precisa conhecer suas limita踥es-.

A SUPERAШO DE OBST磷ULOS

Na tradi誽o da psicoterapia ocidental, te鏎icos assosciaram tanto a insufici瘽cia quanto o excesso de confian蓷 em si mesmo a transtornos na imagem que a pessoa faz de si pr鏕ria e foram procurar as origens desses trans;tor_ nos nos primeiros anos de cria誽o da pessoa. Muitos te~鏎icos encaram tanto a imagem depreciada de si mesmo quian_ to a imagem superestimada como dois lados da mesma moeda, conceituando por exemplo o enaltecimento dle si mesmo como uma defesa inconsciente contra inseguran蓷s latentes e sentimentos negativos que o indiv獮uo nutre por si mesmo. Em especial, os psicoterapeutas de oriental誽o psicanal癃ica formularam teorias sofisticadas sobre como ocorrem distor踥es na imagem de si mesmo. Eles explicam como a auto-imagem formada medida que as pessoas internalizam o retorno que obt瘱 do ambiente. De~crevem como as pessoas desenvolvem seus conceitos de quem s緌 por meio da incorpora誽o de mensagens expl獳itas e impl獳itas a respeito de si mesmas recebidas dos pais; e como podem ocorrer distor踥es quando as primeiras Intera踥es com quem cuida delas n緌 s緌 nem salutares :nem propiciadoras do seu desenvolvimento.
Quando transtornos na auto-imagem s緌 graves c) suficiente para causar problemas significativos nas suas vjdas, muitas dessas pessoas recorrem psicoterapia. Psicoterapeutas que trabalham com o insight concentram-se em ajudar os pacientes a adquirir uma compreens緌 dos modelos desajustados dos seus primeiros relacionamentos, que foram a causa do problema; e fornecem um feedback adequado bem como um ambiente terap盦tico no qual o; pacientes possam aos poucos reestruturar e corrigir sua 綦to-
A ARTE IDA FELICIDADE

imagem negativa. Jo Dalai-Lama concentra sua aten諘o em "arrancar a flecha" em vez de perder tempo procurando saber quem a atirou. Em vez de perguntar por que as pessoas t瘱 um baixo amor-pr鏕rio ou um excesso de confian蓷 em si mesmas, ele apresenta um m彋odo para combater diretamente esses estados mentais negativos.

Nas timas d嶰adas, a natureza do "eu" foi um dos t鏕icos mais pesquisados no campo da psicologia. Na d嶰ada de 1980, a "d嶰ada do eu", por exemplo, a cada ano milhares de artigos eram publicados com an嫮ises de quest髊s relacionadas ao amor-pr鏕rio e confian蓷 em si mesmo. Com isso em mente, abordei o tema com o Dalai-Lama.
- Numa das nossas outras conversas, o senhor falou da humildade como uma caracter疄tica positiva, e de como estassociada ao cultivo da paci瘽cia e da toler滱cia. Na psicologia ocidental, e na nossa cultura em geral, parece que a humildade em grande parte preterida, para que se desenvolvam qualidades como altos n癉eis de amor-pr鏕rio e de confian蓷 em si mesmo. Com efeito, no Ocidente confere-se muita import滱cia a esses atributos. Eu queria apenas saber o seguinte. O senhor acha que os ocidentais 跴 vezes tendem a dar 瘽fase excessiva confian蓷 em si mesmos? Que essa atitude um pouco complacente demais, ou exageradamente egoc瘽trica?
- N緌 necessariamente - respondeu o Dalai-Lama -, embora esse assunto possa ser muito complexo. Por exemplo, os grandes praticantes espirituais s緌 aqueles que fizeram um voto, ou desenvolveram a determina誽o, de erradicar

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

todos os seus estados mentais negativos a fim de ajudar a trazer a felicidade m嫞ima a todos os seres sencientes. Eles t瘱 esse tipo de sonho e aspira誽o. Isso exige uma fort疄sima no誽o de autoconfian蓷. E essa autoconfian蓷 pode ser muito importante porque ela nos proporciona uma certa ousadia mental que nos ajuda a realizar grandes objetivos. De certo modo, isso pode dar a impress緌 de uma esp嶰ie de arrog滱cia, embora n緌 em termos negativos. Ela estbaseada em motivos leg癃imos. Portanto, nesse caso, eu os consideraria muito corajosos... eu os consideraria her鏙s.
- Bem, para um grande mestre espiritual, o que na superf獳ie pode parecer uma forma de arrog滱cia talvez na realidade seja um tipo de autoconfian蓷 e coragem - admiti. - Para as pessoas normais, por幦, nas circunst滱cias do dia-a-dia, mais prov嫛el que ocorra o oposto: algu幦 parece ter forte confian蓷 em si mesmo ou alto grau de amor-pr鏕rio, mas de fato pode se tratar simplesmente de arrog滱cia. Entendo que, segundo o budismo, a arrog滱cia classificada como uma das "emo踥es doentias b嫳icas". Com efeito, jli que, de acordo com um sistema, s緌 relacionados sete tipos diferentes de arrog滱cia. Portanto, considera-se muito importante evitar ou superar a arrog滱cia. Mas tamb幦 considerado importante desenvolver um forte sentido de autoconfian蓷. Entre as duas parece 跴 vezes haver uma diferen蓷 m璯ima. Como podemos reconhecer a diferen蓷 entre elas e cultivar uma enquanto procuramos reduzir a outra?
- 龍 vezes dific璱imo distinguir entre a confian蓷 e a arrog滱cia - admitiu ele. - Talvez um modo de distinguir entre as duas seja ver se ela leg癃ima ou n緌. Podemos ter
A ARTE DA FELICIDADE

uma sensa誽o de superioridade muito leg癃ima ou segura com rela誽o a outra pessoa, e essa sensa誽o poderia ser bastante justificada e ter fundamento. Mas tamb幦 poderia haver uma no誽o exagerada do eu, totalmente infundada. Essa seria a arrog滱cia. Portanto, em termos do seu estado fenomenol鏬ico, elas podem parecer semelhantes...
- Mas uma pessoa arrogante sempre acha que tem um motivo v嫮ido para...
- verdade, verdade - reconheceu o Dalai-Lama.
- Ent緌, como podemos distinguir entre as duas? - in-

daguei.

- Creio 跴 vezes que sposs癉el fazer uma avalia誽o em retrospectiva, seja do ponto de vista do indiv獮uo, seja do ponto de vista de uma terceira pessoa. - O Dalai-Lama fez uma pausa e brincou. - Talvez a pessoa devesse ir justi蓷 para descobrir se seu caso de orgulho exagerado ou arrog滱cia! - E deu uma risada.
- Ao tra蓷r a distin誽o entre a presun誽o e a autoconfian蓷 leg癃ima - prosseguiu -, poder燰mos pensar em termos das conseqncias das nossas atitudes. A presun誽o e a arrog滱cia geralmente levam a conseqncias negativas, ao passo que a autoconfian蓷 salutar gera conseqncias mais positivas. Portanto, nesse caso, quando estamos lidando com a "confian蓷 em si mesmo", preciso examinar qual o sentido subjacente ao "si mesmo". Creio que podemos classificar duas categorias. Um sentido do eu, ou do "ego", estinteressado exclusivamente na realiza誽o do nosso pr鏕rio interesse, dos nossos desejos ego疄tas, com total menosprezo pelo bem-estar dos outros. O outro sentido do ego ou da no誽o do eu tem como base um interes-

EA SUYERAШO DE OBST磷ULOS

se verdadeiro) pelos outros e o desejo de ser il. Para que possa realizam esse desejo de ser il, preciso que a pessoa tenha um i forte sentido de identidade e uma no誽o de autoconfian蓷a. Esse tipo de autoconfian蓷 o que gera conseqncias pcositivas.
- Creio que anteriormente o senhor mencionou que um m彋odo paara ajudar a reduzir a arrog滱cia ou o orgulho, se a pessoa reeconhecesse o orgulho como defeito e desejasse superIdo, era o de contemplar o pr鏕rio sofrimento: refletindo sobare todas as formas pelas quais estamos sujeitos ou propernsos ao sofrimento, e assim por diante. Al幦 da contemplaa誽o do nosso sofrimento, existe alguma outra t嶰nica ou ant獮oto para trabalhar com o orgulho?
- Um ant!t獮oto consiste em refletir sobre a diversidade de disciplinass das quais n緌 temos nenhum conhecimento. Por exemlplo, no sistema educacional moderno, temos uma quantidaade de disciplinas. Portanto, se pensarmos sobre quantos campos nos s緌 desconhecidos, isso pode ajudar a superam o orgulho.
O Dalai-LLama parou de falar; e eu, pensando que aquilo era tudo o ~ que ele diria sobre o tema, comecei a folhear minhas anotaa踥es para passar para um t鏕ico novo. De repente, ele voltou a falar, num tom pensativo.
- Sabe, (estivemos conversando sobre o desenvolvimento de urrna autoconfian蓷 salutar... Creio que talvez a honestidade (e a autoconfian蓷 estejam intimamente associadas.
- O senhzor quer dizer ser honesto com n鏀 mesmos a respeito das mossas capacidades e assim por diante? Ou estse referindo a a ser honesto com os outros?
A ARTE DA FELICIDADE

- Os dois. Quanto mais honestos, mais francos n鏀 formos, menos medo vamos ter, porque n緌 havernenhuma ansiedade quanto possibilidade de sermos desmascarados ou expostos aos outros. Por isso, creio que, quanto mais honestos n鏀 formos, mais autoconfian蓷 teremos...
- Estou interessado em examinar um pouco mais como o senhor lida pessoalmente com a quest緌 da autoconfian蓷. O senhor jmencionou que as pessoas parecem procurlo com a expectativa de que o senhor realize milagres. Parecem p皾 muita press緌 nos seus ombros e ter expectativas muito altas. Mesmo que o senhor tenha uma motiva誽o fundamental correta, isso n緌 lhe causa uma certa falta de confian蓷 nas suas capacidades?
- Nesse caso, creio ser preciso ter em mente o que queremos dizer quando usamos as express髊s "falta de confian蓷" ou "ter confian蓷" em rela誽o a algum ato espec璗ico ou o que quer que seja. Para termos falta de confian蓷 quanto a alguma coisa, estimpl獳ito que se tem uma esp嶰ie de cren蓷 de que se pode realizar aquilo; de que, em termos gerais, a tarefa estao nosso alcance. Ent緌, se alguma coisa estdentro da nossa capacidade e n鏀 n緌 conseguimos realizla, come蓷mos a pensar que talvez n緌 sejamos suficientemente bons ou competentes, que n緌 estamos altura ou alguma id嶯a semelhante. No entanto, o fato de eu perceber que n緌 consigo realizar milagres... isso n緌 provoca uma falta de confian蓷, porque, para come蓷r, eu nunca acreditei que tivesse essa capacidade. N緌 espero de mim mesmo a capacidade de realizar feitos como os Budas plenamente iluminados: ser capaz de tudo conhecer, de tudo perceber ou de agir corretamente em todas as

A SUPERAШO DE OBST磷ULOS

circunst滱cias. Por isso, quando as pessoas me procuram e me pedem que as cure, que fa蓷 algum milagre ou algo parecido, em vez de me fazer sentir falta de confian蓷 em mim mesmo, isso me deixa totalmente constrangido.
"Em geral, creio que ser honesto consigo mesmo e com os outros a respeito do que se ou do que n緌 se capaz de fazer pode neutralizar essa sensa誽o de falta de autoconfian蓷.
"Ora, por exemplo, ao lidar com a situa誽o com a China, 跴 vezes eu sinto uma falta de autoconfian蓷. Mas geralmente consulto autoridades e em alguns casos indiv獮uos que n緌 sejam autoridades a respeito dessa situa誽o. Pe蔞 a opini緌 aos meus amigos e depois debato a quest緌. Como muitas dessas decis髊s s緌 tomadas com base em conversas com v嫫ias pessoas, sem precipita誽o, qualquer decis緌 que seja tomada faz com que eu me sinta muito confiante; e n緌 hnenhuma no誽o de remorso por ter seguido aquela linha de a誽o."

Uma auto-avalia誽o destemida e honesta pode ser uma arma poderosa contra a indecis緌 e a baixa autoconfian蓷. A cren蓷 do Dalai-Lama de que esse tipo de franqueza pode agir como um ant獮oto para esses estados mentais negativos foi de fato confirmada por uma s廨ie de estudos recentes que demonstram com clareza que as pessoas providas de uma vis緌 realista e precisa de si mesmas t瘱 a tend瘽cia a gostar mais de si mesmas e a ser mais confiantes do que aquelas com um autoconhecimento fraco ou impreciso.
Ao longo dos anos, muitas vezes presenciei demonstra踥es do Dalai-Lama de como a autoconfian蓷 prov幦 da
A ARTE DA FELICIDADE

honestidade e objetividade quanto 跴 nossas capacidades. Foi uma total surpresa para mim quando pela primeira vez eu : ) ouvi dizer "Eu n緌 sei" diante de uma plat嶯a numerosa em resposta a uma pergunta. Ao contr嫫io da atitude qual eu estava acostumado entre conferencistas no meio acad瘱ico ou entre aqueles que se apresentavam como autoridades, o Dalai-Lama admitiu sua falta de conhecimento sem embara蔞, sem explica踥es, sem tentar, desviando-se do assunto, dar a impress緌 de ter o conhecimento.
'-Na realidade, ele parecia extrair algum prazer quando deparava com uma pergunta dif獳il para a qual n緌 tinha resposta; e costumava fazer piadas a respeito. Por exemplo, uma tarde em Tucson, ele estava comentando um verso do Guide to the Bodhisattva's Way of Life, de Shantideva, que era extremamente complexo na sua l鏬ica. Lutou um pouco com o verso, confundiu-se e deu uma boa gargalhada.
- Estou confuso! Acho melhor deixlo de lado. Agora, no verso seguinte...
Em resposta a risos simp嫢icos da plat嶯a, ele riu ainda mais forte e comentou.
- Existe uma express緌 espec璗ica para essa abordagem. como um velho comendo, um velho com dentes muito fracos. O que for macio ele come. O que for duro ele simplesmente deixa de lado. - Ainda rindo, ele prosseguiu: - Por isso, por hoje vamos deixar esse verso de lado. - Nem por um instante ele se afastou da sua pr鏕ria suprema confian蓷.

A SUPERAЫO DE OBST磷ULOS

A REFLEX鬃 SOBRE NOSSO POTENCIAL COMO UM
ANT沝OTO PARA O 笈IO A N紎 MESMOS

Numa viagem 璯dia em 1991, dois anos antes da vi-
sita do Dalai-Lama ao Arizona, encontrei-me rapidamente com ele na sua casa em Dharamsala. Naquela semana, ele havia participado de reuni髊s di嫫ias com um ilustre grupo de cientistas, m嶮icos, psic鏊ogos e professores de medita誽o ocidentais, numa tentativa de examinar a intera諘o entre mente e corpo e compreender o relacionamento entre a experi瘽cia emocional e a sae f疄ica. Reuni-me com o Dalai-Lama num final de tarde, depois de uma das suas sess髊s com os cientistas. Mais para o final da nossa entrevista, o Dalai-Lama fez uma pergunta.
- Vocsabe que esta semana estive me encontrando com uns cientistas?
- Sei...
- Nesta semana foi levantado um assunto que considerei muito surpreendente. Esse conceito do "鏚io a si mesmo". Ele lhe familiar?
- Sem dida. Uma boa propor誽o dos meus pacientes sofre desse problema.
- Quando aquelas pessoas estavam falando a respeito disso, eu de in獳io n緌 tive certeza se estava entendendo bem o conceito - disse ele, com uma risada. - Pensei: "claro que nos amamos! Como uma pessoa pode se odiar?" Embora eu acreditasse ter alguma compreens緌 de como a mente funciona, essa id嶯a do 鏚io a si mesmo era totalmente nova para mim. O motivo pelo qual eu a considerava t緌 inacredit嫛el que os budistas praticantes trabalham
A ARTE DA FELICIDADE

muito no esfor蔞 de superar nossa atitude egoc瘽trica, nossos pensamentos e motiva踥es ego疄tas. Por esse ponto de vista, creio que nos amamos e nos valorizamos demais. Por isso, pensar na possibilidade de algu幦 n緌 se valorizar e atmesmo de se odiar era algo totalmente incr癉el. Como psiquiatra, vocpoderia me explicar esse conceito, como ele ocorre?
Descrevi-lhe sucintamente a vis緌 psicol鏬ica de como surge o 鏚io a si mesmo. Expliquei-lhe como nossa imagem de n鏀 mesmos moldada pelos nossos pais e pela nossa cria誽o, como captamos deles mensagens impl獳itas sobre n鏀 mesmos medida que crescemos e nos desenvolvemos; e delineei as condi踥es espec璗icas que geram uma imagem negativa de n鏀 mesmos. Passei ent緌 a detalhar os fatores que exacerbam o 鏚io a n鏀 mesmos, como por exemplo quando nosso comportamento n緌 estaltura da nossa imagem idealizada de n鏀 mesmos, e descrevi alguns dos modos pelos quais o 鏚io a n鏀 mesmos pode ser corroborado em termos culturais, especialmente em algumas mulheres e algumas minorias. Enquanto eu estava analisando esses pontos, o Dalai-Lama continuava a assentir, pensativo, com uma express緌 curiosa, como se ainda estivesse tendo alguma dificuldade para captar esse estranho conceito.

Groucho Marx disse uma vez em tom espirituoso: "Eu nunca entraria para um clube que me aceitasse". Numa extens緌 desse tipo de atitude pessoal negativa que resultou numa observa誽o sobre a natureza humana, Mark Twain

322

A SUPERAШO DE OBST磷ULOS

disse: "Nenhum homem, no fundo do seu 璯timo, sente algum respeito razo嫛el por si mesmo". E, tomando essa vis緌 pessimista da humanidade para incorporla 跴 suas teorias psicol鏬icas, o psic鏊ogo humanista Carl Rogers uma vez afirmou: "A maioria das pessoas se menospreza; considera-se desprez癉el e indigna de ser amada."
Existe na nossa sociedade uma id嶯a corrente, compartilhada por muitos psicoterapeutas contempor滱eos, de que o 鏚io a si mesmo prevalece na cultura ocidental. Embora ele sem dida exista, felizmente pode n緌 estar t緌 disseminado quanto muitos acreditam. Decerto um problema comum entre aqueles que procuram a psicoterapia, mas 跴 vezes os psicoterapeutas com cl璯ica particular t瘱 uma vis緌 parcial, uma tend瘽cia a basear sua opini緌 geral sobre a natureza humana naqueles poucos indiv獮uos que entram nos seus consult鏎ios. A maioria dos dados baseados em evid瘽cias experimentais estabeleceu, entretanto, o fato de que as pessoas t瘱 a tend瘽cia (ou pelo menos isso o que querem) a ver-se sob uma luz favor嫛el, classificando-se como "melhor do que a m嶮ia" em praticamente todas as pesquisas com perguntas sobre qualidades subjetivas e socialmente desej嫛eis.
Desse modo, embora o 鏚io a si mesmo possa n緌 ser t緌 generalizado quanto normalmente se acredita, ele ainda pode ser um obst塶ulo tremendo para muita gente. Fiquei t緌 surpreso com a rea誽o do Dalai-Lama quanto ele pr鏕rio ficou com o conceito do 鏚io a si mesmo. Sua resposta inicial em si pode ser muito reveladora e ben嶨ica.
Hdois pontos relacionados sua not嫛el rea誽o que justificam um exame. O primeiro consiste simplesmente no

323
A ARTE DA FELICIDADE

fato de ele n緌 estar familiarizado com a exist瘽cia do 鏚io a si mesmo. O pressuposto de que o 鏚io a si mesmo um problema humano muito comum leva a uma sensa誽o impressionista de que se trata de uma caracter疄tica profundamente entranhada na psique humana. No entanto, o fato de ela ser praticamente desconhecida em culturas inteiras, nesse caso na cultura tibetana, um forte sinal a nos lembrar que essa perturba誽o mental, como todos os outros estados mentais negativos que examinamos, n緌 uma parte intr璯seca da mente bumana. Ela n緌 algo com que jnascemos, cujo peso cai irrevog嫛el nas nossas costas; nem uma caracter疄tica indel憝el da nossa natureza. Ela pode ser eliminada. Somente essa percep誽o jserve para enfraquecer seu poder, oferecer-nos esperan蓷 e aumentar nosso compromisso de eliminla.
O segundo ponto relacionado rea誽o inicial do Dalai-Lama foi sua contesta誽o, "Odiara n鏀 mesmos? claro que n鏀 nos amamos!": Para aqueles de n鏀 que sofrem de 鏚io a n鏀 mesmos ou que conhecem algu幦 que tenha esse problema, essa resposta pode parecer incrivelmente ing瘽ua primeira vista. Por幦, depois de um exame mais minucioso, pode surgir uma verdade penetrante nessa sua resposta. O amor dif獳il de definir, e pode haver defini踥es diferentes. No entanto, uma defini誽o do amor, e talvez a forma mais pura e enaltecida desse sentimento, um desejo total, absoluto e incondicional da felicidade do outro, n緌 importa se o outro fa蓷 algo para nos ferir ou mesmo se gostamos dele ou n緌. Ora, no fundo do nosso cora誽o, n緌 hnenhuma dida quanto a todos n鏀 querermos ser felizes. Portanto, se nossa defini諃o do amor est
A SUPERAШO DE OBST磷ULOS

baseada num desejo aut瘽tico de que algu幦 seja feliz, ent緌 cada um de n鏀 de fato ama a si mesmo- cada um de n鏀 deseja sinceramente sua pr鏕ria felicidade. No meu trabalho em consult鏎io, 跴 vezes encontrei os casos mais extremos de 鏚io a si mesmo, ao ponto em que a pessoa passa a ter pensamentos recorrentes de suic獮io. No entanto, mesmo nos casos mais extremos, a id嶯a da morte em tima an嫮ise se baseia no desejo (por mais desorientado e equivocado que seja) do indiv獮uo de se libertar do sofrimento, n緌 de causlo.
Logo, talvez o Dalai-Lama n緌 estivesse muito longe do alvo na sua cren蓷 de que todos n鏀 temos um amorpr鏕rio latente; e essa id嶯a sugere um poderoso ant獮oto ao 鏚io a n鏀 mesmos. Podemos neutralizar diretamente pensamentos de autodesvaloriza誽o relembrando-nos de que, por mais que detestemos algumas das nossas caracter疄ticas, por tr嫳 de tudo isso n鏀 desejamos ser felizes, e esse um tipo profundo cie amor.

Numa visita subseqnte a Dharamsala, retomei o assunto do 鏚io a si mesmo com o Dalai-Lama. 默uela altura ele jestava familiarizado com o conceito e havia come蓷do a desenvolver m彋odos para combater o problema.
- Do ponto de vista do budismo - explicou -, estar em estado de depress緌, em estado de des滱imo, considerado uma esp嶰ie de caso extremo que pode obviamente ser um obst塶ulo para que demos os passos necess嫫ios para atingir nossos objetivos. Um estado de 鏚io a si mesmo ainda mais extremo do que um simples des滱imo e pode
A .ARTE DA FELICIDADE

ser muit疄simo perigoso. Para aqueles que se dedicam pr嫢ica budista, o ant獮oto para o 鏚io a si mesmo consistiria em refletir sobre o fato de que todos os seres humanos, n鏀 mesmos inclu獮os, t瘱 a natureza do Buda - a semente ou o potencial para a Perfei誽o, para a plena Ilumina誽o - por mais fraca, miser嫛el ou carente que possa ser nossa situa誽o atual. Portanto, aquelas pessoas envolvidas na pr嫢ica budl~ta que 1XIdeceirl de raiva ele si mesmas oci 鏚io ele si mesmas de\ el-ianl evitar a contempla誽o da natureza sofrida da exist瘽cia ou da natureza insatisfat鏎ia subjacente exist瘽cia. Em \ ez disso, elas deveriam se concentrar mais nos aspectos positivos da exist瘽cia, tais corno a avalia誽o do enorme potencial que se encontra dentro de n鏀 como seres humanos. E, ao refletir sobre essas OPOrtunidacles e potenciais, elas conseguir~髺 1111]ICI]til' seu sc迸titlo de valor e sua autoconfian蓷.

Propus rainha pergunta, que jse tornou padr緌, originada da perspectiva de 1_1111 11,10-lnidi.sta.
- Ber11, e qual seria o ant獮oto para algu嶯ll que nunca ouviu falar do conceito de natureza do BUCla ou chie pode n緌 ser budista?
- EIIl geral, rim ponto que poder燰mos salientar para essas pessoas que COMO seres humanos recebemos o dons dessa maravilhosa intelig瘽cia 11uinana. Al幦 disso, todos os seres humanos t瘱 a capacidade de agir com muita deterrnina誽o e de direcionar esse forte sentido de determina誽o para qualquer ponto em que gostariam de apliclo. Disso n緌 lia dida. Logo. se mantivermos uma conscientiza誺o desses potenciais e nos lembrarmos deles repetidamente atque isso se torne parte elo nosso tilado habitual ele per-

A SUPERAШO DE OBST磷I'ILO~S

ceber os seres humanos - a nSs mesmoss inclusive - isso poderia servir para ajudar a reduzir sentirnlentos de des滱imo, desamparo e menosprezo por n鏀 mlesmos.
O Dalai-Lama parou por u:n moment(o, e depois pros-

seguiu com uma inflex緌 de soldagem quie sugeria que ele
ainda estava investigando vigcrosarnente,, que continuava engajado num processo de descoberta.
- Creio que nesse caso pc:der燰nlo~ tra蓷r 11111 tipo de analogia com nossa forma de tr tar de enfeermidades f疄icas. Quando os m嶮icos tratam uni xiciente par., curlo de uma doen蓷 espec璗ica, eles n緌 s.lie adiuini`stranl antibi鏒icos para aquela condi誽o especial finas tanll~幦 se certificam de que as condi踥es f疄icas h嫳icas da pessoa tal que lhe permita ingerir antibi鏒icos e lolerlos. t-JL-I, para ter certeza disso, os m嶮icos \ erificain por exeillplo se a pessoa estem geral bem nutrida, e muitas \ ezes eles pode111 tarnb幦 ter de dar vitaminas ou s A lo qupala fortalecer- c> corpo. Desde que a pessoa tenha essa resist瘽cia b嫳ica no~ organismo, ll,,ivero potenci,il o" capacid,'icle n<> corpo para curar-se da enfermidade atrav廥 da inecli,ac跢. I)ct nwsnut t~rtncr. desde drtE~ tc~ttl?ctrnos co,tl?er璯tettt~, c, tios tttctntettluttnos conscientes clo fato de dttedispontos desse dota nutruvtIhoso dct inteli皻zcia htoncna beta cont.) de tttnct cupacidcule de d(-~ネnt,olver determinca誽o potra ttslct ctn termos positivos, Uni certo sentido dispwytos dessctsctt獮e mental b綼ica. 07taf犡蓷 kttente, que deritct clct mossa percep誽o desse imenso potencial btonctno. Essa percep誽o pode atuar como uma esp嶰ie de mecanismo integrado cie nos permita lidar com qualquer dificuldade, n緌 in1E.)Lta que situa誽o estejamos enfrentando. sem perder a esferan蓷 nem afundar no 鏚io a n鏀 mesmos.
A ARTE DA FELICIDADE

Lembrar a n鏀 mesmos as maravilhosas qualidades que compartilhamos com todos os seres humanos atua de modo a neutralizar o impulso de pensar que somos perversos ou que n緌 temos m廨ito. Muitos tibetanos fazem dessa uma pr嫢ica di嫫ia de medita誽o. Talvez seja por esse motivo que na cultura tibetana o 鏚io a si mesmo nunca se enraizou.

Quinta Parte

REFLEX帾S FINAIS
SOBRE COMO LEVAR
UMA VIDA ESPIRITUAL
Cap癃ulo 15

VALORES ESPIRITUAIS
ESSENCIAIS

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A arte da felicidade tem muitos componentes. Como vimos, ela come蓷 cota o desenvolvimento de uma compreens緌 das fontes mais verdadeiras da felicidade e de estabelecermos nossas prioridades na vida com base no cultivo dessas fontes. Isso envolve uma disciplina interior, um processo gradual de extirpar estados mentais destrutivos e substitulos por estados mentais positivos, construtivos, como por exemplo a benevol瘽cia, a toler滱cia e o perd緌. Ao identificar os fatores que levam a uma vida plena e satisfat鏎ia, conclu璥os com urna an嫮ise do componente final: a espiritualidade.

3B1
A ARTE IDA FELICIDADE

Existe urna tend瘽cia natural de associar a espiritualidade religi緌. A abordagem do Dalai-Lama para que alcancemos a felicidade foi forjada pelos seus anos de treinamento rigoroso como monge budista ordenado. Ele tamb幦 considerado por muitos como um eminente estudioso do budismo. Paira muitos, por幦, n緌 sua compreens緌 de complexas quest髊s filos鏹icas que desperta maior interesse mas, sim, seu calor humano, seu humor. sua abordagem pr嫢ica da vida. Com efeito, ao longo das nossas conversas, sua qualidade b嫳ica de ser humano parecia superar atmesmo seu papel primordial como monge budista. Apesar da cabe蓷 raspada e do extraordin嫫io h墎ito marrom-averrnelhado, apesar da sua posi誽o como uma das figuras religiosas mais proeminentes no mundo, o tom das nossas conversas sempre foi simplesmente de um ser humano para com outro, no exame de problemas que afetam a todos n鏀.
Ao nos ;ajudar a entender o verdadeiro significado da espiritualidade, o Dalai-Lama come蔞u tra蓷ndo uma distin誽o entre espiritualidade e religi緌.
- Creio ser essencial apreciar nosso potencial como seres humanos e reconhecer a import滱cia da transforma誽o interior. Isso deveria ser realizado atrav廥 daquilo que poderia ser chamado de processo de desenvolvimento mental. 龍 vezes, chamo essa atividade de ter uma dimens緌 espiritual navida.
"Pode haver dois n癉eis de espiritualidade. Um n癉el estrelacionado a nossas cren蓷s religiosas. Neste mundo, htanta gentte diferente, tantas disposi踥es diferentes. Somos cinco bilh髊s de seres humanos; e, sob uni certo aspecto,

COMO LEVAR UNIA VIDA ESPIRITUAL

creio que precisamos de cinco bilh髊s de religi髊s diferentes, tendo em vista a enorme variedade de disposi踥es. Creio que cada indiv獮uo deveria enveredar por um caminho espiritual que melhor se adequasse sua disposi誽o mental, sua inclina誽o natural, ao seu temperamento, 跴 suas cren蓷s, fam璱ia, forma誽o cultural.
--ora, por exemplo, como sou monge budista, considero o budismo o mais conveniente. Para mim, concluque o budismo o melhor. Mas isso n緌 significa que o budismo seja o melhor para todo o mundo. Isso estclaro. E categ鏎ico. Se eu acreditasse que o budismo era o melhor para todos, seria uma tolice, porque pessoas diferentes t瘱 disposi踥es mentais diferentes. Portanto, a variedade das pessoas exige uma variedade de religi髊s. O objetivo da religi緌 beneficiar as pessoas. E eu creio que, se tiv廥semos apenas uma religi緌, depois de algum tempo ela deixaria de beneficiar muita gente. Se tiv廥semos um restaurante, por exemplo, e nele sfosse servido um prato - dia ap鏀 dia, em todas as refei踥es - n緌 lhe restariam muitos fregueses depois de algum tempo. As pessoas precisam e gostam de variedade na comida porque existem muitos paladares diferentes. Do mesmo modo, as religi髊s destinam-se a nutrir o esp甏ito humano. E creio que podemos aprender a celebrar essa diversidade em religi髊s e desenvolver uma profunda aprecia誽o da variedade das religi髊s. Certas pessoas podem considerar que o juda疄mo, a tradi誽o cristou a tradi誽o isl滵ica a mais eficaz para elas. Por isso, devemos respeitar e apreciar o valor de todas a~ diferentes tradi踥es religiosas importantes no mundo.
"Todas essas religi髊s podem fazer uma contribui誺c efetiva para o bem da humanidade. Todas foram projetada
A ARTE DA FELICIDADE

para tornar o indiv獮uo mais feliz; e o mundo, um lugar melhor. No entanto, para que a religi緌 tenha um impacto em tornar o mundo um lugar melhor, creio ser importante que cada praticante siga sinceramente os ensinamentos daquela religi緌. Ele precisa incorporar os ensinamentos religiosos sua vida, onde quer que se encontre, para poder recorrer a eles como uma fonte de for蓷 interior. E preciso adquirir uma compreens緌 mais profunda das id嶯as da religi緌, n緌 apenas num n癉el intelectual roas com uma profundidade de sentimento, tornando-as parte da nossa experi瘽cia interior.
"Creio que deveria ser cultivado um profundo respeito por todas as diferentes tradi踥es religiosas. Um motivo para respeitar essas outras tradi踥es que todas elas podem fornecer uma estrutura 彋ica que pode comandar nosso comportamento e ter efeitos positivos. Por exemplo, na tradi誽o crist uma cren蓷 eIn Deus pode proporcionar pessoa uma estrutura 彋ica coerente e bem-definida pela qual ela pode pautar seu comportamento e seu estilo de vida. E ela pode ser uma abordagem poderos疄sima porque existe uma certa intimidade criada no nosso relacionamento com Deus; e o modo de demonstrar nosso amor por Deus, o Deus que nos criou, demonstrando amor e compaix緌 pelos seres humanos nossos semelhantes.
"Acredito que hmuitas raz髊s similares para respeitar outras tradi踥es religiosas tamb幦. Naturalmente, todas as religi髊s importantes proporcionaram enorme benef獳io a milh髊s de seres humanos ao longo de muitos s嶰ulos no passado. E, mesmo neste exato momento, milh髊s de pessoas ainda se beneficiam, obt瘱 algum tipo de ins-

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COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

pira誽o, dessas diferentes tradi踥es religiosas. Isso estclaro. Tamb幦 no futuro essas diferentes tradi踥es religiosas oferecer緌 inspira誽o a milh髊s nas gera踥es que est緌 por vir. Essa a verdade. Portanto, important疄simo perceber essa realidade e respeitar outras tradi踥es.
"Para mim, a ica forma de refor蓷r esse respeito muo atrav廥 do contato mais 璯timo entre os fi嶯s das diferentes religi髊s - contato pessoal. Ao longo dos timos anos envidei esfor蔞s para me reunir e dialogar, por exemplo, com a comunidade criste com a comunidade judaica; e creio que alguns resultados realmente positivos derivaram disso. Por meio desse tipo de contato mais 璯timo, podemos tomar conhecimento das contribui踥es valiosas que essas religi髊s fizeram humanidade e descobrir aspectos eis das outras tradi踥es, com os quais podemos aprender. Talvez atdescubramos m彋odos e t嶰nicas que poder燰mos adotar na nossa pr鏕ria pr嫢ica.
"Portanto, essencial que desenvolvamos la蔞s mais firmes entre as v嫫ias religi髊s. Com isso, poderemos fazer um esfor蔞 comum em prol da humanidade. S緌 tantas as coisas que dividem a humanidade... tantos problemas no mundo. A religi緌 deveria ser um rem嶮io destinado a ajudar a reduzir o conflito e o sofrimento no mundo, n緌 outra fonte de conflito.
"Costumamos ouvir as pessoas dizerem que todos os seres humanos s緌 iguais. Com isso queremos dizer que todos t瘱 o 鏏vio desejo da felicidade. Cada um tem o direito de ser uma pessoa feliz. E todos t瘱 o direito de superar o sofrimento. Portanto, se algu幦 extrai felicidade ou benef獳ios de uma tradi誽o religiosa em particular, torna-se

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A ARTE DA FELICIDADE

importante respeitar os direitos dos outros. Devemos, por isso, aprender a respeitar todas as principais tradi踥es religiosas. Isso evidente."

Durante a semana de palestras do Dalai-Lama em Tucson, o esp甏ito de respeito muo era mais do que uma id嶯a desej嫛el. Encontravam-se na plat嶯a integrantes de muitas religi髊s diferentes, entre eles inclu獮a uma boa representa誽o do clero crist緌. Apesar das diferen蓷s entre as tradi踥es, o recinto estava permeado por uma atmosfera de paz e harmonia. Isso era palp嫛el. Havia tamb幦 um esp甏ito de interc滵bio, e entre os n緌-budistas ali presentes n緌 era pequena a curiosidade quanto pr嫢ica espiritual di嫫ia do Dalai-Lama. Essa curiosidade levou um ouvinte a uma pergunta.
- Quer sejamos budistas, quer perten蓷mos a uma tradi誽o diferente, pr嫢icas tais como a ora誽o parecem receber 瘽fase. Por que a ora誽o importante para uma vida espiritual?
- Creio que a ora誽o principalmente, um simples lembrete di嫫io dos nossos princ甑ios e convic踥es mais arraigados - respondeu o Dalai-Lama. - Eu mesmo repito alguns versos budistas todas as manh綼. Os versos podem parecer ora踥es, mas na realidade s緌 lembretes. Lembretes de como falar com os outros, de como lidar com as pessoas, de como lidar com problemas na vida di嫫ia, esse tipo de coisa. Portanto, na maior parte do tempo, minha pr嫢ica envolve lembretes: reexaminar a import滱cia da compaix緌, do perd緌, tudo isso. E, naturalmente, ela tamb幦 inclui

COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

certas medita踥es budistas quanto natureza da realidade, bem como certas pr嫢icas de visualiza誽o. Por isso, na minha pr嫢ica di嫫ia, nas minhas pr鏕rias ora踥es di嫫ias, se n緌 me apressar, posso levar umas quatro horas. bastante tempo.
A id嶯a de passar quatro horas por dia em ora誽o propiciou a pergunta de outro participante.
- Sou m綣 de duas crian蓷s pequenas e trabalho fora. Tenho pouqu疄simo tempo livre. Para algu幦 que seja realmente ocupado, como que a pessoa consegue tempo para esse tipo de ora誽o e de pr嫢ica de medita誽o?
- Mesmo no meu caso, se eu quiser me queixar, sempre posso reclamar da falta de tempo - comentou o DalaiLama. - Sou muito ocupado. No entanto, se fizermos um esfor蔞, sempre poderemos encontrar algum tempo, digamos, no in獳io da manh E depois, creio que hcertos per甐dos, como os fins de semana. Podemos sacrificar parte da nossa divers緌. - Ele deu uma risada. - Portanto, no m璯imo, digamos uma meia hora por dia. Ou, se nos esfor蓷rmos, se tentarmos com afinco, talvez consigamos encontrar trinta minutos pela manhe trinta minutos noite. Se realmente nos dedicarmos a pensar nisso, talvez seja poss癉el descobrir um modo de arrumar um tempinho.
"Por幦, se pensarmos a s廨io sobre o verdadeiro significado das pr嫢icas espirituais, veremos que elas est緌 associadas ao desenvolvimento e treinamento do nosso estado mental, das atitudes, do estado e do bem-estar emocional e psicol鏬ico. N緌 dever燰mos restringir nosso entendimento da pr嫢ica espiritual a termos de algumas atividades f疄icas ou atividades verbais, como recitar ora踥es ou can-

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A ARTE DA FELICIDADE

tar hinos. Se nossa no誽o da pr嫢ica espiritual se limitar apenas a essas atividades, naturalmente, vamos precisar de uma hora espec璗ica, um per甐do marcado para realizar essa pr嫢ica - porque n緌 podemos sair por acumprindo as tarefas do dia-a-dia, como cozinhar entre outras, enquanto recitamos mantras. Isso poderia ser perfeitamente irritante para as pessoas ao nosso redor. No entanto, se entendermos a pr嫢ica espiritual no seu sentido verdadeiro, poderemos usar todas as vinte e quatro horas do dia para nossa pr嫢ica. A verdadeira espiritualidade uma atitude mental que se pode praticar a qualquer hora. Por exemplo, se nos encontramos numa situa誽o na qual poder燰mos nos sentir tentados a insultar algu幦, imediatamente tomamos precau踥es e nos impedimos de agir dessa forma. De modo semelhante, se encontrarmos uma situa誽o na qual talvez percamos as estribeiras, ficamos alerta imediatamente e dizemos a n鏀 mesmos que n緌, que essa n緌 a atitude adequada. Na realidade, isso pr嫢ica espiritual. A partir dessa perspectiva, sempre teremos tempo.
"Isso me lembra um dos mestres tibetanos Kadampa, chamado Potowa, que dizia que, para um praticante da medita誽o que tenha um certo grau de percep誽o e estabilidade interior, todos os acontecimentos, todas as experi瘽cias 跴 quais estamos expostos nos chegam como uma esp嶰ie de ensinamento. Uma experi瘽cia de aprendizado. Isso para mim muito verdadeiro.
"Portanto, a partir dessa perspectiva, mesmo quando somos expostos a, digamos, cenas perturbadoras de viol瘽cia e sexo, como na televis緌 e nos filmes, existe uma possibilidade de encarlas como uma consci瘽cia pr憝ia dos efeitos nocivos de ir aos limites. Desse modo, em vez de

COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

nos sentirmos totalmente dominados pela vis緌, podemos considerar essas cenas como um tipo de indicador da natureza prejudicial das emo踥es negativas desenfreadas algo de que podemos extrair li踥es."

Extrair li踥es de velhas reprises de lhe A-Team ou de Melrose Place uma coisa. Como budista praticante, por幦, o regime espiritual pessoal do Dalai-Lama sem dida inclui caracter疄ticas exclusivas do caminho budista. Ao descrever sua pr嫢ica di嫫ia, por exemplo, ele mencionou que ela inclu燰 medita踥es budistas sobre a natureza da realidade, bem como certas pr嫢icas de visualiza誽o. Embora no contexto dessa conversa ele mencionasse essas pr嫢icas somente de passagem, ao longo dos anos tive oportunidade de ouvi-lo debater esses t鏕icos exaustivamente suas palestras representaram algumas das mais complexas an嫮ises que jouvi sobre qualquer assunto. Suas palestras sobre a natureza da realidade eram repletas de argumentos e an嫮ises labirintinas, de natureza filos鏹ica; suas descri踥es de visualiza踥es t滱tricas eram inconcebivelmente intricadas e sofisticadas - medita踥es e visualiza踥es cujo objetivo parecia ser o de construir dentro da nossa imagina誽o uma esp嶰ie de atlas hologr塻ico do universo. Ele passara a vida inteira imerso no estudo e na pr嫢ica dessas medita踥es budistas. Foi com isso em mente, com conhecimento da monumental abrang瘽cia dos seus esfor蔞s, que lhe fiz a seguinte pergunta.
- O senhor poderia descrever o benef獳io ou impacto palp嫛el que essas pr嫢icas espirituais tiveram no dia-a-dia da sua vida?

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A ARTE DA FELICIDADE

O Dalai-Lama permaneceu calado por alguns momentos e depois respondeu, em voz baixa.
- Apesar de minha experi瘽cia poder ser 璯fima, uma afirma誽o que posso fazer com seguran蓷 que, em decorr瘽cia do treinamento budista, eu sinto que minha mente se tornou muito mais calma. Isso inquestion嫛el. Embora a mudan蓷 tenha ocorrido aos poucos, talvez de cent璥etro em cent璥etro - deu uma risada - creio que houve uma transforma誽o na minha atitude diante de mim mesmo e de outros. dif獳il identificar as causas precisas dessa mudan蓷, mas creio que ela tenha sido influenciada por uma percep誽o, n緌 uma percep誽o plena, mas um certo sentimento ou no誽o da natureza fundamental e oculta da realidade, e tamb幦 por meio da contempla誽o de temas tais como a imperman瘽cia, nossa natureza sofredora e o valor da compaix緌 e do altru疄mo.
"Portanto, por exemplo, mesmo quando penso nos comunistas chineses que infligiram um mal enorme a alguns tibetanos, em virtude da minha forma誽o budista, sinto uma certa compaix緌 atmesmo pelo torturador, porque compreendo que o torturador foi de fato coagido por outras for蓷s negativas. Por causa desses fatores e dos meus votos e compromissos de Bodhisattva, mesmo que uma pessoa tenha cometido atrocidades, eu simplesmente n緌 consigo sentir ou pensar que, em decorr瘽cia dessas atrocidades, ela deva passar por acontecimentos negativos ou n緌 deva ter um instante de felicidade*. O voto de Bodhisattva

No voto do Bodhisattva, a pessoa que se submete ao treinamento espiritual afirma sua inten誽o de se tornar Bodhisattva. Um Bodhisattva.

COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

me ajudou a desenvolver essa atitude. Foi muito il, e naturalmente eu amo esse voto.
"Isso me lembra um dos nossos principais mestres de canto que estno mosteiro Namgyal. Ele esteve em pris髊s chinesas como prisioneiro pol癃ico e campos de trabalhos for蓷dos durante vinte anos. Uma vez eu lhe perguntei qual havia sido a situa誽o mais dif獳il que ele enfrentou quando estava preso. Surpreendentemente, ele disse que para ele o maior perigo era o de perder a compaix緌 pelos chineses!
"E s緌 muitas as hist鏎ias semelhantes. Por exemplo, htr瘰 dias conheci um monge que passou muitos anos em pris髊s chinesas. Ele me disse que estava com vinte e quatro anos na 廧oca da insurrei誽o tibetana de 1959. Naquela 廧oca, ele se juntou 跴 for蓷s tibetanas em Norbulinga. Foi capturado pelos chineses e encarcerado com tr瘰 irm緌s que foram mortos l Outros dois irm緌s tamb幦 foram mortos. Depois, seus pais morreram num campo de trabalhos for蓷dos. No entanto, ele me disse que, na pris緌, refletiu sobre sua vida ata ocasi緌 e concluiu que, muito embora tivesse passado a vida inteira como monge no Mosteiro Drepung, ataquele instante sua impress緌 era a de que n緌 era um bom monge. Sentia que havia sido um monge obtuso. Naquele momento, fez um voto de que, agora que estava preso, tentaria ser um monge realmente

traduzido literalmente como o "guerreiro que desperta", algu幦 que, por amor e compaix緌, alcan蔞u uma percep誽o de Bodhicitta, um es-

tado mental caracterizado pela aspira誽o espont滱ea e genu璯a de alcan蓷r a plena Ilumina誽o a fim de poder beneficiar todos os seres.

311
A ARTE DA FELICIDADE

bom. Assim, em conseqncia das suas pr嫢icas budistas, em virtude do treinamento da mente, ele conseguiu permanecer muito feliz em termos mentais, mesmo quando sofria dor f疄ica. Mesmo quando foi submetido a torturas e graves espancamentos, ele p瀺e sobreviver e ainda se sentir feliz por encarar a prova誽o como uma purifica誽o do seu carma negativo.
"Portanto, com esses exemplos, podemos realmente apreciar o valor de incorporar pr嫢icas espirituais nossa vida di嫫ia."

Foi assim que o Dalai-Lama apresentou o timo ingrediente de uma vida mais feliz - a dimens緌 espiritual. Atrav廥 dos ensinamentos do Buda, o Dalai-Lama e muitos outros encontraram uma estrutura significativa que lhes permite suportar e atsuperar a dor e o sofrimento que a vida 跴 vezes traz. E, como sugere o Dalai-Lama, cada uma das principais tradi踥es religiosas do mundo pode oferecer as mesmas oportunidades para ajudar a pessoa a alcan蓷r uma vida mais feliz. O poder da f gerada em enorme escala por essas tradi踥es religiosas, estentremeado na vida de milh髊s. Essa profunda freligiosa foi o sustento de uma infinidade de pessoas durante tempos dif獳eis. 龍 vezes, ela atua com discri誽o, em pequenas realiza踥es; 跴 vezes, em profundas experi瘽cias transformadoras. Cada um de n鏀, em algum ponto na nossa vida, sem dida testemunhou a atua誽o desse poder em algum membro da famlia, algum amigo ou conhecido. De vez em quando, exemplos do poder de sustenta誽o da facabam nas primeiras p墔inas dos jornais. Muitos est緌 a par, por exemplo, da prova誽o de

COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

Terry Anderson, um homem comum que de repente foi seqstrado de uma rua de Beirute numa manhem 1985. jogaram um cobertor por cima dele; empurraram-no para dentro de um carro; e ao longo dos sete anos seguintes ele foi ref幦 do Hezbollah, um grupo de extremistas fundamentalistas isl滵icos. At1991, ele ficou preso em pequenas celas e por髊s idos e imundos; passou longos per甐dos acorrentado e de olhos vendados; suportou espancamentos constantes e condi踥es terr癉eis. Quando finalmente foi libertado, o mundo voltou os olhos para ele e encontrou um homem felic疄simo por ser devolvido fam璱ia e vida, mas com um 鏚io e um rancor surpreendentemente baixos pelos seus seqstradores. Quando os rep鏎teres lhe perguntaram qual era a fonte da sua for蓷 extraordin嫫ia, ele identificou a fe a ora誽o como fatores significativos que o ajudaram a suportar aquela prova誽o.
O mundo estcheio de exemplos semelhantes de como a freligiosa proporciona ajuda concreta em tempos dif獳eis. E extensas pesquisas recentes parecem confirmar o fato de que a freligiosa pode contribuir substancialmente para uma vida mais feliz. As pesquisas realizadas por pesquisadores independentes e por organiza踥es especializadas (como o Gallup) conclu甏am que as pessoas religiosas relatam sentir felicidade e satisfa誽o com a vida com freqncia muito maior do que as pessoas n緌-religiosas. Estudos revelaram que a fn緌 sum indicador de que as pessoas v緌 relatar sentimentos de bem-estar, mas tamb幦 que uma forte freligiosa parece ajudar indiv獮uos a lidar com maior efic塶ia com quest髊s tais como o envelhecimento, a atitude diante de crises pessoais e acontecimen-

343
A ARTE DA FELICIDADE

tos traum嫢icos. Al幦 disso, estat疄ticas revelam que fam璱ias daquelas pessoas com forte cren蓷 religiosa costumam apresentar 璯dices mais baixos de delinqncia, de abuso do 嫮cool e drogas, e de casamentos desfeitos. Existem algumas provas que sugeririam que a fpode ser ben嶨ica para a sae f疄ica das pessoas - mesmo daquelas com enfermidades graves. Houve, com efeito, literalmente centenas de estudos cient璗icos e epidemiol鏬icos que estabeleceram uma liga誽o entre a forte freligiosa, menores 璯dices de mortalidade e melhor sae. Num estudo, mulheres idosas com firmes cren蓷s religiosas conseguiram caminhar uma dist滱cia maior depois de cirurgia para corrigir a fratura da bacia do que aquelas com menos convic誽o religiosa; e tamb幦 ficaram menos deprimidas depois da cirurgia. Um estudo realizado por Ronna Casar Harris e Mary Amanda Dew no Medical Center da University of Pittsburgh concluiu que pacientes de transplante de cora誽o com firmes cren蓷s religiosas apresentam menor dificuldade para lidar com as prescri踥es m嶮icas p鏀-operat鏎ias e revelam melhor sae emocional e f疄ica a longo prazo. Em outro estudo, realizado pelo dr. Thomas Oxman e seus colaboradores na Dartmouth Medical School, descobriu-se que os pacientes com mais de cinqnta e cinco anos de idade submetidos a cirurgia de cora誽o para corrigir doen蓷 coronanana ou algum problema com as v嫮vulas do cora誽o que haviam procurado amparo nas suas cren蓷s religiosas tinham uma probabilidade tr瘰 vezes maior de sobreviver do que os que n緌 procuraram esse amparo.
As vantagens de uma forte freligiosa 跴 vezes se manifestam como um produto direto de certas doutrinas e cren-

COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

蓷s espec璗icas a uma tradi誽o em especial. Muitos budistas, por exemplo, encontram ajuda para suportar seu sofrimento em decorr瘽cia da sua firme cren蓷 na doutrina do carta. Da mesma forma, aqueles que t瘱 uma finabal嫛el em Deus costumam conseguir resistir a severas prova踥es gra蓷s sua cren蓷 num Deus amoroso e onisciente - um Deus cujos des璲nios podem nos ser obscuros no momento, mas que, na Sua sabedoria, acabarrevelando Seu amor por n鏀. Com fnos ensinamentos da B燢lia, essas pessoas podem extrair conforto de versos tais como Romanos 8:28: "E sabemos que todas as coisas contribuem juntas para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que s緌 chamados por Seu decreto."
Embora algumas das recompensas da fpossam ser baseadas em doutrinas espec璗icas, exclusivas a uma ica tradi誽o religiosa, existem outras caracter疄ticas fortalecedoras na vida espiritual que s緌 comuns a todas as religi髊s. O envolvimento com qualquer grupo religioso pode gerar uma sensa誽o de identifica誽o com os pares, de la蔞s de comunidade, um v璯culo de interesse pelos companheiros de f Ele oferece um espa蔞 significativo no qual podemos entrar em contato e nos relacionar com os outros. E nos proporciona um sentimento de aceita誽o. Cren蓷s religiosas firmemente enraizadas podem nos dar um profundo sentido de objetivo, conferindo significado nossa vida. Essas cren蓷s podem fornecer esperan蓷 diante da adversidade, do sofrimento e da morte. Podem nos ajudar a adotar uma perspectiva eterna que nos permita sair de dentro de n鏀 mesmos quando estivermos dominados pelos problemas di嫫ios da vida.

345
A ARTE DA FELICIDADE

Apesar de todos esses benef獳ios em potencial estarem dispon癉eis para aqueles que resolvam praticar os ensinamentos de uma religi緌 estabelecida, estclaro que ter uma cren蓷 religiosa por si sn緌 nenhuma garantia de felicidade e paz. Por exemplo, no mesmo instante em que Terry Anderson estava sentado acorrentado numa cela, demonstrando as melhores qualidades da freligiosa, bem do lado de fora da cela imperavam a viol瘽cia e o 鏚io em massa, numa demonstra誽o das piores facetas da freligiosa. Durante anos no L燢ano, v嫫ias seitas de mu蓰lmanos estiveram em guerra com os crist緌s e os judeus, guerra alimentada pelo 鏚io violento de todas as partes e que resultou em atrocidades inomin嫛eis cometidas em nome da f uma velha hist鏎ia, quinfelizmente jse repetiu muitas vezes ao longo dos tempos e que lamentavelmente continua a se repetir no mundo moderno.
Em conseqncia desse potencial para gerar a dissens緌 e o 鏚io, f塶il perder a fnas institui踥es religiosas. Isso levou algumas figuras religiosas, tais como o DalaiLama, a tentar isolar aqueles elementos de uma vida espiritual que possam ser universalmente aplicados a qualquer indiv獮uo a fim de propiciar sua felicidade, n緌 importa qual seja sua tradi誽o religiosa ou mesmo se essa pessoa acredita em religi緌.

Desse modo, com um tom de total convic誽o, o Dalai-Lama concluiu sua an嫮ise com sua vis緌 de uma vida verdadeiramente espiritual.
- Portanto, quando falamos em ter na nossa vida uma dimens緌 espiritual, jidentificamos nossas cren蓷s religio-

346

COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

sas como um n癉el de espiritualidade. Agora, com rela誽o religi緌, se acreditarmos em qualquer religi緌, isso bom. Por幦, mesmo sem uma cren蓷 religiosa, ainda podemos nos arranjar. Em alguns casos, podemos nos sair ainda melhor. Mas esse nosso pr鏕rio direito individual. Se quisermos acreditar, 鏒imo! Se n緌 quisermos, tudo bem. que existe um outro n癉el de espiritualidade. o que chamo de espiritualidade b嫳ica - qualidades humanas fundamentais de bondade, benevol瘽cia, compaix緌, interesse pelo outro. Quer sejamos crentes, quer n緌 sejamos, esse tipo de espiritualidade essencial. Eu particularmente considero esse segundo n癉el de espiritualidade mais importante do que o primeiro, porque, por mais maravilhosa que seja uma religi緌 espec璗ica, ainda assim ela sseraceita por um nero limitado de seres humanos, somente uma parte da humanidade. No entanto, enquanto formos seres humanos, enquanto formos membros da fam璱ia humana, todos n鏀 precisamos desses valores espirituais b嫳icos. Sem eles, a exist瘽cia humana dif獳il, muito 嫫ida. Resultado, nenhum de n鏀 consegue ser uma pessoa feliz, toda a nossa fam璱ia sofre com isso e a sociedade acaba ficando mais perturbada. Logo, torna-se claro que cultivar valores espirituais b嫳icos dessa natureza passa a ser crucial.
"No esfor蔞 para cultivar esses valores espirituais b嫳icos, creio que precisamos nos lembrar de que, dos talvez cinco bilh髊s de seres humanos no planeta, pode ser que um bilh緌 ou dois acreditem em religi緌 de modo sincero e genu璯o. Naturalmente, quando me refiro a crentes sinceros, n緌 estou incluindo aquelas pessoas que simplesmente dizem, por exemplo, que s緌 crist綼 principalmente porque

347
A ARTE DA FELICIDADE

seus antecedentes familiares s緌 crist緌s, mas que no diaa-dia podem n緌 levar muito em considera誽o a fcristou mesmo praticla. Portanto, exclu獮as essas pessoas, creio que talvez haja apenas por volta de um bilh緌 que sinceramente praticam sua religi緌. Isso quer dizer que quatro bilh髊s, a maioria das pessoas na terra, n緌 s緌 crentes. Logo, devemos descobrir um modo de tentar melhorar a vida para essa maioria, os quatro bilh髊s que n緌 est緌 envolvidos com alguma religi緌 espec璗ica - modos para ajudlos a ser bons seres humanos, providos de moral, sem recorrer a nenhuma religi緌. Sob esse aspecto, creio que a educa誽o de import滱cia crucial: ela pode instilar nas pessoas uma id嶯a de que a compaix緌 e a benevol瘽cia entre outras s緌 as qualidades positivas b嫳icas dos seres humanos, n緌 apenas temas religiosos. Creio que anteriormente falamos em detalhe sobre a extrema import滱cia do calor humano, do afeto e da compaix緌 para a sae f疄ica, a felicidade e a paz de esp甏ito das pessoas. Esta uma quest緌 muito pr嫢ica. N緌 se trata de teoria religiosa, nem de especula誽o filos鏹ica. um tema important疄simo. E para mim ele na realidade a ess瘽cia de todos os ensinamentos religiosos das diversas tradi踥es. No entanto, ele continua tendo a mesma import滱ca crucial para aqueles que preferem n緌 seguir nenhuma religi緌 espec璗ica. Quanto a essas pessoas, creio que podemos treinlas e ressaltar para elas que n緌 hproblema en n緌 ter religi緌, mas que preciso ser um bom ser humano, um ser humano sens癉el, com uma no誽o de responsablidade e compromisso por um mundo melhor e mais feliz.
"Em geral, poss癉el indicar nosso estilo de vida religioso ou espiritual arav廥 de meios exteriores, tais como

348

COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

o uso de certos trajes, a constru誽o de um altar ou santu嫫io na nossa casa, o h墎ito de recitar ou entoar ora踥es e assim por diante. Hmeios para demonstrar isso externamente. Por幦, essas pr嫢icas ou atividades s緌 secund嫫ias nossa condu誽o de um modo de vida realmente espiritual, sustentado por valores espirituais b嫳icos, porque poss癉el que todas essas atividades religiosas exteriores ainda coexistam numa pessoa que abriga um estado mental muito negativo. Ja verdadeira espiritualidade torna a pessoa mais calma, mais feliz, mais tranqla.
"Todos os estados mentais virtuosos - a compaix緌, a toler滱cia,, o perd緌, o interesse pelo outro e assim por diante -, todas essas qualidades mentais s緌 o aut瘽tico darma, ou genu璯as qualidades espirituais, porque todas essas qualidades mentais internas n緌 conseguem coexistir com rancores ou estados mentais negativos.
"Ora, dedicar-se ao treinamento ou a um m彋odo de produzir disciplina interior na nossa mente a ess瘽cia da vida religiosa, uma disciplina interior que tem o prop鏀ito de cultivar esses estados mentais positivos. Assim, o fato de levarmos ou n緌 uma vida espiritual depende de termos tido sucesso em produzir esse estado mental disciplinado e suavizado, e de termos expressado esse estado mental nos nossos atos di嫫ios."

0 Dalai-Lama deveria comparecer a uma pequena recep誽o oferecida em homenagem a um grupo de patrocinadores que tinham dado forte apoio causa tibetana. Do lado de fora do sal緌 da recep誽o, formara-se uma grande mul-

349
seus P1, _ . r

:E DA FELICIDADE

do seu aparecimento. Na hora em
-)essoas jestavam apinhadas. Entre os
omem que havia percebido umas duas
ente a semana. Era dif獳il determinar sua
,a calculado que ele teria seus vinte e pou
cos ., ata e poucos anos. Era alto e muito magro.
Embora sua apar瘽cia desgrenhada fosse extraordin嫫ia,
ele havia chamado minha aten誽o pela sua express緌:
uma express緌 que eu via com freqncia entre os meus
pacientes - ansiedade, depress緌 profunda, dor. E achei
ter percebido leves movimentos repetitivos involunt嫫ios
na musculatura em volta da sua boca. "Discinesia tardia",
diagnostiquei em sil瘽cio, uma condi誽o neurol鏬ica pro
vocada pela ingest緌 cr獼ica de medica誽o antipsic鏒ica.
"Pobre coitado", pensei na hora, e logo me esqueci dele.
Quando o Dalai-Lama chegou, a multid緌 se adensou,
num movimento para cumprimentlo. O pessoal da segu
ran蓷, a maioria de volunt嫫ios, fazia enorme esfor蔞 para
conter o avan蔞 da massa de pessoas e abrir caminho at o recinto da recep誽o. O homem transtornado que eu tinha
visto antes, agora com uma express緌 meio perplexa, foi
empurrado pela multid緌 e for蓷do ata beira da clareira
aberta pela equipe de seguran蓷. Quando ia passando, o
Dalai-Lama percebeu sua presen蓷, livrou-se da prote誽o
dos guarda-costas e parou para falar com ele. O homem de
in獳io ficou espantado e come蔞u a falar muito r嫚ido com
o Dalai-Lama, que lhe respondeu com algumas palavras.
N緌 pude ouvir o que diziam, mas vi que, medida que
ia falando, o homem come蔞u a parecer cada vez mais agi
tado. Ele disse alguma coisa, mas o Dalai-Lama, em vez de

COMO LEVER UMA VILA ESPIRITUAL

responder, segurou a n緌 do homem entre as suas, num gesto espont滱eo, afagou-a com delicadeza e por alguns instantes finou simplesmente ali parado, em sil瘽cio, movendo a cabe蓷 num festo conciliador. Enquanto segurava firme a m緌> do homen e olhava direto nos seus olhos, a impress緌 era que ele n緌 tomava conhecimento da multid緌 ao seu redor. A express緌 de dor e agita誽o de repente pareceu eesvair-se do rosto do homem, e l墔rimas lhe escorreram do>s olhos. Enbora o sorriso que brotou e lentamente se eslpalhou peas suas feij髊s fosse discreto, um ar de al癉io e alegria apareceu nos seus olhos.
seu

'ELICIDADE

*epetidas vezes que a discipliIa espiritual. o m彋odo fun`elicidade. Como ele explicou partir da sua perspectiva, a ombate aos estados mentais 鏚io e a gan滱cia, e o culti-

tais como a benevol瘽cia, a
tamb幦 ressaltou que uma
vida feliz constru獮a sobre um alicerce propiciado por um
estado mental est嫛el e tranqlo. A pr嫢ica da disciplina in
teriorpode incluir t嶰nicas formais de meditado que se des
tinam a ajudar a estabilizar a mente e atingir esse estado de
serenidade. A maioria das tradi踥es espirituais inclui pr ticas que procuram acalmara mente, que procuram nos p皾
em maior contato com nossa natureza espiritual mais pro
funda. Na conclus緌 da s廨ie de palestras abertas ao plico
do Dalai-Lama em Tucson, ele transmitiu instru踥es sobre
uma medita誽o criada para nos ajudar a come蓷r a acal
mar nossos pensamentos, a observara natureza oculta da
mente e, assim, a desenvolver uma "serenidade mental".
Com o olhar voltado para a plat嶯a, ele come蔞u a falar no seu estilo caracter疄tico; como se, em vez de estar se dirigindo a um grupo numeroso, ele estivesse instruindo cada indiv獮uo ali presente. 龍 vezes, estava im镽el e concentrado; 跴 vezes mais animado, coreografando seus ensinamentos com sutis inclina踥es da cabe蓷, gestos das m緌s e suaves bamboleios.

COMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

MEDITAォO SOBRE A NATUREZA DA MENTE

- O objetivo deste exerc獳io come蓷r a reconhecer a natureza da nossa mente e a ganhar familiaridade com ela, pelo menos num n癉el convencional. Geralmente, quando nos referimos nossa "mente", estamos falando sobre um conceito abstrato. Sem ter uma experi瘽cia direta da nossa mente, por exemplo, se nos pedirem que identifiquemos a mente, podemos ser levados a apontar meramente para o c廨ebro. Ou, se nos pedirem uma defini誽o da mente, podemos dizer que algo que tem a capacidade de "saber", algo que "lido" e "cognitivo". Por幦, sem que tenhamos captado o que a mente em termos diretos atrav廥 de pr嫢icas de medita誽o, essas defini踥es n緌 passam de palavras. importante poder identificar a mente por meio da experi瘽cia direta, n緌 apenas como um conceito abstrato. Portanto, o objetivo deste exerc獳io consiste na capacidade de sentir ou captar de modo direto a natureza convencional da mente, de modo tal que, quando dissermos que ela possui qualidades de "lucidez" e "cogni誽o", possamos distingui-Ia pela experi瘽cia, n緌 simplesmente como um conceito abstrato.
"Este exerc獳io nos ajuda a interromper deliberadamente os pensamentos discursivos e, aos poucos, a permanecer nesse estado por um per甐do cada vez mais longo. Com a pi嫢ica deste exerc獳io, acabaremos chegando a uma impress緌 de que n緌 existe nada, uma sensa誽o de vacuidade. No entanto, se avan蓷rmos, chegaremos a come蓷r a reconhecer a natureza oculta da mente, as qualidades de "lucidez" e "conhecimento". como ter um copo de puro
ICIDADE SOMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL

sentidos onde ela estvimdo e para onde estindo,

seus for pura, podemos ver o ' poss癉el manter a 墔ua parada. Isso nos per
cemos que a 墔ua estali. ent緌 seri2
sobre a n緌-conceitua- mitiria ver
p leito do rio com- perfeita nitidez. Da mesma
embotamento, ou de um forma, quando conseguimos ir-npedir que nossa mente cor
o ra atr嫳 de abjetos sensoriais, que pense no passado ou no
contr嫫io, em primei- yim por diante, e qruando tamb幦 conseguimos
,erar a determina誽o de futuro, e a5 mente do estado de `alheamento' total, ent緌
~ovido de pensamentos livrar noss3
imento para os a enxergar atrav廥 da turbul瘽cia dos pro
cessos de V ensamento. Existe uma serenidade subjacente,

__ ~,,a mente em grande parte direciona- uma lucidez oculta na mente. Dever燰mos tentar observar
da para os objetos externos. Nossa aten誽o acompanha as ou vivenc0 r isso
experi瘽cias sensoriais. Ela permanece num n癉el predo- "Pode Ner muito dif獳il no. est墔io inicial. Por isso, va
軒r a praticar a pairtir desta sess緌 mesmo. No
minantemente sensorial e conceituai. Em outras palavras, mos come
i normalmente nossa consci瘽cia estvoltada para experi瘽
in獳io, qual~do come蓷mos a -vivenciar esse estado natural
cias sensoriais f疄icas e para conceitos mentais. Neste exer- latente da consci瘽cia, pode ser que o experimentemos na
cicio, por幦, o que dever燰mos fazer recolher nossa men- forma de aIgum tipo de 'aus鋝cia'. Isso acontece porque
te para nosso 璯timo. N緌 vamos permitir que ela saia em
estamos mLf Ito habituados a entender nossa mente em ter
busca de objetos sensoriais, nem que preste aten誽o a eles.
mos de obf etos externos: ternos a tend瘽cia a encarar o
Ao mesmo tempo, n緌 permitamos que ela se recolha de mundo atra ,,.,es dos nossos conceitos, imagens e assim por
modo t緌 extremo que surja uma esp嶰ie de embotamento i sso, quando afastamos nossa mente de objetos
diante. Por
ou aus瘽cia de aten誽o. Dever燰mos manter um pleno es- quase como se n緌 reconhec瘰semos nossa
tado de alerta e aten誽o, e depois tentar ver o estado natu- externos, rre uma esp嶰ie dt-- aus瘽cia, um tipo de vazio.
mente. Oco., ral da nossa consci瘽cia - estado no qual nossa consci瘽- medida que forrmos avan蓷ndo lentamente
cia n緌 atormentada por pensamentos do passado, aquilo No entanto,costumarmos corri isso, come蓷remos a perce
e que nos a
que jaconteceu, nossas lembran蓷s e recorda踥es; nem idez subjacente, uma luminosidade. nesse
ber uma lu/~
atormentada por pensamentos do futuro, como nossas es- ue come蓷mos a apreciar e a perceber o esta
momento ql
peran蓷s, medos, expectativas e planos para o futuro. Mas, a mente.
"um do natural
sim, procuremos nos manter num estado neutro e natural. das experi瘽cias de medita誽o verdadeiramen
"Muitas
pouco como um rio com uma correnteza muito ter corno base esse tipo de sereni-
forte, no qual n緌 conseguimos ver o leito com clareza. Se te profunda,s precisam
houvesse, por幦, uma forma de parar a correnteza nos dois
dade da me Pnte... Ah" (o Dalai-Lama deu uma risada) "eu

354
A ARTE DA FELICIDADE.
GOMO LEVAR UMA VIDA ESPIRITUAL
deveria avisar que nesse tipo de medita誽o, como n緌 hDe longe, entretanto, ainda se conseguia calcular seu tra
um objeto espec璗ico no qual concentrar nossa aten誽o, jeto pela sutil modifica誽o no movimento das pessoas en
existe o perigo de adormecermos. quanto ele passava. Era como se ele tivesse deixado de ser

"E agora vamos meditar um objeto vis癉el para se tornar simplesmente a sensa誽o
"Para come蓷r, vamos primeiro cumprir tr瘰 ciclos de
de uma presen蓷.
respira誽o e concentrar nossa aten誽o simplesmente na res
pira誽o. Vamos snos conscientizar de inspirar, expirar e
depois inspirar, expirar... tr瘰 vezes. Depois, iniciemos a me
dita誽o."
O Dalai-Lama tirou os 鏂ulos, uniu as m緌s no colo e permaneceu im镽el em medita誽o. Um sil瘽cio total encheu o recinto, enquanto mil e quinhentas pessoas se voltavam para dentro, na solid緌 de mil e quinhentos mundos pessoais, procurando acalmar seus pensamentos e talvez ter um vislumbre da verdadeira natureza da sua pr鏕ria mente. Depois de cinco minutos, o sil瘽cio foi rompido mas n緌 destru獮o quando o Dalai-Lama come蔞u a cantar baixinho, com a voz grave e mel鏚ica, conduzindo delicadamente os ouvintes para que sa疄sem da medita誽o.

Ao final da sess緌 daquele dia, como sempre, o DalaiLama uniu as m緌s, fez uma rever瘽cia para a plat嶯a numa demonstra誽o de afeto e respeito, levantou-se e abriu caminho entre as pessoas que o cercavam. Suas m緌s permaneciam unidas e ele continuava a inclinar a cabe蓷 enquanto sa燰 do sal緌. Quando ia passando em meio multid緌, sua cabe蓷 ia t緌 baixa que, para qualquer um que estivesse a pouco mais de um metro de dist滱cia, era imposs癉el vlo. Ele parecia perdido num mar de cabe蓷s.

556
il

AGRADECIMENTOS

Este livro n緌 existiria sem os esfor蔞s e a benevol瘽cia de muitas pessoas. Em primeiro lugar, eu gostaria de expressar meus sinceros agradecimentos a Tenzin Gyatso, o d嶰imo quarto Dalai-Lama, com profunda gratid緌 por sua infinita gentileza, generosidade, inspira誽o e amizade. E aos meus queridos pais, James e Bettie Cutler, jfalecidos, por terem preparado o terreno para meu pr鏕rio caminho ata felicidade na vida.
Estendo meus sinceros agradecimentos a muitos outros.
Ao dr. Thupten Jinpa, por sua amizade, por sua ajuda na organiza誽o dos trechos do Dalai-Lama neste livro e por
A ARTE DA FELICIDADE

seu papel crucial como int廨prete para as palestras do Dalai-Lama ao plico bem como para muitas das nossas conversas particulares. Tamb幦 a Lobsang Jordhen, o vener嫛el Lhakdor, por atuar como int廨prete para uma s廨ie das minhas conversas com o Dalai-Lama na 璯dia.
A Tenzin Geyche Tethong, Rinchen Dharlo e Dawa Tsering, por seu apoio e aux璱io por diversos meios ao longo dos anos.
龍 muitas pessoas que trabalharam com tanto afinco para garantir que a visita do Dalai-Lama ao Arizona em 1993 fosse uma experi瘽cia gratificante para tantos outros: Claude d'Estree, Ken Bacher, bem como a diretoria e o pessoal da Arizona Teachings, Inc.; a Peggy Hitchcock e diretoria da Arizona Friends of Tibet; dra. Pam Wilson e todos os que ajudaram a organizar a apresenta誽o do Dalai-Lama na Arizona State University; al幦 das dezenas de volunt嫫ios por seus esfor蔞s incans嫛eis em prol dos que assistiram aos ensinamentos do Dalai-Lama no Arizona.
Aos meus fant嫳ticos agentes, Sharon Friedman e Ralph Vicinanza, bem como sua equipe maravilhosa, por seu est璥ulo, gentileza, dedica誽o, ajuda em muitas facetas deste projeto e pelos esfor蔞s muito superiores 跴 exig瘽cias das suas fun踥es. Tenho uma d癉ida especial de gratid緌 para com eles.
A todos os que me forneceram inestim嫛el conhecimentos, insighte assessoria editorial, al幦 de apoio pessoal durante o prolongado processo de cria誽o do livro: a Ruth Hapgood por seu trabalho talentoso na revis緌 das primeiras vers髊s do original; a Barbara Gates e dra. Ronna Kabatznick por sua ajuda indispens嫛el na dif獳il leitura do

360

AGRADECIMENTOS

material extens疄simo, e pela sua concentra誽o e organiza誽o desse material numa estrutura coerente; minha talentosa editora na Riverhead, Amy Hertz, por acreditar no projeto e ajudar a definir a forma definitiva do livro. Tamb幦 a Jennifer Repo e aos dedicados revisores e funcion嫫ios da Riverhead Books. Gostaria tamb幦 de expressar meu agradecimento carinhoso 跲ueles que ajudaram a transcrever as palestras do Dalai-Lama ao plico no Arizona, que datilografaram as transcri踥es das minhas conversas com o Dalai-Lama e que datilografaram partes das vers髊s iniciais do original.

Para concluir, minha profunda gratid緌
Aos meus professores.
minha fam璱ia e aos muitos amigos que enriqueceram minha vida mais do que eu poderia expressar: Gina Beckwith Eckel, dr. David Weiss e Daphne Atkeson, dra. Gillian Hamilton, Helen Mitsios, David Greenwalt, Dale Brozosky, Kristi Ingham Espinasse, dr. David Klebanoff, Henrietta Bernstein, Tom Minor, Ellen Wyatt Gothe, dra. Gail McDonald, Larry Cutler, Randy Cutler, Lori Warren; meu agradecimento especial com profunda admira誽o a Candee e Scott Brierlev; e aos outros amigos que posso ter deixado de mencionar aqui pelo nome, mas que sempre trago no meu cora誽o com respeito, gratid緌 e amor.

361
i

OBRAS SELECIONADAS DE
AUTORIA DE SUA SANTIDADE,
O DALAI-LAMA

I

11

As seguintes obras est緌 relacionadas em ordem alfab彋ica,
pelo t癃ulo.
i

lhe Dalai-Lama: A Policy of Kindness, compilado e organizado
por Sidnev Piburn. Ithaca: Snow Lion Publications, 1990.
A Flash of Ligbtning in the Dark of Night - A Guide to the
Bodhisattva's Way of Life, de S.S. o Dalai-Lama. Boston: Sham
bhala Publications, 1994.
The Four Noble Truths, de S.S. o Dalai-Lama. Tradu誽o de dr.
H Thupten jinpa, organiza誽o de Dominique Side. Londres:
Thorsons, 1998.
Freedom in Exile- TbeAutobiograpby of the Dalai-Lama, de S.S. o Dalai-Lama. Nova York: HarperC鏊lins, 1991.

The Good Heart - A Buddbist Perspective on the Teachings of
Jesus, de S.S. o Dalai-Lama. Boston: Wisdom Publications, 1996.
Kindness, Clarity, and Insight, de S. S. o Dalai-Lama. Jeffrey Hopkins, trad. e organizador; Elizabeth Napper, co-organizadora. Ithaca: Snow Lion Publications, 1984.
The World of Tibetan Buddbism, de S.S. o Dalai-Lama. Tradu誽o, organiza誽o e coment嫫ios de dr. Thupten Jinpa. Boston: Wisdom Publications, 1995.
Cromos褮 GR磯ICA E ED170RA L7DA

Rua UM-d, 307 - Vila Ec ep 03283-000 - S犦 Poulo - SP Te, lFax 017 8104-1176






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